Ironicamente, duas semanas após a inauguração de uma estátua desproporcionada de Bernard Tapie, carregado em triunfo com a Liga dos Campeões nas mãos, no átrio do Vélodrome, o totem desceu: o PSG juntou-se ao Marselha no panteão do futebol francês. 32 anos e 5 dias depois, o clube de Marselha continua a ser o primeiro clube francês a conquistar a Liga dos Campeões, mas já não é o único.
A exibição dos parisienses frente ao Inter deixou os adeptos focaenses ainda mais desanimados, com alguns a tentarem afastar o destino vestindo o uniforme nerazzurri, mas sem sucesso. Depois de esclarecidas todas as razões que levaram ao despesismo e à persistente opacidade que envolveu a chegada do Catar ao PSG, a conclusão é clara: o Marselha poderá finalmente olhar para o futuro e deixar de se preocupar com o passado.
A ligação visceral com Tapie, apesar de este ter abandonado o clube em pleno campo após o caso VA/OM, é uma relação tóxica, uma recusa obstinada em admitir que fez pelo menos tanto mal como bem, como se essa negação equivalesse a uma excomunhão. Esta recusa de aggiornamento aprisionou a Marselha nas suas memórias, que, por mais belas que sejam, a impediram de se questionar para avançar.
Mesmo que não tenha a mesma dimensão que o capital do Catar, o Marselha foi o primeiro clube a beneficiar de um capital estrangeiro, logo em 1996, o do suíço Robert Louis-Dreyfus, um proprietário que tem aparecido nos tribunais mais por questões de transferências do que por títulos festejados. Apenas três anos após o fim da era Tapie e duas épocas de purgatório na D2, o Marselha tinha tudo para regressar ao topo da hierarquia. Mas a instabilidade crónica, a mão invisível no meio, o regresso falhado de Tapie ao cargo de diretor desportivo e a coorte de jogadores que passaram pela Comandância aos montes impediram o desenvolvimento de um projeto coerente e suscetível de atrair novos investidores. E se o Marselha tivesse sido saudável e bem sucedido, será que o PSG estaria tão interessado no Catar?
Em 32 anos e 5 dias, o Marselha ganhou apenas um título nacional, 4 troféus que já não existem (3 Taças da Liga, uma Taça Intertoto), disputou 3 finais da Taça UEFA/Liga Europa (1999, 2004, 2018) como eliminado sem marcar um único golo, apenas um jogo dos quartos de final da Liga dos Campeões, num clima de desconfiança em relação a Didier Deschamps organizado pelos próprios adeptos do clube, e apenas três finais da Taça de França, todas elas igualmente perdidas (PSG duas vezes e Sochaux). Desde a chegada de QSI, o Marselha acomodou-se ao seu papel de vítima, totalmente incapaz de se impor e quase sistematicamente derrotado nos confrontos diretos. O balanço é desanimador para um clube desta importância.
Desde sábado à noite, todo o Marselha teve de abandonar alguns dos seus antigos antífonos, e isso foi o melhor que lhe podia ter acontecido. Com a glória e o orgulho de um único jogo ganho há mais de três décadas, o Marselha corre o risco de se aperceber amargamente de que a eternidade é muito, muito longa, sobretudo no final.