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Mafalda Marujo: "O Rio Ave é um clube grande, vai dar cartas no feminino"

Mafalda Marujo em destaque no Rio Ave
Mafalda Marujo em destaque no Rio AveRio Ave Futebol Clube

O Flash Feminino é a nova rubrica quinzenal do Flashscore, dedicada a destacar as principais protagonistas da Liga Feminina. Neste espaço, traremos entrevistas exclusivas com as jogadoras que brilham nos relvados nacionais. A nossa 22.ª convidada é Mafalda Marujo, avançada do Rio Ave.

O início do sonho: "Gastei imenso dinheiro em gasóleo e portagens"

- Mafalda, posso perguntar-lhe como é que o futebol entrou na sua vida? Como é que surgiu esse gosto pelo jogo e quando é que começou a ganhar uma dimensão diferente? 

O futebol entrou na minha vida em 2010. Foi numa fase de transição, em que tinha acabado de sair da ginástica acrobática. Já jogava futebol antes, é verdade, mas nunca em contexto competitivo. Era aquele futebol de rua, com amigos, na escola… puro divertimento.

Cheguei até a experimentar jogar no Ponto de Frielas, com treze anos. Fui lá, treinei, mas disseram-me que não podia competir, porque só havia equipa de seniores. E eu sempre fui muito competitiva. Como não podia competir, decidi sair.

Dediquei-me então à ginástica acrobática durante uns anos, até que em 2010, depois de uma fase muito exigente - muitos treinos, muitas competições, muita pressão - resolvi voltar ao futebol. Estava cansada daquela vida e precisava de algo diferente.

Foi aí que tudo começou. Voltei ao Ponto de Frielas, e dessa vez já pude integrar a equipa sénior e competir. Nunca imaginei que, anos mais tarde, em 2025, estaria onde estou hoje. Na altura, jogava apenas por gosto, por paixão pela competição e foi assim que tudo começou.

Mafalda Marujo subiu com o Rio Ave
Mafalda Marujo subiu com o Rio AveOpta by Stats Perform, Rio Ave Futebol Clube

- Hoje em dia as pessoas já encaram o futebol feminino de forma completamente diferente, não é? Mas na altura - estamos a falar de 2010 - era tudo muito distinto. O cenário era outro...

- Era...

- Como é que eram esses tempos?

Não tem mesmo nada a ver, nada. O meu interesse, a forma como me movimentava dentro do meio… tudo era diferente naquela altura. Naturalmente, não conhecia ninguém, tinha acabado de chegar. Fui-me integrando aos poucos. Mas como sempre gostei muito do jogo, acabei por me adaptar bem à equipa e até consegui destacar-me, com golos, é verdade.

Mas insisto: não tem mesmo nada a ver com o que é hoje. A minha própria mãe, por exemplo, não queria nada que eu jogasse futebol naquela altura. E hoje… é praticamente a minha maior fã. Apoia-me, diz: “Vai, continua, força!” e naquela altura não era nada assim. Nem ia ver os jogos, nada. Agora ainda vai assistir a um ou outro, mas a diferença é enorme. Houve uma grande evolução nesse sentido. Mas também é verdade que ainda há muito caminho a percorrer. Ainda há muito que pode e deve ser melhorado.

- Gostava de recuar um pouco e perguntar-lhe: como é que era tudo na altura? Era um contexto totalmente amador, não é? Como é que eram os treinos? E as condições? Como se vivia essa realidade naquela fase inicial?

- O Ponte Frielas, em termos de condições… bom, tem um campo, é verdade, mas depois os balneários são muito pequenos, antigos. Nunca houve uma estrutura pensada para crescer, nem investimento. Aquilo é em pedra, muito básico. Está limpo, sim, mas é tudo muito antigo, mesmo.

Lembro-me que, na altura, os treinos eram às oito… quase nove da noite. E a roupa? Era eu que levava, era eu que lavava, tudo. Levava para casa e a minha mãe passava-se logo, claro, porque tinha que a lavar a tempo do treino seguinte. Enfim, não há mesmo comparação possível com o que existe hoje.

