Mais

Betinha: "Liguei-me muito ao Vitória SC e não consegui conter as lágrimas com a subida"

Betinha em destaque no Vitória SC
Betinha em destaque no Vitória SCVitória SC, Flashscore
O Flash Feminino é a nova rubrica quinzenal do Flashscore, dedicada a destacar as principais protagonistas da Liga Feminina. Neste espaço, traremos entrevistas exclusivas com as jogadoras que brilham nos relvados nacionais. A nossa 21.ª convidada é Betinha, jogadora do Vitória Sport Clube.

"Sempre gostei de estar na minha zona de conforto"

- Qual é a primeira memória que tem ligada ao futebol?

- São tantas... Quando era criança, passava horas a ver o meu irmão jogar.

- Lembra-se de quando surgiu a oportunidade de jogar numa equipa?

- Sempre joguei na rua e na escola. Uma amiga minha convidou-me para ir para o GD Incansáveis. Ao início, dizia que não queria, mas ela acabou por me convencer. Fui fazer um treino e acabei por ficar. Tinha 14 anos e comecei logo a jogar nas seniores, numa altura completamente diferente do que é hoje.

Betinha recorda dia da subida no Vitória SC
Betinha recorda dia da subida no Vitória SCOpta by Stats Perform, Vitória SC

- Como foi essa experiência?

- Não sabia jogar em equipa — pegava na bola e não passava a ninguém. Era muito individualista, mas com o tempo aprendi a jogar em conjunto. Ainda assim, era tudo muito diferente. Eu, uma miúda de 14 anos, a jogar com colegas muito mais velhas… Foi aí que comecei a ganhar realmente o gosto por fazer parte de uma equipa. Jogávamos em pelado, sem as condições de hoje — era mesmo outro mundo. E costumo dizer às miúdas: hoje, vocês podem ir muito longe no futebol, porque isto está a evoluir a sério.

- Durante esse seu trajeto, quando é que percebe que havia condições para chegar à Liga?

- Eu era um bocado terrorista quando era mais nova — sempre gostei de estar na minha zona de conforto. Fui chamada à Seleção várias vezes: em algumas ocasiões acabei por vir embora, noutras tive de sair por razões pessoais. Mas só o facto de ter sido chamada, de ter os meus amigos e a minha família a apoiar-me e a dizerem que eu podia ir longe… fez-me começar a acreditar que talvez pudesse mesmo. Ainda assim, nunca quis sair muito da minha zona de conforto. Já podia ter jogado lá fora, mas nunca saí...

- Acredita que a principal dificuldade no seu percurso foram os limites que impôs a si própria?

- Sim, foi mesmo. Sempre gostei de estar na minha zona de conforto, perto da minha família e dos meus amigos. Por isso, só me via a jogar perto de casa. Foi mais por aí que não voei tanto — não por falta de oportunidades.

Betinha terminou temporada como sendo a melhor marcadora do Vitória SC
Betinha terminou temporada como sendo a melhor marcadora do Vitória SCVitória SC

O primeiro contrato profissional só aos 30 anos: "Decidi seguir o meu sonho"

- Recorda-se do dia em que chegou à Liga?

- Saí do GD Incansáveis e fui para o Boavista. Na altura, estava a recuperar de uma lesão — uma rotura do menisco — e só consegui fazer um ou dois jogos. Mas foi incrível, jogar no Estádio do Bessa foi uma experiência única. Depois disso, voltei aos Incansáveis para recuperar totalmente e acabei por não regressar ao Boavista. Segui para o Pasteleira e comecei a subir. Cheguei à Ovarense, onde conseguimos a subida à Liga — foi aí que comecei a jogar com mais regularidade no campeonato. Foi uma fase incrível da minha carreira.

- Os anos na Liga marcaram uma nova fase na sua carreira. Como foi essa experiência?

