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Madalina Tatar: "Dei um salto esta época no Gil Vicente, cresci e confio mais em mim"

Madalina Tatar em destaque no Gil Vicente
Madalina Tatar em destaque no Gil VicenteArquivo Pessoal, Flashscore

O Flash Feminino é a nova rubrica quinzenal do Flashscore, dedicada a destacar as principais protagonistas da Liga Feminina. Neste espaço, traremos entrevistas exclusivas com as jogadoras que brilham nos relvados nacionais. A nossa 13.ª convidada é Madalina Tatar, jogadora do Gil Vicente.

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"Não estavam muito habituados a ver uma rapariga a jogar futebol"

- Como é que o futebol aparece na sua vida?

- Sempre joguei futebol. Tinha uma garagem atrás da minha casa e estava sempre a chatear o meu pai e o meu irmão para jogarem comigo. O meu irmão não tinha muito jeito, mas o meu pai jogava comigo. Depois, na escola, comecei a jogar com amigos até que os meus pais tiveram a ideia de me inscrever num clube: o Olhanense. Estive lá um ano, mas não correu muito bem. Não estavam muito habituados a ver uma rapariga a jogar futebol.

Mais tarde, uns amigos da escola sugeriram que fosse para o clube deles, o 4 ao Cubo, em Olhão, onde joguei durante quatro ou cinco anos. Comecei a ser chamada para a seleção do Algarve, depois para a seleção sub-17 da Roménia, e a partir daí surgiu o interesse do Sporting e do Benfica. Acabei por ir para o Benfica.

Madalina passou pelo Benfica
Madalina passou pelo BenficaArquivo Pessoal, Opta by Stats Perform

- Antes de irmos ao tema Benfica, gostava de perceber quando é que a Madalina se mudou para Portugal?

- Vim com três anos. Não me lembro de nada sobre essa mudança, e a minha família fixou-se em Olhão.

- E sobre a experiência no 4 ao Cubo, como é que era tratada?

- Fui das primeiras raparigas a jogar no clube. Tratavam-me muito bem, ainda melhor por ser rapariga. Foi uma diferença gigante - eu era a menina deles, até dos treinadores. Ainda hoje falam comigo. Agora até têm equipa feminina.

- Fica por lá até surgir a oportunidade Benfica. Como recebeu a notícia?

- Não sabia como havia de reagir. Andavam a ver alguns jogos, mas eu não tinha grande noção de como eram as equipas femininas. Quando surgiu o Benfica fiquei muito contente.

- Encontra um contexto 100% feminino pela primeira vez. Mudou muita coisa?

- Mudou praticamente tudo. Foi a primeira vez que vivi sem os meus pais, numa escola diferente, amigos diferentes e uma rotina diferente. Passei de uma cidade com mar e barcos para uma cidade gigante como Lisboa (risos).

- Muitas diferenças em termos de futebol?

- A qualidade que havia no Benfica já era muito elevada, e a intensidade era muito semelhante. A adaptação não foi tão complicada.

Madalina com o troféu da Liga conquistado ao serviço do Benfica
Madalina com o troféu da Liga conquistado ao serviço do BenficaArquivo Pessoal

"Sabia que merecia mais, mas não estava a ter as oportunidades que queria"

- Acaba por ter três anos de ligação ao Benfica, com um empréstimo ao Damaiense pelo meio, e consegue estrear-se na equipa principal, com minutos na Liga dos Campeões. Como recorda esse período da sua carreira?

- O primeiro ano nas sub-19 foi complicado, não tive muitas oportunidades. Depois, no Damaiense, fomos várias emprestadas, e fui das que tiveram menos minutos. Isso deixou-me um bocado em baixo. Sabia que merecia mais, mas não estava a ter as oportunidades que queria. Sendo uma criança a viver longe dos pais, foi ainda mais difícil. Foram dois anos complicados. Via as minhas colegas a jogar e a evoluir, e eu sentia que tinha estagnado um pouco.

Acabei por ganhar a confiança que achava que nunca ia ter, graças à mister (Filipa) Patão. A confiança dela deu-me esperança de que podia alcançar aquilo que queria.

- Ajudou a mudar o chip depois dos tais dois anos complicados?

- Foi importante para a minha confiança. Até pensei, depois do ano no Damaiense, que nunca iria ter oportunidade na equipa principal. Cheguei a pensar em deixar de jogar e focar-me nos estudos. Mas isso mudou a minha mentalidade.

Madalina Tatar tem sido figura do Gil Vicente
Madalina Tatar tem sido figura do Gil VicenteArquivo Pessoal

- Segue depois para o Racing Power, com quem sobe da segunda para a primeira liga portuguesa.

- Foi um bocado diferente. Passei de um contexto da Liga dos Campeões, onde toda a gente quer estar, com uma rotina inteiramente profissional, para uma segunda divisão. Foi uma mudança um pouco inesperada. Não queria chegar à segunda divisão, mas acho que foi importante para ganhar minutos e confiança em mim própria enquanto jogadora. Foi como fazer de novo o que fazia com os rapazes, algo que tinha perdido nos últimos anos.

- No final desse ano termina a ligação contratual ao Benfica. Difícil?

- Foi difícil, porque criamos zonas de conforto. Tinha tudo ali perto, o Benfica dava tudo, e passei a ter de correr mais atrás das coisas que eu queria.

- Deixa Lisboa e ruma a Guimarães para vestir a camisola do Vitória SC. O que dizer sobre esta passagem pelo clube vitoriano?

- Foi outra mudança, ainda mais radical. Mais frio, mais chuva, e o futebol é um bocado diferente, mais agressivo do que estava habituada. Sou mais de bola no pé e tive de me habituar mais ao contacto físico. Lesionei-me no início da época, estive parada dois meses e perdi um pouco o espaço na equipa. Tive de lutar para ter minutos. A época até correu bem, mas acho que a lesão influenciou um pouco o meu percurso nessa época.

