Mais

Flashfocus: Lyon de Fonseca e Textor, ou como a rebeldia pode fazer regressar a grandeza

John Textor e Paulo Fonseca na apresentação do português como novo treinador, a 31 de janeiro
John Textor e Paulo Fonseca na apresentação do português como novo treinador, a 31 de janeiroOLIVIER CHASSIGNOLE/AFP
O Olympique Lyonnais, um dos principais clubes do futebol francês, perdeu algum do seu brilho desde a chegada dos cataris ao PSG. De tal forma que John Textor, o novo proprietário do clube desde 2022, transformou o clube parisiense num campo de batalha institucional antes de poder competir a nível desportivo.

Acompanhe aqui as incidências do Nice-Lyon

Olympique Lyonnais é uma instituição do futebol francês, com oito títulos da Ligue 1, cinco Taças de França e duas meias-finais da Liga dos Campeões. Sediado na segunda cidade mais populosa de França, o clube do Ródano persegue agora o arqui-inimigo de toda uma liga: o Paris Saint-Germain. Desde a chegada do Estado do Catar, em 2011, que o novo gigante e os seus petrodólares têm vindo a avançar sozinhos. "Um modelo ilegal", garante John Textor, o empresário norte-americano que sucedeu a Jean-Michel Aulas à frente do OL.

Recentemente apelidado de "cowboy" por Nasser Al-Khelaïfi, o também dono do Botafogo quis dar a volta por cima com o seu modelo de multipropriedade e forma de enfrentar as autoridades, incluindo o presidente do PSG. Com um único objetivo por detrás de tudo isto: voltar a fazer do Olympique Lyonnais um clube da Liga dos Campeões, como nos anos dourados de 2000 a 2010.

Competir pelo 2.º lugar

"Quero ganhar a Liga dos Campeões", proclamou Textor na chegada em 2022, antes de garantir, alguns meses mais tarde, que seria "um fracasso" se o OL não ganhasse um dia a Ligue 1. Eram as grandes ambições de um principiante, antes de as reduzir dois anos mais tarde, quando iniciou a terceira época como proprietário. 

"Hoje, este clube, o grande Olympique Lyonnais, só pode aspirar ao segundo lugar. Vamos dar o nosso melhor, e espero que demos uma tareia neles (PSG) e que tenham um ano mau. Mas tudo o que precisam de fazer é colocar a mão no bolso, atirar um pouco de dinheiro do petróleo e pronto", observou no início de julho de 2024, em entrevista ao Globo Esporte.

Desde então, John Textor tem-se empenhado. Primeiro, a DNCG (a comissão responsável pelo controlo da situação financeira dos clubes franceses), que o sancionou em todos os mercados, impondo um limite à massa salarial e às despesas de transferência, antes de chegar ao ponto de o relegar para a Ligue 2 como medida de precaução devido a uma dívida financeira considerada demasiado elevada. "A decisão é infundada, porque eles não entendem o modelo de timeshare", disse o responsável em entrevista ao AS.

Em França, a chegada do norte-americano e do  Eagle Football Group, que também detém o Botafogo e o Molenbeek, causou arrepios a muitos presidentes de clubes, incluindo Pablo Longoria, presidente do Olympique de Marselha. Os empréstimos gratuitos entre os clubes de que é proprietário, numa altura em que o OL está sujeito a sanções financeiras, e os acordos financeiros para permitir que um clube pague a dívida de outro, são truques que incomodam alguns dirigentes, numa liga francesa que tem sido sangrada pela venda de direitos televisivos a preços muito baixos.

Batalha institucional contra o PSG

No entanto, John Textor está convencido de que o seu modelo é o único que pode competir com o omnipotente PSG.

"A única forma de competir com dinheiro ilimitado é os clubes de todo o mundo trabalharem em conjunto, identificando jogadores de todo o mundo. Encontrar onze jogadores melhores do que os do PSG, através da prospeção, pode permitir-nos competir com eles. Mas se eu tiver um grupo de presidentes de ligas que fazem questão de insultar e atacar o modelo de propriedade múltipla enquanto protegem o dinheiro ilimitado do modelo do PSG, então ninguém vai competir pelo título na Ligue 1", atirou.

Recorde aqui a entrevista explosiva de Textor sobre o PSG

Textor contra-ataca. Vítima do sistema que vigorava no campeonato francês quando chegou, o empresário lança-se agora numa cruzada contra o modelo do PSG, que denuncia como "ilegal" e "violador da legislação europeia": "O modelo de financiamento do PSG é ilegal, o nosso é perfeitamente legal e nós somos o modelo sancionado. Não é legal que um ator estrangeiro, um Estado estrangeiro, subsidie uma empresa na União Europeia se isso distorcer a concorrência".

