"Vim para o Atlético para poder estudar"
- Como surge a possibilidade de ir para o Atlético?
- A história é longa e engraçada. Eu tinha garantido o acesso à Liga 3 no Real SC e havia a possibilidade de ficar, só que tinha 37 anos e meti na cabeça que tinha de tirar um curso superior. Entrei na faculdade e a Liga 3 já era muito profissional para eu conseguir conciliar com os estudos. Queria ter a liberdade de não faltar às aulas, mas sentia-me bem para continuar a jogar e também precisava de algo para conseguir sustentar-me e é aí que aparece o Atlético. O Tiago Zorro (treinador) é muito meu amigo e disse-me que tinha de ajudá-lo. Também por ser o Atlético, um clube com história, acabei por aceitar.
- Percebe logo que é um projeto ambicioso?
- Sempre fui habituado a jogar em equipas para subir e ganhar campeonatos. Já conhecia vários jogadores do plantel e sabia que era muito provável subirmos de divisão. E isso deu-me ainda mais força para vir.

- Sobem para o Campeonato de Portugal e o que lhe vai na cabeça no final da época?
- O plano era jogar esse ano de distrital e deixar de jogar, só que sentia-me bem, nao tive lesões, fiz golos e as pessoas sentiam que eu era importante e também quiseram que eu continuasse. A mim também me dava jeito, porque precisava de um trabalho para pagar a faculdade e as contas. Portanto, entre arranjar um trabalho e jogar, não pensei duas vezes. Tínhamos uma boa equipa, mas as condições... Atenção, cumpriam com tudo, mas havia coisas a melhorar...
- O clube estava num processo de reestruturação...
- Exatamente. E tem vindo a melhorar cada vez mais. Entramos no Campeonato de Portugal a pensar que a manutenção já era um cenário muito bom, porque havia equipas com estruturas profissionais, e acabamos como campeões. O nosso grupo era forte.
- Ou seja, do pensamento de deixar de jogar para a final do Jamor aos 39 anos. Como foi possível?
- O grupo tinha qualidade, mas o espírito de união que criámos fez toda a diferença. Tínhamos uma boa base de experiência e, mais do que colegas, formámos uma excelente amizade entre todos.
- No final dessa época a ideia era novamente terminar?
- Equacionei outra vez deixar de jogar, mas nunca tinha jogado a Liga 3 e tinha essa curiosidade de participar numa competição com esta grande visibilidade. As pessoas também queriam muito que eu continuasse novamente, por ser capitão de equipa e muito influente. E a verdade é que em três anos não tive lesões e continuava a sentir-me muito bem. A prova é que esta época joguei todos os minutos.

"Estamos a exceder as expetativas"
- O Atlético é primeiro classificado ao final da primeira volta. Como se explica este arranque?
- Não estamos a dar muita importância, pois o equilíbrio é gigante e uma derrota ou empate seguidos podem levar-nos para o sétimo lugar. Claro que é bom e queremos estar na parte de cima da tabela. Mas estamos conscientes das dificuldades.
- O último jogo (reviravolta frente à Académica, 2-1) diz muito sobre a vossa equipa, não é verdade?
- Verdade. O não desistir, o dar sempre tudo... As coisas podem não correr bem, mas olhamos uns para os outros e puxamos sempre para cima. Estamos a exceder as expetativas, isso sem dúvida, porque em termos de orçamento, não devemos estar no top 4.

- Da análise que certamente já teve a oportunidade de fazer à Liga 3, foi ao encontro das suas expetativas?
- Não é profissional no papel, mas toda a gente sabe que é profissional. Os jogadores podem ter outra atividade fora do futebol, mas essa tem de estar em segundo lugar. Depois noto que há vários jogadores que podiam muito bem jogar bem mais acima.
- Numa prova com vários clubes históricos, sente que qualquer deslize pode ser fatal?
- Temos o exemplo do ano passado do Vitória de Setúbal que queria subir para a Liga 2 e desceu. Não por ter equipa fraca, mas porque havia outras equipas fortes e isso pode acontecer a qualquer um. Por isso é que é dificil alguém assumir-se logo como candidato. Toda a gente sabe que este campeonato é muito equilibrado.

"Voltou a cobrança do 'somos o Atlético'"
- O Atlético viveu um pesadelo ao descer da Liga 2 em 2016 e acabou mesmo por cair até à distrital. Sente que os adeptos voltaram a sonhar depois destas duas subidas consecutivas?
- A massa adepta era muito mais envelhecida na altura e noto que hoje há muita malta nova a tentar reerguer o clube. É verdade que os adeptos mais velhos viveram essa fase de estar em baixo, mas também viveram a realidade da Liga. E continuam exigentes. Não ligam tanto ao facto de estarmos a fazer um milagre, só pensam em ganhar jogos. Sinto que voltou a cobrança do 'somos o Atlético e temos de jogar para ganhar'. Isso faz elevar a nossa fasquia e sentido de responsabilidade.
- Os adeptos sonham, mas o que lhes pode prometer?
- Começamos o campeonato com expetativa de garantir a manutenção o mais rápido possivel e isso é ficar nos quatro primeiros. Isso garante a manutenção e a luta pela subida. Se acontecer, não vamos pensar que o trabalho está feito. Queremos garantir a manutenção, pois é importante para a estabilidade do clube, mas vamos jogar sempre para ganhar. Portanto, vamos lutar para garantir essa fase e vamos sonhar.
- Olhamos para o vosso plantel e encontramos vários jogadores acima dos 30 anos. Numa altura em que se fala muito dos jovens, é importante contar com jogadores experientes?
- Mesmo para um miúdo é melhor estar num grupo com malta mais velha, pois vai evoluir e aprender mais. A juventude é importante, mas é bom para ela estar inserida num contexto experiente.

"Se faltam poucos jogos na minha vida eu vou dar o máximo"
- Se tudo correr bem, vai terminar a época a jogar com 40 anos? Como se sente?
- Quando cheguei ao Atlético não vim com planos a longo prazo. Era a última época e pronto. Sei que mais ano, menos ano, pode ser a última. Se pode ser este ano? É provável, não sei. Portanto, se faltam tão poucos jogos na minha vida eu vou dar o máximo em todos. Foi muito difícil continuar depois da taça no Jamor, pois teria sido incrível acabar aí a carreira, mas porque não sonhar este ano com uma coisa igual? Sinto-me bem, as equipas são melhores, os campos são melhores... Vou continuar e logo se vê.
- Qual o significado de envergar a braçadeira de capitão do Atlético?
- É um orgulho enorme. Tenho o convite do treinador e do diretor desportivo para vir para cá, mas também vou para a distrital muito por ser o Atlético. Se fosse outro clube sem nome eu não queria. Ser capitão diz-me muito e se erguer mais uma taça, posso ser o capitão com mais taças. É um sonho.

- Como tem sido conciliar o futebol com os estudos?
- Passei muitas dificuldades. Desde logo, financeiras, com as propinas. Depois porque o meu filho nasce em agosto desse meu primeiro ano e a minha vida era: acordar de manhã, ir para a faculdade estudar, ter aulas, sair para os treinos e chegar a casa às 22:00 com o meu filho já a dormir. No primeiro ano, ano e meio, praticamente não via o meu filho. Quem tem família como eu, é difícil conciliar...
- Mas é possível?
- Se eu consegui, não aceito que alguém me diga que não consegue.
- O que espera que se diga sobre o Atlético no final da temporada?
- Tirando a descida, tudo o que venha a acontecer, é bater palmas a este Atlético. O que estamos a fazer merece um aplauso porque há equipas com muito mais condições do que nós.