Madalina veste a camisola 7 do Gil Vicente
Madalina veste a camisola 7 do Gil VicenteArquivo Pessoal

"Olhei para o Gil Vicente como uma oportunidade de crescer ainda mais"

- De Guimarães a Barcelos. O Gil Vicente é o presente da Madalina.

- Tenho vindo a crescer a nível de minutos. Nas últimas épocas tem sido assim, de forma crescente, e acho que era o que precisava depois do que aconteceu no Benfica. Olhei para o Gil Vicente como uma oportunidade de crescer ainda mais e dar um salto maior. O meu objetivo não é ficar na segunda divisão. Acho que consigo muito melhor do que isso. Precisava da confiança e dos minutos para ganhar ritmo e ter aquele jogo que sentia que precisava. E também de tentar fazer algo bonito pelo clube. 

- Que auto-avaliação faz destes primeiros meses?

- Está a ser uma época muito boa. Tenho números bastante bons – cinco golos e 11 assistências – algo que já não fazia há bastante tempo, e voltei a ser chamada à seleção da Roménia, o que me trouxe confiança. Sinto que tenho ajudado muito a equipa.

Madalina vestiu as cores do Vitória SC
Madalina vestiu as cores do Vitória SCArquivo Pessoal

- Quais as diferenças que aponta entre a 1.ª e 2.ª ligas?

- Muito a nível de intensidade. A segunda divisão tem vindo a crescer muito, tem havido muito mais qualidade, e os clubes têm investido imenso. Há clubes com boas estruturas na 2.ª divisão que algumas da 1.ª não têm. Acho que era importante colocar esses clubes com boa estrutura na primeira divisão. Ouço muita coisa de várias jogadoras que conheço e que estão na primeira com piores condições do que nós na segunda. Isso tem de começar a mudar.

- Considera importante o surgimento de clubes como o Vitória SC, Rio Ave, Gil Vicente, entre outros, com nomes que as pessoas facilmente associam, para o crescimento da modalidade?

- É preciso equilíbrio na primeira divisão. Há clubes que não conseguem pontuar numa época inteira. Isso torna os jogos menos intensos. É importante, por isso, esses clubes subirem e trazerem mais competitividade à primeira divisão.

- Como tem visto o crescimento do feminino?

- Um exemplo dessa aposta e evolução é a Seleção. Tem estado nos maiores palcos do futebol mundial, e isso tem muito a ver com os investimentos que os grandes clubes têm feito, o que ajudou a levar o futebol português a um nível ainda maior. É importante haver mais competitividade para as jogadoras conseguirem competir ainda melhor na Liga dos Campeões.

Madalina ao serviço da seleção da Roménia
Madalina ao serviço da seleção da RoméniaArquivo Pessoal

"Arrepio-me quando ouço o hino da Roménia"

- O que esperas que esta passagem pelo Gil Vicente lhe dê em termos futuros?

- Gostava de jogar na Liga, mas também gostava de ter uma experiência fora de Portugal. Isso mudaria muita coisa a nível pessoal e no futebol. Acho que as pessoas lá fora também veem as coisas de maneira diferente. Aqui sinto que posso não ser tão valorizada, talvez pelo meu historial. Estive no Benfica, fui para a segunda divisão, e talvez tenham uma opinião já formada sobre isso.

- A Madalina foi recentemente chamada à seleção da Roménia, dois anos depois da última presença. Sente que isso também é um sinal da boa temporada que está a fazer?

- Houve mudança de selecionador e há outras opções. Com estes números no Gil, fui chamada novamente, o que foi um momento muito feliz. Gosto, quero estar lá e é importante estar lá. Correu bem o estágio e espero voltar a ser convocada.

- Apesar de ter poucas memórias, acredito que seja um país que lhe diz muito...

- A ligação é muito pela minha família. Os meus pais gostam muito do país e tenho muita família lá ainda. Eu sinto que também pertenço a aquele país e arrepio-me quando ouço o hino. É incrível! O próximo objetivo é ganhar mais o meu espaço.

Madalina contabiliza duas internacionalizações pela Roménia
Madalina contabiliza duas internacionalizações pela RoméniaArquivo Pessoal, Opta by Stats Perform

- Existe uma boa ligação com as outras jogadoras?

- Bastante boa. Tivemos duas semanas muito boas. 

- O que mudou em si nos últimos anos, desde os tempos do 4 ao Cubo até agora?

- Não gostava muito de defender, preferia mais a bola no pé e atacar, mas fui percebendo que tens de fazer o que o treinador pede (risos). Tornei-me mais forte defensivamente, e também a experiência em campo ajudou. Tive a sorte de jogar com várias jogadoras que me ensinaram muito, assim como tive vários treinadores que me deram muito. Aprendi muito com a mister Patão, e muito aqui no Gil com a mister Liliana. Aprendi muitas coisas a nível de futebol que nem sonhava que existiam.

- Aos 22 anos como é que a Madalina olha para o futuro?

- Vivo o futebol, mas também estudo (Finanças – Politécnico de Barcelos). Ter um plano B é importante. Neste momento, estou muito focada e quero muito seguir a carreira no futebol. A seleção deu-me mais uma motivação para acreditar que sou capaz. Dei alguns passos em frente. Às vezes, é preciso recuar um bocado para nos projetarmos novamente. Dei um salto esta época, cresci mais e confio mais em mim. Descobri novamente que gosto muito de jogar futebol, e esta época tem sido crucial nesse aspeto. Às vezes, esqueço-me que tenho 22 anos e ainda tenho muito pela frente.

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