- Depois a sua entrada, pela primeira vez, na Liga feminina foi através da Escola de Futebol Feminino de Setúbal, certo?

- Foi no ano seguinte. Para ser sincera, não conhecia muito. Na altura, só ouvia falar do 1.º de Dezembro e pouco mais. Entretanto, fui com uma colega de equipa fazer uns treinos a essa escola. Estivemos lá uma semana e quiseram que eu ficasse. Só que... eu moro a cem quilómetros de Setúbal! Ir e vir não era brincadeira nenhuma. Tive que convencer a minha mãe, claro. E nem nos davam nada, nessa fase. Mais à frente é que conseguiram arranjar um pequeno apoio para o gasóleo… Mas pronto, não era nada de extraordinário. Sempre com o meu carrinho, lá ia eu, para trás e para a frente...

- Quantas vezes por semana?

- Foram três anos. Mas os treinos aí já eram bastante mais tarde, muito mais tarde mesmo. Lembro-me de chegar a casa, muitas vezes, à meia-noite... uma da manhã. E no dia seguinte, lá ia eu para a escola. Foi uma fase exigente. Estive lá durante dois anos.

- Sempre nesse ritmo?

- E a gastar imenso dinheiro em gasóleo e portagens. Nem faço ideia de quanto gastei ao todo… mas foi muito.

- E por que é que fazia isso? Sentia mesmo que era esse o seu caminho?

- Gostava muito. Era, como se costuma dizer, por amor à camisola. Gostei muito do tempo que passei lá. Foi aí que dei os meus primeiros passos, que comecei a perceber o que era realmente o futebol, a conhecer, a aprender. Fui lutando, fui ficando, fui continuando. E sou assim: quando me meto numa coisa, gosto de levá-la até ao fim, seja boa ou má. Claro, se for muito má e tiver que sair, saio. Também não sou parva. Mas, por norma, quando assumo um compromisso, vou até ao fim.

Mafalda Marujo teve percurso de enorme sucesso pelo Futebol Benfica
Mafalda Marujo teve percurso de enorme sucesso pelo Futebol BenficaSindicato dos Jogadores

"O Fófó vai sempre fazer parte da minha história"

- Segue-se o Futebol Benfica (Fófó) e... ganham tudo!

- Entrei no Fófó numa fase mesmo boa, foi logo no início. E foi extraordinário. Acho que foi a partir daí que comecei a acreditar mais, a dedicar-me verdadeiramente ao futebol e a perceber que, afinal, era possível. Até então, não tinha ganho nada. Andava ali um pouco por andar, sem grande rumo. Mas no Futebol Benfica… acho que foi aí a verdadeira mudança. Foi o boom.

- Aquela época de 2015/2016 ficou marcada por um triplete histórico: Campeonato, Taça e Supertaça. Como recorda esses momentos?

- Foi extraordinário, sem dúvida. O Futebol Benfica foi o grande momento de viragem para mim, pois foi ali que percebi que podia realmente conquistar títulos, tanto coletivos como individuais. Tínhamos uma equipa excelente, muito forte em todos os aspetos. Dominámos tudo nessa altura, e isso fez toda a diferença. Guardo um carinho muito especial por esse clube, precisamente por isso. Foi ali que tudo começou. Hoje em dia, jogo contra o Futebol Benfica com naturalidade, faz parte, mas é sempre aquele clube onde cresci, onde comecei a ganhar. Vai fazer sempre parte da minha história e levo-o comigo para onde quer que vá.

Foi uma fase espetacular, apesar de, curiosamente, ainda se ganhar muito pouco com o futebol. Ainda não era como hoje, em que as jogadoras já conseguem alcançar muito mais. Naquele tempo, jogava-se por paixão, por amor à camisola e isso também teve o seu valor.

Mafalda Marujo conquistou vários títulos no Futebol Benfica
Mafalda Marujo conquistou vários títulos no Futebol BenficaOpta by Stats Perform, Sindicato dos Jogadores

- Estamos a falar de um contexto ainda amador, mas chegaram a ir a pré-eliminatórias europeias...