- Já jogávamos contra equipas como o Sporting e o Benfica, com os jogos a serem filmados — tudo isso ainda na Ovarense. Falo muito da Ovarense porque, naquela altura, era um dos clubes que levava mais público no futebol feminino. Tínhamos um campo difícil, mas conseguíamos fazer coisas bonitas lá. A partir daí, o futebol feminino começou a crescer. A última época foi de altos e baixos e acabámos por descer. No ano seguinte, fui para o Famalicão com um contrato profissional. Foi um bocado tarde, é verdade, mas não deixei de agarrar a oportunidade. Segui o meu sonho de ser jogadora profissional ao mais alto nível.

- Então, o seu primeiro contrato profissional surge apenas aos 30 anos...

- Ponderei muito antes de aceitar o contrato. Não era por falta de vontade — sempre joguei e sempre trabalhei —, mas naquela altura estava num emprego estável, com contrato efetivo, e tive de fazer uma escolha: ou seguia o meu sonho, ou não. Pensei bem e disse a mim mesma: ‘É agora ou nunca’. E deixei-me ir. Decidi arriscar.

Betinha subiu de divisão no Vitória SC
Betinha subiu de divisão no Vitória SCVitória SC

"Eu sempre joguei por paixão ao jogo"

- Após seis anos no principal escalão, o Vitória SC convida-a para integrar o projeto na segunda divisão. Como encarou essa possibilidade?

- Gostei muito de estar no Famalicão. Pelo meio, passei também pelo Valadares, mas infelizmente tive duas lesões graves durante os dois anos no Famalicão — duas roturas, uma no pé e outra no menisco. Na minha cabeça, não fazia sentido… parecia que só me lesionava ali. No Valadares estive bem, sem problemas físicos, mas voltei ao Famalicão e voltei a lesionar-me.

Podia ter ficado — tive várias propostas —, mas não quis. Algo na minha cabeça dizia que não devia continuar. No ano passado, jogámos o play-off contra o Vitória SC e surgiu o convite. Apresentaram-me o projeto, falaram muito bem das instalações e gostei bastante do que ouvi. Eu gosto de escolher sempre o que for melhor para mim, seja na Primeira ou na Segunda Liga. Era um projeto aliciante e aceitei.

- E o que encontrou em Guimarães?

- Às vezes, mais vale dar um passo atrás para depois dar dois em frente. Claro que senti a diferença de ritmo e de treino entre a Primeira e a Segunda Liga. Mas a verdade é que a Segunda está cada vez mais forte e competitiva. O que mais me marcou foi o carinho do público e a forma como fui recebida. O staff do Vitória SC é incrível — acolhedor, sempre disponível. Senti-me mesmo bem. Não tenho nada a apontar ao clube.

- Acredita que a sua experiência foi determinante para alcançarem os objetivos da época?

- Nem sou muito de falar sobre mim, mas acho que, numa equipa de futebol, é essencial haver um equilíbrio entre experiência e juventude. Quando cheguei ao Vitória SC, era tudo miúdas, e com a minha experiência consegui passar-lhes algumas coisas boas. Dei o meu melhor para ajudar o clube. O Vitória SC não era o meu clube de coração, mas agora já tem um espacinho cá dentro.

O que costumo dizer às mais novas é que o futebol está a crescer muito, mas que o mais importante é jogarem com amor. Eu sempre joguei por paixão ao jogo e dou tudo, do primeiro ao último minuto. Quero que joguem com amor e sejam felizes. Felizmente, consegui marcar alguns golos — mas isso só foi possível com a ajuda delas, da equipa técnica e do departamento médico. Isto é um trabalho de todos.

- Como se sentiu do ponto de vista individual?

- Foi uma época de altos e baixos. No início, tive alguns problemas — houve dois ou três jogos em que não joguei, e sinto que não estive ao meu melhor nível na primeira fase. Mas depois meti na cabeça que íamos ser campeãs e subir. Nunca pensei em números individuais, apesar de ter terminado como melhor marcadora na fase de campeão. O que sempre acreditei foi que íamos conseguir. Estávamos unidas, com o mesmo objetivo, e sabíamos que não podíamos vacilar.

