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Laura Luís: "Às vezes não é sobre ganhar mais dinheiro ou títulos, existe muito por trás disso"

Laura Luís em destaque no Clube Albergaria
Laura Luís em destaque no Clube AlbergariaFPF, Flashscore
O Flash Feminino é a nova rubrica quinzenal do Flashscore, dedicada a destacar as principais protagonistas da Liga Feminina. Neste espaço, traremos entrevistas exclusivas com as jogadoras que brilham nos relvados nacionais. A nossa 10.ª convidada é Laura Luís, jogadora do Clube de Albergaria.

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"Comecei no Andorinha, o mesmo clube do Ronaldo"

- Como o futebol aparece na sua vida?

- Comecei no Andorinha, o mesmo clube do Ronaldo. O pai do Ronaldo era o técnico de equipamentos na altura. Comecei aos 9 anos, mas depois deixei de ter idade para jogar com os rapazes e acabei por ir para o Marítimo. Estive lá até aos 17 anos, depois fui para os Estados Unidos. Voltei um ano à Madeira, depois passei 4 anos na Alemanha e seis no Braga.

- Sentiu algum tipo de preconceito no início?

- Nunca tive problemas relacionados com machismo. A minha família também me ajudou sempre e apoiou. Havia um ou outro comentário, mas nada de especial. Até me sentia muito acarinhada por todos por ser a única menina.

O retrato ao Clube Albergaria, por Laura Luís
O retrato ao Clube Albergaria, por Laura LuísFPF, Opta by Stats Perform

- Conte-nos, então, como se processou a mudança para os Estados Unidos?

- Para conseguir manter-me na Seleção, tinha de sair da Madeira. Então fui viver o sonho americano. Vivi isso, a nível universitário e profissional. Fiz a liga profissional deles durante 3 meses e foi a melhor experiência que tive. Na universidade, gostei, mas tive muitos problemas. Sofri bastante. Foi a primeira saída da Madeira, completamente sozinha, e eu era muito agarrada à família e aos amigos. Lembro-me de quando recebi a proposta para fazer a liga profissional, a minha mãe disse: "Laura, é mesmo isso que tu queres? Tu vês o que estás a sofrer?" Eu dizia: "É mesmo por essa razão que tenho de ir. Eu tenho de ser capaz". Aceitei e foi o melhor que fiz.

- Acaba por regressar à ilha da Madeira, mas parte logo para um novo desafio no estrangeiro...

- Sim, nesse regresso à Madeira ainda deu para continuar a universidade. Depois surgiu a oportunidade de ir fazer treinos na Alemanha, na equipa da Dolores (Silva) e da Carole (Costa). Pedi para fazer a pré-época, porque ia haver estágio da Seleção em setembro e, na Madeira, não tinha hipótese de treinar. Eles aceitaram e, entretanto, os jogos de treino correram bem e apareceu a proposta para ficar. Só vim à Madeira buscar a mala (risos).

- A Alemanha mudou muito a perspetiva sobre aquilo que a Laura queria do futebol?

- Se já tinha mudado nos Estados Unidos, a Alemanha, naquela altura, era o melhor campeonato do mundo. Tentei aproveitar ao máximo, sempre a pensar no futuro e na Seleção. Não foi fácil, mas estava com duas pessoas que eu adoro. Sofri muito com o frio. Mesmo as lesões que tive durante essa passagem de quatro anos na Alemanha, eu acho que eram por causa do frio (risos). Mas não me arrependo de nada.

Laura Luís passou seis anos no SC Braga
Laura Luís passou seis anos no SC BragaSC Braga

"Rescindir com o SC Braga foi um ato de coragem"

- Em 2017, regressa a Portugal pela porta do SC Braga, numa altura em que o feminino estava a dar passos mais sólidos no seu crescimento, e conquista tudo a nível nacional. 

- Lembro-me perfeitamente quando houve o boom. Pensei que era a reviravolta e queria viver aquilo desde o início. Não vim no primeiro ano, vim no segundo e não pensei muito. Queria regressar a Portugal num contexto profissional. Nesse ano, acabei por ser a melhor marcadora do campeonato e, ao longo dos anos, ganhei tudo o que havia para ganhar.

- Dificilmente poderia ter sido melhor?

- Muito bom, sim! Tenho um clube de coração, mas o SC Braga é o segundo. Se tivesse de regressar ao SC Braga, regressaria, sem qualquer dúvida. Sei que sou muito acarinhada lá. Não tive tantos minutos nos últimos anos, mas sabia que as pessoas gostavam de mim. Vivo em Braga e guardo muitas amizades. O facto de ter trabalhado com as camadas jovens também fez com que fosse muito acarinhada por todos.

