o- Tem uma biografia peculiar. Nasceu no Brasil, em São Paulo, mas desde muito jovem cresceu em San Sebastián. E, a partir daí, viveu momentos muito importantes, por exemplo, na Real Sociedad, o seu primeiro clube. Aí, pouco a pouco, foi subindo na hierarquia até chegar à equipa principal. Mas, claro, deparou-se com o domínio inquestionável de ninguém menos que Arconada na baliza. É uma lenda, não é?
- É verdade. O meu sonho sempre foi jogar no Real, mas bem, quando cheguei à equipa principal, fomos campeões da Liga e, claro, havia um grande guarda-redes, o melhor da altura. E eu tive de ficar atordoado durante dois anos. Mas foi uma experiência maravilhosa e aprendi muito com esses jogadores.
- Foi nesse período, com os dois títulos da Real Sociedad. Teve também a oportunidade de ver essa equipa na Taça dos Campeões Europeus, ganhando uma Supertaça. Uma Real Sociedad, não sei se ainda é superior à Real Sociedad que temos vivido nos últimos tempos, que também tem estado a um nível muito elevado, certo?
- Acho que não se pode comparar épocas. Cada época tem a sua história, a sua forma de a viver, e penso que essa foi a época mais gloriosa da Real Sociedad, porque se juntou uma série de jogadores que eram excepcionais e que iriam seis ou sete vezes à seleção espanhola. Portanto, foi uma Real, penso que a melhor. Outra coisa é que noutros períodos, como este último, também foi extraordinário.

"Imanol fez um trabalho extraordinário"
- No final, há coisas que acontecem quando temos de vender, porque nos oferecem muito dinheiro por alguns jogadores. Tenho em mente o Mikel Merino, há o Oyarzábal... Houve jogadores muito importantes neste projeto nos últimos tempos com a Imanol. Tenho de lhe perguntar, porque é seguramente uma das grandes notícias das primeiras páginas dos meios de comunicação desportivos, o anúncio do Imanol de dar um passo em frente. Como é que o avalia?
- Penso que o Imanol tem feito um trabalho extraordinário, pois a equipa tem competido ao mais alto nível e penso que é também uma decisão acertada ele afastar-se para que o clube possa continuar. Com a mudança, vamos tomar outra direção e seguir em frente. Mas ele tem sido um treinador que tem aproveitado ao máximo a equipa de jovens, que tem estado ao mais alto nível e tem competido de forma soberba. Por isso, acho que ele merece ter tomado a decisão, para ser sincero.
- Acha que vai ser fácil substituí-lo ou vai ser o contrário, muito complicado?
- Bem, é difícil. O que o Imanol fez como treinador não é fácil, em clubes como a Real Sociedad, porque se percebe que há clubes com orçamentos maiores e com mais possibilidades de trazer mais pessoas. Por isso, acho que vai ser complicado para quem entrar, mas também é um projeto bom e ambicioso.
"Na Liga, só o Courtois e o Ter Stegen são tão bons como o Remiro"
- Antes de deixar a Real Sociedad, o que me pode dizer sobre Remiro? Para mim, é um dos grandes guarda-redes do panorama nacional e certamente não é valorizado como merece, porque é um guarda-redes que defende.
- Vejamos, é um guarda-redes de grande nível. Penso que, na Liga, haverá poucos que o possam igualar. Poucos, se não quase nenhuns, para além de Courtois ou Ter Stegen, que podem igualar o nível de Remiro, claro.
- Quem escolheria, Remiro ou Joan García, se tivesse de investir?
- Sempre pelo jovem, mas, mas acho que neste momento estão os dois a jogar muito bem e são ambos grandes guarda-redes. Neste momento, por causa da compostura e tudo o mais, optaria pelo Remiro.
- Depois pergunto-lhe sobre o Espanhol, que também foi uma das equipas por onde passou durante o seu tempo de jogador ativo. Mas primeiro, em termos cronológicos. Da Real Sociedad foi para o Osasuna, obviamente à procura de jogar. Também foi difícil para ele ganhar um lugar lá, mas acabou por conseguir, especialmente na segunda época, com a qualificação para a UEFA. E houve uma altura em que esteve na ribalta, até para o Mundial, o que é que aconteceu nessa altura, se ele tinha mesmo hipóteses ou como é que foi?
- Eu estava numa pré-seleção, o Miguel Muñoz era o treinador e eu estava no Vicente Calderón. Fizemos um jogo, havia quatro guarda-redes e, no final, fiquei de fora, infelizmente.
- Foi para o Campeonato do Mundo de 86, no México, não foi?
- Exato. Depois estive lá algumas outras vezes também, mais tarde, quando estava no Athletic. Estive em três eliminatórias e também fiquei de fora no final. Mas estive lá.