- Participámos duas vezes na Liga dos Campeões, mas infelizmente nunca conseguimos ultrapassar a fase de grupos. Houve uma edição em que estivemos mesmo muito perto, mas acabou por não acontecer. Ficou aquele sabor agridoce, a sensação de que podia ter sido diferente.

- Como é que a Mafalda vivia esses momentos?

- É como costumo dizer: na altura, eu nem pensava muito nisso, pois só queria jogar. O que me movia era competir, estar em campo, viver o momento. Ir à Liga dos Campeões foi algo espetacular, tive a oportunidade de lá estar duas vezes. Para mim, era um sonho a acontecer. Nem refletia muito sobre tudo o que estava a viver… queria mesmo era jogar.

- E nessa altura, em 2015, também começa a somar algumas internacionalizações por Portugal. Como recorda essa fase na Seleção? Era uma realidade bem diferente da de hoje...

- Ainda há várias jogadoras na Seleção que apanhei nessa altura, algumas continuam lá até hoje. Mas sim, a Seleção nessa altura era muito diferente. Lembro-me da minha estreia... não tenho a certeza do adversário, acho que foi a Bélgica ou os Países Baixos (n.d.r. foi contra os Países Baixos), algo assim. O que me lembro bem é do resultado: perdemos 7-0. Não foi, de todo, uma estreia agradável, mas foi o início de um percurso importante.

Na verdade, quando comecei a jogar, nem tinha o objetivo de chegar à Seleção. Eu não tinha grande noção do que era o futebol feminino - entrei um pouco às cegas. Só mais tarde, ao ver que outras jogadoras iam sendo chamadas, percebi: “Uau, é possível ir à Seleção.” A partir daí, comecei a trabalhar com mais foco e consegui lá chegar. Foi um momento muito bom para mim naquela fase.

Mafalda Marujo teve passagem de sucesso pelo Fófó
Mafalda Marujo teve passagem de sucesso pelo FófóArquivo Pessoal

- Em 2016 entram Sporting e SC Braga para o panorama do feminino. Essa mudança foi importante para o desenvolvimento da modalidade em Portugal?

- Claro que sim. A entrada dos grandes clubes foi, sem dúvida, uma viragem importante. Com o Sporting e o SC Braga a entrarem, começou a haver mais visibilidade, mais gente a ir aos jogos. Era diferente: eram clubes com nome, com estrutura e isso atraiu muito mais atenção para o futebol feminino.

Também começou a haver mais meninas a querer jogar, os pais passaram a olhar com outros olhos. Acho que isso ajudou bastante. Antes disso, era praticamente só o 1.º de Dezembro e, sinceramente, pouca gente ligava. Depois, com o Sporting e o Braga, começaram logo a perguntar: “E o Benfica?” Hoje em dia já pedem o FC Porto. Ou seja, vai abrindo portas. Mas também acredito que, para o verdadeiro desenvolvimento da modalidade, não chega só isso. 

Mafalda Marujo viveu dias de glória no Fófó
Mafalda Marujo viveu dias de glória no FófóSindicato dos Jogadores

Itália e as escolhas na carreira: "Sinto que ajudei a construir algo"

- A Mafalda teve uma experiência em Itália, em 2014/15. O que é que significou para si, dentro e fora de campo?

- Foi espetacular. Quando fui para Itália, foi tudo muito rápido... Surgiu uma oportunidade e nem pensei duas vezes. Ainda por cima era uma equipa da primeira divisão italiana! Nem fazia ideia onde me ia meter, mas foi daquele género: “Uma proposta de Itália? Bora!” E fui.

Foram uns dez meses incríveis. Vivi na ilha da Sardenha, nunca tinha estado fora de Portugal nem vivido sozinha. A nível futebolístico, não foi das minhas melhores épocas. Antes de ir para Itália, ainda estive em França a fazer testes numa equipa... e acabei por ficar entalada com burocracias. Isso fez com que, nos primeiros seis meses em Itália, nem sequer pudesse jogar.