Tabela classificativa da Liga
Tabela classificativa da LigaFlashscore

- O capítulo fecha-se e a Laura volta ao Marítimo. Foi uma decisão fácil?

- Eu não queria voltar à Madeira, mas comecei a pensar e, ao início, até era para ficar dois anos com a minha família. Foi um ato de coragem comigo mesma. Tinha contrato (com o SC Braga), não estava a jogar, via os anos a passar, e eu podia ter continuado. Rescindi o contrato por livre vontade para voltar a ser feliz no futebol, por muito que gostasse do clube. Sentia-me acomodada e sentia que não ia ter minutos. Eu queria estar bem e jogar. No Marítimo, sentia-me super bem, não tinha pressão; a pressão estava na Telma, apesar de ela não ter pressão nenhuma (risos). Toda a gente olhava para ela e eu só queria jogar, ajudar e desfrutar também do seu futebol.

- Disse que era para ter ficado dois anos no Marítimo, mas não é isso que acontece...

- Entretanto, veio a lesão, houve alguns problemas que eu não gostei muito e também senti que tinha de regressar ao Continente. E aí entra o Clube de Albergaria, que fez a proposta, ainda sem saber que eu ia ser operada. Entretanto, foram surgindo outras coisas, mas comecei a pensar no Clube de Albergaria, e desde o momento em que eu lhes disse que só em novembro estaria bem, eles disseram que queriam que eu viesse na mesma. Era um clube que me queria muito e eu tive de valorizar muito. (...) Houve ainda a questão do FC Porto, nada concreto, mas era 3.ª divisão, e eu achava que ainda não era o momento. Ainda queria estar na Liga.

Laura Luís é a voz da experiência do Clube de Albergaria
Laura Luís é a voz da experiência do Clube de AlbergariaFPF

"Vejo que as pessoas, com tão pouco, fazem bastante"

- Essa abordagem do FC Porto mexeu consigo?

- Mexeu bastante. É o clube do meu coração e dos meus pais. Se um dia assinasse pelo FC Porto, acho que a minha mãe vinha todos os fins de semana ver os jogos. Ela é mesmo fanática. Até mudou o meu pai do Benfica para o FC Porto.

- Sente que é algo que ainda pode vir a acontecer?

- Vamos ver, se houver proposta e interesse. O meu coração é azul e branco, e vermelho e branco do SC Braga.

- O presente é no Clube de Albergaria, um clube histórico no feminino. O que encontrou?

- Tal como no Marítimo, encontrei a felicidade de voltar a jogar e de confiarem em mim. Isto não é nada contra o SC Braga, atenção, porque o SC Braga vai ser sempre o SC Braga. Deu-me muito. Ponto. Aqui vejo que as pessoas, com tão pouco, fazem bastante. Claro que, na minha perspetiva, podia melhorar em alguns aspetos, mas não deixamos de ser um clube histórico, e somos o clube mais antigo a jogar na Liga. Já passei pelo objetivo de ser campeã, hoje o objetivo é não descer de divisão.

Laura Luís sobre o projeto FC Porto
Laura Luís sobre o projeto FC PortoFPF, Opta by Stats Perform

- Lida bem com a mudança desses objetivos?

- Estou tranquila. Se esse é o meu objetivo, ok. Não dá tanto prestígio como um clube grande, mas neste momento quero sentir que estou a ajudar alguém. E se eu consigo trazer a minha experiência para este clube e para pessoas que acreditam em mim, eu sinto que posso ajudar de alguma forma, tenho de me focar nisso. Às vezes não é sobre ganhar mais dinheiro ou títulos, mas existe muito por trás disso. Tenho de agarrar-me a isso para me manter bem, porque a verdade é que fazer 4 horas de viagem por dia para jogar futebol...

- ... Quantas vezes por semana?

- Seis, com o jogo.

- É uma prova de amor ao futebol.

- Sim, por amor ao futebol. Este ano, sinto que todo o esforço que faço, o momento do treino é o mais feliz, quero aproveitar e estar feliz. Estamos sempre a rir no treino. É para isto que faço este esforço. Comecei a valorizar muito mais coisas. No SC Braga, por vezes reclamávamos de tanta coisa e tínhamos tudo… Aqui, valorizo outras coisas. Temos de trazer os equipamentos, somos nós que conduzimos as carrinhas. É completamente diferente e temos de aceitar. Tudo bem que este ano as coisas não começaram bem, mas noutros anos via que o Albergaria conseguia bater-se e eu perguntava: como é possível? A diferença é grande. Mas é futebol. Aqui jogamos com paixão pelo que fazemos.