- O que sentiu no dia da subida? Foi um momento de alívio?

- Foi um alívio. Estava ansiosa para que o jogo começasse — queria tanto festejar, viver aquele momento. Quando marco logo aos dois minutos, e depois chegamos ao 2-0 e ao 3-0 aos 30 minutos, disse para mim mesma: ‘Vai ser hoje.’ Durante o jogo, a Regina Pereira veio dar-me os parabéns e disse-me que eu merecia. Comecei a chorar antes mesmo do apito final. Foi muito emotivo. Criei uma ligação forte com o Vitória SC e, nesse dia, não consegui conter as lágrimas. Fiquei mesmo, mesmo feliz.

Betinha marcou no jogo do título
Betinha marcou no jogo do títuloVitória SC

"Acredito que ainda consigo fazer mais uma ou duas temporadas ao mais alto nível"

- Na sua opinião, o que é que um clube como o Vitória SC pode trazer à Liga?

- Acho que o futebol masculino vai sempre ter mais adeptos, mas nota-se que cada vez mais pessoas estão a apoiar o futebol feminino. Na Primeira Liga, tem de haver mais investimento e também um apelo claro aos adeptos: apoiar as equipas femininas é fundamental. O Vitória SC é um dos grandes clubes de Portugal e tem de estar na Primeira Liga — também no feminino.

- E a Betinha segue com o Vitória SC?

- Não sei, ainda não faço ideia. Acabámos a época no final de maio e ainda tivemos mais uma semaninha de treinos. Agora é focar na próxima época — ainda está tudo muito em aberto.

- Mas sente-se bem?

- Sim, continuo a jogar enquanto me sentir bem — e, neste momento, sinto-me mesmo bem fisicamente. Fiz uma boa época e acredito que ainda consigo fazer mais uma ou duas temporadas ao mais alto nível. Agora é continuar a trabalhar todos os dias, com cuidado, porque aos 34 anos é preciso tratar ainda melhor do corpo.

- Como imagina o futebol feminino daqui a 10 anos?

- Gostava que todas as equipas fossem profissionais — já merecemos isso. As mulheres no futebol merecem esse reconhecimento. Sei que os clubes lutam, mas muitos ainda não têm apoios suficientes para garantir uma estrutura profissional. E falo também dos árbitros — se fossem profissionais, isso mudava muito o jogo, trazia mais rigor, mais qualidade. Outro ponto essencial é o investimento na formação. Fiquei mesmo feliz por ver que o Vitória SC está a apostar em todas as camadas da formação e que já há muitas meninas a jogar. É assim que se constrói o futuro.

- Que mensagem gostarias de deixar aos mais jovens?

- Se amam o futebol, é mesmo preciso trabalhar para querer mais e chegar a uma Primeira Liga. Treinar, treinar, treinar… e ter cuidado com o descanso, que é muito importante. Muita gente não dá importância à alimentação e ao descanso. Por vezes, é difícil conciliar o futebol com o trabalho, mas isso é fundamental para ter um melhor rendimento nos treinos e nos jogos.

- Se pudesse falar com a Betinha que deu os primeiros passos no GD Incansáveis, o que lhe diria?

- Se calhar mudava algumas coisas. Ter mais cabeça e arriscar mais. Eu não arrisquei. Não me arrependo do que não fiz, mas há coisas que penso que podia ter feito de outra maneira. Por isso, diria para terem cabecinha e não terem medo de arriscar mais.

- Apesar dos desafios, sente-se realizada com o percurso que fez?

- Sempre fui muito feliz no futebol, muito feliz nos clubes por onde passei.

- No dia em que decidires que vai acabar, o que gostarias que dissesses?

- Vai ser difícil… Mas espero que digam que, de alguma forma, ajudei a melhorar o futebol delas — seja com uma frase, um momento de treino ou um jogo. E se disserem que foi um prazer jogar comigo, já fico feliz.

Mais sobre o Flash Feminino

Entrevista de Rodrigo Coimbra
Entrevista de Rodrigo CoimbraFlashscore