Mas em termos de vida, de experiência, de crescimento pessoal... Fez-me amadurecer muito. Cresci mesmo. E comecei também a ver o futebol com outros olhos, de uma forma mais consciente. Foi uma experiência que nunca vou esquecer — valeu por tudo.

- Regressou a Portugal e passou por várias fases importantes - Futebol Benfica, duas épocas marcantes, depois Estoril, novo regresso ao Fofó e, mais tarde, o projeto no Amora. Como foi tomando essas decisões ao longo da sua carreira? O que orientou as suas escolhas até chegar ao momento em que se encontra hoje?

- Depois do Futebol Benfica, fui para o Estoril durante uma época. Até correu bem, mas não foi exatamente o que eu esperava. Senti que as coisas ainda não estavam a ser verdadeiramente valorizadas. Só mais tarde, ali por volta da época 2019/2020, é que as coisas começaram a mudar, e o futebol feminino começou a ser visto de forma diferente.

No Fófó, a minha última época já não foi fácil. O clube começou a descer de nível, houve um claro desinvestimento. Com a entrada dos grandes clubes, muitas equipas não conseguiram acompanhar esse ritmo. Em 2018/2019, saí do Futebol Benfica e fui para o Amora, que na altura estava na segunda divisão, mas tinha um projeto muito interessante.

Quando cheguei ao Amora, surpreendeu-me: havia um campo só para o futebol feminino, com bancadas, boas estruturas, boas condições. E pensei: “Porque não?” Sinceramente, não queria sair da Liga, pois achava que seria um passo atrás, mas, na verdade, foi um passo atrás que me permitiu dar dois à frente.

Aceitei o projeto porque senti que as coisas podiam correr bem e correram. Nessa época subimos de divisão e foi, sem dúvida, uma boa escolha. Tenho um carinho especial pelo Amora. Esses três anos foram espetaculares para mim. Os anos seguintes já não foram tão bons, mas esses primeiros tempos no clube foram brutais. Sinto que ajudei a construir algo e isso deixa-me orgulhosa.

Mafalda Marujo marcou 30 golos em 2024/25
Mafalda Marujo marcou 30 golos em 2024/25Rio Ave Futebol Clube

"Estou como o vinho do Porto, quanto mais velha, melhor"

- E chegamos, então, ao Rio Ave, na época 2024/2025. Este é mais um exemplo de clubes com tradição no futebol masculino que começam a apostar seriamente no feminino. Este ano, por exemplo, subiram o Vitória SC e o Rio Ave. Como surgiu essa possibilidade de regressar ao norte, a Vila do Conde? 

- Olhe, sinceramente, como referi há pouco, as últimas duas épocas no Amora não correram nada de especial. Saí do Famalicão para regressar ao Amora, mas a equipa acabou por descer. No ano seguinte, tentámos a subida, mas falhámos por pouco - cento e vinte minutos apenas. As coisas não estavam a correr bem, o ambiente também já não era o mesmo, e eu própria disse: "Este ano não quero jogar mais em Portugal. Vou para fora. Já nem quero saber."

A verdade é que surgiram algumas hipóteses no estrangeiro, mas nenhuma que realmente me convencesse. E, de repente, o meu empresário liga-me e diz: "Olha, tenho aqui uma proposta do Rio Ave." E eu, para ser honesta: "Do Rio Ave?" Na altura nem conhecia bem o clube, não tinha grandes referências. Pensei: "Não vou com expectativas. Vou ver, mas com os pés assentes no chão."

Acabámos por acertar tudo e fui conhecer o centro de treinos, a academia... e fiquei completamente deslumbrada. Disse mesmo ao Tiago Garcia: "Eu não conhecia bem o Rio Ave, mas vocês têm condições incríveis. Isto pode ser um grande projeto - vocês têm tudo." E, mais uma vez, acabou por ser uma excelente escolha.

- Acaba por encontrar algumas caras conhecidas no clube.

