Exclusivo com Lees-Melou sobre a evolução do Paris FC: "Meios e investimento não garantem top 5"

Pierre Lees-Melou falou em exclusivo ao Flashscore
Pierre Lees-Melou falou em exclusivo ao FlashscoreFRANCK FIFE/AFP

Entre ambição assumida, estruturação metódica e adaptação à Ligue 1, Pierre Lees-Melou faz um balanço claro: o Paris FC cresce sem queimar etapas. O médio de 32 anos relata o seu dia a dia num clube em construção e o seu papel central num projeto promissor.

- Paris... é bem diferente de Brest. Não ficou demasiado abalado com a vida (e o stress) parisiense?

- Sim, a mudança é grande. Chegamos à capital, claro. Eu, que venho de Brest, onde tudo ficava a dez minutos, é verdade que aqui as deslocações são mais longas, há trânsito... É uma questão de hábito. No início, custou-me um pouco mais, mas agora já estou habituado. E estou muito feliz por estar aqui: vamos poder começar a descobrir o que nos rodeia. As primeiras semanas foram complicadas: encontrar casa, estar no hotel... não é fácil. Mas agora que já estamos instalados, tudo se tornou mais simples. Mesmo estando longe de Brest.

- Já passou por clubes bem estabelecidos na Ligue 1, seja o Nice ou o Stade Brest: o que representa para si o desafio de participar na construção de um clube que se quer ambicioso?

- É um projeto entusiasmante. É sempre bom estar envolvido em algo ambicioso. Mas, como costumo dizer: um projeto ambicioso não garante sucesso. Não é por haver um investidor importante que tudo se torna fácil. Vê-se bem: este ano, nada é simples. A Ligue 1 é um campeonato exigente, tudo se decide em pormenores. Mas fazer parte do início de um projeto tão ambicioso – mesmo que tenha começado no ano passado – é realmente gratificante.

As últimas temporadas de Lees-Melou
As últimas temporadas de Lees-MelouFlashscore

- E para corresponder às expectativas, o nível tem de acompanhar. Já somou 13 jogos (12 como titular). Primeiro: como está a sua tíbia? E depois: de que forma a sua experiência influencia o seu dia a dia no Paris FC?

- Os exames são tranquilizadores. É a perna direita, a mesma onde tive a lesão, mas não tem nada a ver: foi apenas uma pancada mal dada, que deixou a perna um pouco dormente. Mas não há fraturas. Quanto à segunda parte, o meu trabalho diário, é uma boa questão: tento trazer o meu profissionalismo e vontade, como sempre fiz. Ter experiência não significa acomodar-se. Pelo contrário: procuro trazer rigor, não ter preguiça de treinar, mostrar sempre vontade, agressividade, mesmo nos treinos. É isso que me motiva e sempre me motivou. Sinto-me um privilegiado por fazer esta profissão. Por isso, aproveito cada sessão, cada jogo. Sei que nem tudo é perfeito, mas no que toca à entrega e superação, nunca me poderão apontar nada.

- E o seu corpo, sente-se preparado para aguentar mais alguns anos?

- Mentalmente, estou muito fresco, nada desgastado pelo futebol. Portanto, será mesmo o corpo a decidir. De resto, a cabeça está sempre motivada e apaixonada. Se puder jogar até aos 40 anos, jogarei até aos 40 anos.

- Vem aí uma série importante de jogos, depois de duas derrotas frente a equipas fortes: Le Havre e Toulouse, 6 pontos possíveis que podem permitir à equipa subir ao máximo na classificação antes do período natalício. Como encara este momento?

- A Ligue 1 é imprevisível. Perdemos jogos que devíamos ter ganho, e ganhámos outros onde ninguém esperava, como no Mónaco. É isso que também dá encanto ao campeonato. Essas (possíveis) vitórias (Le Havre, Toulouse) fariam-nos muito bem contra equipas mais próximas do nosso “campeonato”, se assim me posso exprimir sem faltar ao respeito. E dos jogos que referiste, dois são em casa: seria importante voltarmos a ser sólidos no nosso estádio, sermos mais difíceis de bater e, acima de tudo, conseguirmos somar pontos em casa.

- Sente que o grupo está cada vez mais preparado para a elite à medida que as semanas passam?