- Também tenho de perguntar sobre o Osasuna. Passou por algo semelhante ao que a Real Sociedad vai passar em breve, alguém como Jagoba Arrasate, que estava lá há muito tempo, a quem as pessoas estavam muito habituadas, de repente houve uma mudança. Jagoba decidiu saltar para Maiorca e chegou Vicente Moreno. Havia muitas dúvidas, porque ele também não tinha muita experiência na primeira divisão, mas tem-se saído muito bem, não é verdade? Que balanço faz desta época no Osasuna com essa mudança?
- Penso que o Osasuna está a fazer uma boa época, que o treinador se adaptou bem à equipa e a equipa ao treinador. Penso que estão num bom e belo caminho. Penso que estão a fazer uma boa época, claro.
"Fomos para o Saragoça, o Zubi acabou no Barça e eu acabei no Athletic"
- Então, do Osasuna vai para o Athletic e gostaria que me explicasse. Porque eu não sabia da operação totalmente bizarra que aconteceu para que o Andoni Zubizarreta fosse parar ao Barça e tu acabasses por ir para o Athletic. Como é que isso aconteceu?
- Foi um pouco surpreendente, para ser sincero. Sabia-se que o Barcelona tinha dado algum dinheiro ao Osasuna para uma opção, não só por mim, mas por vários jogadores. Depois, queriam contratar o Zubizarreta, que, em princípio, estava no Athletic. Então, fomos um dia a Saragoça, o presidente do Osasuna ligou-me, eu fui com o meu agente Miguel Santos e foi tudo cozinhado lá num hotel, numas suites que tínhamos e o Zubizarreta foi para o Barcelona, eu fui para o Athletic e foi assim. Estivemos lá praticamente um dia inteiro.
- O Athletic, com dinheiro, deixou sair Zubizarreta, mas em troca queria que o Barcelona lhe desse um guarda-redes que também cumprisse os requisitos do Athletic. Apesar de ter nascido no Brasil, fisicamente em São Paulo, você é basco, não é? Cresceu em San Sebastian.
- Não, além do facto de os meus pais serem de San Sebastian. Eu nasci e a gente nasce onde a gente nasce, né? Portanto, isso é uma anedota, porque eu não voltei lá porque não tenho nada nem ninguém. Os meus pais emigraram para lá, imagino que para trabalhar e tal. E eu, bem, nada, nasci lá, tal como o meu irmão.
- E suponho que isso é perfeito para si, não é? Depois de ter jogado praticamente na Real Sociedad, depois de se ter afirmado no Osasuna, chegar a um grande clube como o Athletic foi um passo de gigante para si, não foi?
- Para mim, é o melhor clube em que já estive na minha vida. Estou muito grato e feliz por ter podido fazer estas quatro épocas.
"É praticamente impossível fazer melhor do que aquilo que o Athletic está a fazer este ano"
- O Athletic, vejam a época que teve. Com Ernesto Valverde, nas meias-finais contra o United, com o sonho de jogar e ganhar a final da Liga Europa em La Catedral, e na zona da Liga dos Campeões em La Liga, o que também não é fácil. Por outras palavras, não sei se é possível fazer melhor do que o Athletic está a fazer.
- Não, não, melhor é praticamente impossível. Mas o Athletic, para além de ter jogadores extraordinários neste momento, tem uma massa adepta que se esforça muito, que está sempre presente e que, quando estamos mal, nos levanta.
"Vejo o empate com o United como 50-50"
- Como vê o embate com o United? O United está a fazer uma época horrível, o oposto do Athletic, mas também está concentrado nesta Liga Europa. Que opções dá ao Athletic?
- Penso que, neste momento, é cinquenta por cento, sinceramente. O Manchester United é um transatlântico, é um clube muito grande, que não está a ir bem neste momento. Mas compete ao mais alto nível e penso que vai ser um jogo complicado, mas gostaria que o Athletic ganhasse, logicamente.
- Eles têm o jogo da segunda mão em Old Trafford, não é?
- Sim, mas penso que, neste momento, como não há duplo valor para os golos fora de casa, é muito mais equilibrado e penso que a competição ganhou com isso. Pode, pode acontecer.

"O sinal da minha carreira tem sido preencher as lacunas das pessoas ao mais alto nível"
- Para terminar a nossa conversa, tenho de lhe fazer uma pergunta sobre o Espanhol. É curioso que tenham surgido nomes de guarda-redes lendários. Em primeiro lugar, Arconada, da Real Sociedad, com quem ele se encontra. Em segundo lugar, Zubizarreta também, com muitos jogos disputados. E depois vem o terceiro. Vai para o Espanyol, nada mais nada menos, para substituir Tommy N'Kono, que é também uma extraordinária lenda dos Pericos.
- De facto, foi esse o meu sinal, a minha carreira, substituir pessoas ao mais alto nível. Por isso, não tive outra alternativa senão arregaçar as mangas e fazer tudo o que estava ao meu alcance. A verdade é que também tive três anos extraordinários no Espanhol e estou muito feliz por ter estado lá e por ter feito parte da família azul e branca.
- Suponho que, por ter pertencido a essa instituição, você também esteja ansioso pela estabilização do clube na primeira divisão, não é mesmo? O Espanhol, que parece estar à beira de o conseguir com Manolo González.
- Sim, acho que estão a lutar bem este ano. Reforçaram-se bem em janeiro e penso que vão conseguir. O Espanhol, o que eu vivi e tudo isso, toda a minha vida foi um pouco assim, não foi? Um pouco mais alto, um pouco mais baixo, mas sempre a lutar para atingir o objetivo.
- Última pergunta, Vicente, quem acha que tem mais hipóteses de ser campeão, o Athletic na Liga Europa ou o Barcelona na Liga dos Campeões?
- O Athletic. Penso que ambos têm hipóteses. Acho que têm hipóteses e seria fantástico se ganhassem os dois, para ser sincero.