A luta contra o PSG a nível institucional também inclui a determinação em não vender os melhores jogadores ao grande rival, apesar de Rayan Cherki ter sido associado várias vezes ao campeão francês durante os últimos três mercados. Será o objetivo manter a competitividade? Embora a recente ascensão do dirigente se deva, em grande parte, às críticas ao futebol francês, é também o responsável pela demissão de Pierre Sage a favor da chegada de Paulo Fonseca, com o objetivo claro de garantir, pelo menos, uma vaga na Liga dos Campeões.

Maximizar as hipóteses de Liga dos Campeões

Pierre Sage passou de um milagreiro na época 2023/24 a medíocre a meio da época 2024/25. Com 8 vitórias, 6 empates, 5 derrotas e um 6.º lugar na Ligue 1, o balanço não era catastrófico no final de janeiro, mas John Textor sentiu-se obrigado a fazer uma escolha forte:

"O meu trabalho é não me deixar levar demasiado pelas emoções. A meio da época, não estamos entre os quatro primeiros e, para lá chegarmos, temos de vencer as equipas que estão entre os quatro primeiros. O meu objetivo é maximizar a probabilidade de jogar na Liga dos Campeões. Muitos adeptos acham que Pierre teria conseguido, e isso pode ser verdade. Mas o meu trabalho é aumentar essa probabilidade. Quer seja popular ou não", afirmou o empresário ao Canal Plus.

Este contexto, combinado com o timing e possibilidade de trazer Paulo Fonseca, levou ao despedimento de um treinador que tinha "feito uma espécie de milagre" um ano antes:

"Se Pierre (Sage) tivesse conseguido os resultados que esperava, ainda seria o treinador do OL. Mas há também uma noção de timing que, neste caso, nos sorriu. Eu tinha de tomar uma decisão. Perguntei aos meus colaboradores se devia mudar de treinador e eles disseram-me que não, que seria uma loucura, que era demasiado arriscado. Depois perguntei-lhes se era possível chegar à Liga dos Campeões com este treinador. Responderam que não. Perguntei-lhes se queriam que desistíssemos das nossas ambições esta época e eles responderam "claro que não". Voltei a perguntar se devíamos mudar de treinador. E todos disseram que sim", revelou.

Paulo Fonseca, a "pessoa certa"

A imagem terá percorrido toda a Europa e continuará a ser falada durante algum tempo. Suspenso pelo comité disciplinar até 30 de novembro pela explosão contra o árbitro Benoît Millot durante o Lyon-Brest, Paulo Fonseca recebeu um apoio de peso na quinta-feira, no dia seguinte ao seu 52.º aniversário. "Feliz aniversário, Paulo! Estou contigo hoje e sempre. Cometeste um erro... O teu pedido de desculpas foi sincero e o teu castigo é claramente demasiado duro. És a pessoa certa para o OL e vamos perseverar. Força OL", lê-se numa mensagem publicada no Instagram pelo proprietário e presidente do Lyon.

Foi o suficiente para acabar com os rumores e enviar uma mensagem aos mais céticos que já pediam o despedimento do português. Mas não, Paulo Fonseca não está prestes a sair, apesar de, assim que o castigo foi anunciado, o clube ter "tomado nota da extrema gravidade da sanção, que é inédita e invulgarmente rápida", e lamentado o facto de "o seu treinador não ter sido julgado apenas pelos seus atos, uma reação emocional sem intenção clara de agredir fisicamente o árbitro".

No final, foi apenas mais um episódio para o clube do Ródano, habituado a confrontos com as autoridades e os clubes da liga francesa. Para o próprio treinador, não se coloca em causa o seu futuro e admitiu ao Canal+ na quinta-feira, à margem do jogo contra o Steaua Bucareste, que estava "pronto para continuar a trabalhar apesar desta longa suspensão" e que queria "encontrar soluções em conjunto e organizar a equipa da melhor forma possível para preparar os jogos".

O OL teve um início brilhante na Roménia, vencendo a primeira mão por dois golos de diferença (1-3), antes de voltar a concentrar-se na Ligue 1 e no objetivo da Liga dos Campeões. A quatro pontos do 4.º lugar, o Lyon está simultaneamente perto e longe de atingir o seu objetivo, nomeadamente devido a um calendário desfavorável. Este domingo, em Nice, está longe de ser favorito, tendo depois de enfrentar o Estrasburgo, o Lille, o Auxerre, o Rennes, o Lens e o Mónaco.

O futuro do Lyon está mais uma vez nas mãos de um milagreiro, enquanto uma estatística obtida sob o comando de Paulo Fonseca trouxe de volta uma memória enterrada. Os 10 golos marcados nos três primeiros jogos do português igualaram um recorde com 22 anos: só a equipa de Paul Le Guen, na época 2002/03, tinha também marcado 10 golos nos três primeiros jogos do novo treinador. Mais uma razão para esperar que o jogo bonito e os golos voltem a fazer do Olympique Lyonnais um grande clube.