- Sim, sem dúvida. Muitos estavam a descobrir a Ligue 1 ou tinham pouca experiência neste nível. Há sempre um período de adaptação, e tem de ser o mais rápido possível, porque a Ligue 1 não perdoa. Hoje, todos perceberam o que este campeonato exige. Muitas vezes ficamos com algum amargo de boca, porque fazemos coisas interessantes, mas também cometemos erros. Quando analisamos todos os jogos, tirando talvez o de Lille (derrota 4-2), e mesmo assim, há sempre motivos para lamentar cada ponto perdido. Agora, temos de fazer com que esses detalhes joguem a nosso favor.

- Que frase do treinador ou do presidente o fez perceber que seria um jogador importante aqui?

- Foi um conjunto de coisas. Interessaram-se pelo jogador, mas também pela pessoa, pelo meu estado de espírito. Falaram-me do que podia trazer em termos de experiência. É sempre bom quando um clube reconhece os teus valores e te pede para os integrares no projeto. E estava numa fase da carreira em que queria um novo desafio, já tinha fechado o ciclo em Brest. O timing foi perfeito.

- Qual é o seu maior trunfo no Paris FC? E como descreveria o seu papel?

- Calma, experiência e serenidade. Não entro em pânico. Tento trazer controlo, gerir os momentos altos e baixos. Depois, não sou alguém que faz grandes discursos à frente de todos, não gosto, não sou um grande orador: falo pouco em grupo, prefiro o contacto individual. Se tiver de aconselhar alguém, faço-o à parte, no treino. Sou mais um líder pelo exemplo e pelas ações do que pelas palavras.

- O seu papel aqui é trazer experiência, como disse. Mas o que tem a aprender no Paris FC?

- Há sempre algo a aprender, mesmo aos 32 anos. O treinador tem uma visão diferente da que conheci. Por exemplo, gosta que o 6 desça para a linha dos quatro defesas e forme uma linha de cinco para dar mais segurança. Nunca tinha trabalhado isso. Por isso, estou a adaptar-me, a evoluir.

- Se eu lhe disser: “O Paris FC estará nas competições europeias dentro de dois anos”, o que responde?

- Why not? (risos) Porque não? Tudo é possível no futebol. Dou o exemplo do Brest: ninguém imaginava que acabaríamos em 3.º e que jogaríamos a Liga dos Campeões. Estávamos todos no auge, tudo nos corria bem, é verdade, mas não foi sorte. Éramos um grupo de 14-15 jogadores que funcionava muito bem. Portanto, sim, tudo pode acontecer. Mas prefiro ser cauteloso: não é por um clube ser ambicioso e ter meios que o sucesso é imediato.

- Como descreveria a ambição do Paris FC por dentro e qual é a maior força deste clube neste momento?

- Acho que estão a fazer as coisas bem. Estão a recomeçar tudo pela base: direção financeira, direção desportiva, renovação do centro de treinos... Avançam passo a passo. Investem, mas sem loucuras. Estão a estruturar-se. Pode ser que não resulte, mas para já, parece-me coerente.

- E se tivesse de apontar um defeito?

- Sinceramente, para já... Vê algum?

- Eu não, mas você! (risos)

- Sinceramente, não. Acho até positivo que não tenham anunciado querer jogar a Liga dos Campeões logo no primeiro ano. Estão a dar tempo ao tempo. E num campeonato como a Ligue 1, é preciso respeitar as etapas. Não é por se ter meios e investir em 3-4 jogadores que se chega logo ao top 5.

- Jürgen Klopp faz parte da estrutura. Li que ainda não teve oportunidade de falar com ele, não sei se isso já mudou...

- Continua igual e também não faço questão de falar com ele (risos).

- Mas se surgir a oportunidade, porque é uma figura de peso...

- Sim, claro que não me importaria, porque é um grande nome do futebol e é sempre interessante trocar ideias com pessoas assim. Mas não é um objetivo. O diretor desportivo, o treinador e o presidente é que estão realmente presentes no dia a dia do Paris FC.

- O que mais o surpreendeu – pela positiva – ao conhecer este grupo? Algum jogador lhe causou boa impressão?