- Quando assinei pelo Rio Ave, confesso que não fazia ideia de quem ia integrar a equipa. Assinei sem saber quem seriam as minhas colegas, foi mesmo uma decisão de confiar no projeto. Pensei: “Vou, não sei exatamente o que vão fazer, mas vou.” Felizmente, acabei por reencontrar muitas caras conhecidas e rapidamente percebi que tínhamos ali um grupo verdadeiramente forte. Um grande grupo, mesmo, dentro e fora de campo.

- Era precisamente isso que lhe queria perguntar: o que é que considera que fez a diferença para conseguirem essa subida de divisão? Não foi um percurso fácil, uma vez que acabaram por disputar o play-off frente ao Famalicão, uma equipa da Liga. Na sua opinião, o que é que determinou esse desfecho positivo?

- Se tivesse de escolher uma palavra para definir esta época, seria “grupo”. Aquilo que vivemos no Rio Ave foi mesmo isso, um verdadeiro grupo. Lutámos todas pelo mesmo objetivo, estávamos todas alinhadas, e no fim conseguimos. Foi um ano difícil, como são todos, naturalmente, mas as pessoas que encontrei ali foram simplesmente espetaculares. Honestamente, acho que nunca estive num grupo tão bom. Com altos e baixos, como é normal, mas sempre muito unido e muito focado no que era importante: no que o clube queria e, acima de tudo, no que cada uma de nós queria também. E nós queríamos muito esta subida.

O Rio Ave, em apenas cinco anos, já passou por todas as divisões - esteve na terceira, na segunda, e agora chega à primeira. Havia uma enorme vontade de subir, e acredito que isso fez toda a diferença. Cada uma de nós deu o seu contributo: as que já estavam, as que regressaram, e as que chegaram de novo. Todas ajudámos o clube a dar este passo em frente.

- A nível individual, teve um contributo decisivo, com muitos golos ao longo da época. Como é que se sentiu, pessoalmente, com esse desempenho? Foi uma época especial para si?

- Para mim, jogar futebol só faz sentido se houver golo. Eu sei que o futebol é muito mais do que isso, claro, mas no meu caso, o objetivo do jogo é ganhar e, para ganhar, é preciso marcar. Podemos empatar, é verdade, mas o que me move é vencer. E eu gosto muito de fazer golos. Sinto-me mesmo bem quando marco. Quando estou bem fisicamente e emocionalmente, sinto que posso ajudar qualquer equipa a vencer.

Quando cheguei, não estabeleci nenhum objetivo concreto, nenhuma meta em números. Queria apenas fazer uma boa época e, para mim, uma boa época é sinónimo de fazer golos. E a verdade é que saí do Rio Ave com uma época excelente, extraordinária até. Marcar 30 golos em 27 jogos não está ao alcance de qualquer jogadora.

- E para si, aos 33 anos, o que é que tudo isto representa? Continuar a marcar golos, a ser decisiva, a viver o futebol com essa intensidade… A que é que lhe sabe esta fase da carreira?

- Sabe bem. Como se costuma dizer, estou como o vinho do Porto, quanto mais velha, melhor (risos). A verdade é que ainda vibro muito com o futebol, com tudo o que ele traz. Vibro com os golos, tanto os meus como os das colegas, embora, naturalmente, os meus tenham um sabor especial. São meus, fazem parte do meu percurso.

Adoro jogar futebol por isso mesmo: pela emoção. Pelos altos e baixos, pelo que o jogo nos dá e nos tira. O futebol tem essa inconstância, às vezes é até injusto. Podemos estar muito bem e, de repente, caímos; ou então estamos numa fase difícil e surge algo que nos eleva. E é isso que me apaixona. Claro que prefiro quando estou no auge, mas mesmo nos momentos menos bons, continuo a amar o jogo. Para mim, o futebol é golo. É isso que me move. E marcar... é algo que adoro profundamente.

- Mafalda, referiu há pouco que ficou surpreendida com as condições que encontrou no Rio Ave. O que gostaria de lhe perguntar é: na sua opinião, o que é que um clube como o Rio Ave pode trazer à Liga Feminina? 

- O Rio Ave pode dar tudo. É um clube que, apesar de não ser considerado um dos “grandes” no futebol masculino, é, para mim, um clube grande. Tem todas as condições, tem um apoio incrível e uma estrutura que faz a diferença.