- Sente uma responsabilidade extra pelo seu passado?

- Claro que gosto de ser exemplo e tento aconselhar quando devo, mas não gosto de ter esse protagonismo todo. Não sou o Ronaldo, deixem-me jogar e mostrar que posso ajudar a equipa.

Laura Luís contribuiu com duas assistências para a primeira vitória
Laura Luís contribuiu com duas assistências para a primeira vitóriaFPF

"Estamos a precisar de outro campeão em Portugal"

- Depois de um início difícil (oito derrotas em oito jornadas), o Clube de Albergaria conseguiu somar a primeira vitória, frente ao Länk Vilaverdense (2-1). Importante para libertar a pressão dos resultados?

- Sim. Espero que este jogo ajude a dar uma reviravolta, precisamos de pontos. Vem aí um Benfica e vamos ver como corre, mas a vitória foi extremamente importante. O 2-1 foi pouco para o que fizemos. Que 2025 seja melhor.

- Como descreve o grupo de trabalho?

- Não tenho nada a dizer de negativo. Sou a mais velha, mas sinto-me mais jovem. Elas transmitem alegria e leveza. É um dos melhores grupos em que já estive, ao nível do grupo que tive quando ganhei o campeonato pelo SC Braga.

- Qual a sua análise à Liga?

- Eu acho que o ano passado estava mais competitivo. Este ano, algumas equipas caíram um bocado, como o Racing Power, o Damaiense, e a liga ficou um bocadinho mais fraca. Vemos aos poucos as jogadoras portuguesas a quererem sair, mas está a haver evolução, sempre. Estamos a precisar de outro campeão em Portugal. Acho que este ano o SC Braga tem grande hipótese. Acho que o Sporting é a melhor equipa neste momento, no entanto, apostava que o SC Braga tem grande hipótese de ser campeão.

- O que sente que pode ser feito para melhorar o futebol? Mais investimento?

- As equipas apostarem mais de forma geral, não ter só os três lá de cima (da tabela) que apostam tudo e conseguem ir buscar as melhores jogadoras de todo o lado. Sem investimento… Temos muito a ideia de que, ao ir para fora, somos mais vistas para a Seleção, sinto que ainda há essa ideia. (...) Mas, quando virmos mais equipas da liga masculina, como o Gil Vicente, o Rio Ave, o Vitória SC, quando essas equipas derem o salto, acho que vai ser ainda mais interessante.

Laura Luís conta com várias passagens pelo Marítimo
Laura Luís conta com várias passagens pelo MarítimoCS Marítimo

"O ouro está no futebol feminino"

- A Seleção acaba de qualificar-se para o Euro-2025. Como tem visto este crescimento?

- Tem sido uma evolução tremenda. Estarmos três vezes consecutivas no Europeu e no Mundial é de louvar. Tenho o privilégio de ter estado no primeiro, mas a aposta da Federação foi fundamental e, oxalá, que a nova direção continue a apostar no feminino. Acho que seria a maior burrice de uma direção não continuar a apostar no que é o ouro. O ouro está no futebol feminino.

- Olhando em retrospetiva para a sua carreira, algum arrependimento? Está feliz com o que conseguiu?

- Estou feliz com o que conquistei, pena de nunca ter jogado em Espanha. Arrependo-me de não ter saído pelo menos um ano mais cedo do SC Braga. O último ano, principalmente, acho que foi o momento em que devia ter saído.

- E como se pensa o futuro aos 32 anos? Tenho conhecimento que tem feito algumas formações da FPF.

- Sim, muitas formações a nível da FPF e outras, e o mestrado em Gestão Desportiva. Estou a tentar ao máximo adquirir conhecimento para poder trabalhar numa estrutura a nível da gestão desportiva. Também tenho feito cursos de treinadora, para ter mais opções. Mais 2-3 anos e depois tenho de pensar no futuro.

Os próximos jogos do Clube de Albergaria
Os próximos jogos do Clube de AlbergariaFlashscore

- Fica ansiosa com isso?

- Sim, porque tenho um ou outro arrependimento, e fico a pensar nisso. Mas, como já penso no futuro e em estar por dentro destas coisas da gestão, tenho de estar positiva. E é para isso que estudei anos e anos.

- Quais os conselhos que deixa às mais jovens?

- Hoje, têm condições que nós não tínhamos, mas tem de haver trabalho. Só com trabalho é que se consegue. Gosto do Messi e do Ronaldo, mas o trabalho do Ronaldo supera sempre. Sou muito de trabalho, nem tanto de talento. Hoje é possível sonhar mais e há mais oportunidades.

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