- O que me surpreendeu foi o quão saudável é o grupo. Fui muito bem recebido, gostam de brincar, há muita piada entre todos. E também levo com elas! (risos) Quanto a jogadores, diria Samir Chergui. Não o conhecia, mas fiquei impressionado: não complica, é divertido, e em campo é muito disciplinado, muito forte. Nem sei se já foi ultrapassado uma vez sequer.

- Sente alguma ligação especial com outro jogador do plantel em campo?

- Em campo, entendi-me rapidamente com o Maxime López e o Ilan Kebbal: são jogadores de posse, como eu. Foi preciso algum tempo para perceber como cada um prefere receber a bola, mas agora já os conheço muito melhor. Quando se chega a um novo clube, nem sempre se conhece todos os jogadores. E eu, por exemplo, não conhecia alguns, porque não via muitos jogos da Ligue 2 – nem de futebol em geral.

- Quando o futebol é o seu dia a dia, tem vontade de ver outras coisas nos tempos livres...

- Sim, não vejo muito futebol fora do trabalho. Às segundas de manhã, vejo só os resumos no YouTube, e chega-me. É cansativo ver jogos inteiros na televisão. Às vezes vejo vídeos do National (terceiro escalão), porque conheço alguns jogadores que lá jogam. Mas é raro ver um jogo completo. Depois tento ver a minha antiga equipa, por exemplo, vi o Brest-Metz. 

- Qual é, ou era, o jogo que mais esperava esta época? Brest, Nice, PSG ou... Lyon? (risos)

- Obviamente Brest. Mesmo que tenha sido cedo demais: foi o meu segundo jogo. Gostava de ter voltado um pouco mais tarde. Mas gostei muito. Nice também, mas já passou. O PSG, já jogámos o suficiente no ano passado (risos). Lyon, nem por isso... Portanto, Brest, sem dúvida. Voltar ao estádio Francis-Le Blé, com todas as boas memórias que lá vivi. E mesmo tendo sido um pouco cedo, foi bom regressar!

- E para o futuro da sua carreira, conhecendo o seu passado: vê-se a continuar no futebol depois de se reformar?

- Não. Adoro futebol, mas ser treinador ou adjunto é manter o mesmo ritmo, ou até pior: mais responsabilidades, mais ausências. Acho que depois da carreira vou precisar de uma vida mais normal. Talvez trabalhar com jovens, sim, como formador, por exemplo. Mas não gerir um grupo de profissionais com os egos de hoje... Não tenho paciência. Não teria mesmo. No fundo, nunca se desliga. E até se trabalha muito mais. Há mais responsabilidades, porque se perdes, a culpa é tua. E mesmo nós, treinamos de manhã e depois acabou. Depois vamos para casa. Mas os treinadores ficam lá toda a tarde. Preparam as sessões do dia seguinte. Até para a tua mulher e filhos, que aguentam isso toda a carreira. Porque, quando acham que acabou, que finalmente vais estar com eles, afinal não!

Repito, sou um sortudo. O que vivemos no ano passado, jogos de três em três dias e tudo o resto. É verdade que nunca estávamos em casa, mas foi tão bom. Não nos queixámos. Foi uma experiência incrível. Fomos longe na Taça de França. Mas, quando és jogador, é para isso que assinas. E também ficas contente porque, no fim de contas, treinas menos. E é isso que queres (risos). Mas ter uma segunda carreira, digo-te já que não, seria demais.

- Uma palavra sobre a sua passagem pelo Norwich? Porque escolheu ir para Inglaterra em vez de continuar na Ligue 1?

- Em Nice, ia para a quinta época, e o treinador Galtier não contava muito comigo. Analisei os projetos que tinha em cima da mesa e surgiu a oportunidade da Premier League. É um campeonato que faz sonhar. Por isso, tudo aconteceu muito rápido. Adorei a experiência lá. Não tenho qualquer arrependimento, tirando a descida de divisão. Se tivéssemos ficado quatro anos na Premier League, teria feito tudo para continuar. Gostei de tudo: o ambiente, as pessoas, a paixão. Isso moldou-me. Desenvolvi uma agressividade, um prazer em defender que não tinha antes.

Pablo Gallego - Editor Sénior de Notícias
Pablo Gallego - Editor Sénior de NotíciasFlashscore France