Em todos os jogos tivemos adeptos nas bancadas, sem exceção. Sempre que precisávamos, estavam lá em massa, com gente de toda a vila a apoiar-nos. Esse envolvimento foi fundamental e mostra bem a dimensão do clube. Tenho a certeza absoluta de que o Rio Ave vai dar cartas no futebol feminino. Tem tudo para isso. Vai afirmar-se e juntar-se, sem dúvida, aos clubes grandes.

- Com ou sem a Mafala?

Boa pergunta. Espero que seja com, porque eu gosto mesmo do Rio Ave. Gosto do clube, gosto de Vila do Conde, e tive uma experiência verdadeiramente espetacular. Sou uma pessoa que se afeiçoa rapidamente às coisas e, no meu caso, o Rio Ave marcou-me. Foi muito bom para mim e, por isso, eu também vou dar o meu melhor pelo clube. Quero retribuir tudo o que recebi.

Mafalda Marujo aponta caminho para o futuro
Mafalda Marujo aponta caminho para o futuroRio Ave Futebol Clube

"Não é aceitável que ainda haja equipas a treinar às oito ou nove da noite"

- Desde os seus primeiros passos no Ponte de Frielas até ao momento atual, como tem visto a evolução do futebol feminino em Portugal? Que análise faz desse percurso e das mudanças que têm ocorrido ao longo dos anos?

- Tenho observado uma evolução muito positiva no futebol feminino, especialmente no que toca às mais jovens. No entanto, confesso que, ao mesmo tempo, isso também me assusta um pouco. Eu e muitas outras jogadoras da minha geração tivemos de trabalhar muito, mostrar uma resiliência enorme, lutar por cada oportunidade. Nada nos foi dado.

Hoje em dia, as miúdas têm quase tudo à disposição: contratos de formação, convocatórias para as seleções, condições que nós nem imaginávamos. E acho ótimo que assim seja - lutei por isso, e fico feliz por ver essas conquistas acontecerem. Mas a verdade é que, muitas vezes, essas oportunidades chegam demasiado cedo e sem a preparação mental adequada. E isso preocupa-me.

Vê-se claramente que muitas não estão prontas, porque à primeira dificuldade, desistem. Ou desanimam, ou entram num ciclo de frustração, e em alguns casos até enfrentam problemas mais sérios, como ansiedade ou depressão. Por isso, acredito que, apesar das melhores condições, estas jovens precisam de muito mais acompanhamento, dos pais, dos treinadores, e sobretudo de profissionais como psicólogos desportivos.

O lado mental hoje em dia é fundamental. Porque se não forem bem acompanhadas, à primeira queda... é difícil levantarem-se. E, no meu caso, como costumo brincar, como estive muitas vezes no chão, aprendi a levantar-me com mais facilidade. (risos)

- Que mudanças gostaria ainda de ver acontecer no futebol feminino em Portugal? 

- Em primeiro lugar, considero fundamental a questão dos contratos das jogadoras. Ninguém consegue trabalhar com tranquilidade se não tiver uma compensação financeira justa. Ter algum apoio monetário é essencial, não só pelo reconhecimento, mas também pela estabilidade. Infelizmente, ainda existem clubes que não pagam às jogadoras, e isso é inaceitável. Nós já não recebemos valores elevados e, quando os pagamentos falham durante um ou dois meses - ou até mais -, torna-se muito difícil aguentar.

Além disso, é preciso garantir condições mínimas de trabalho. Há clubes que oferecem boas estruturas, mas outros continuam muito aquém. Desde coisas básicas como ter equipamentos disponíveis, até aspetos como os horários de treino, não é aceitável que ainda haja equipas a treinar às oito ou nove da noite. Se queremos que o futebol feminino cresça, se queremos competir com qualidade, isso não chega. Tudo isso tem de mudar.

Mafalda Marujo terminou época com o título de melhor marcadora do Rio Ave
Mafalda Marujo terminou época com o título de melhor marcadora do Rio AveRio Ave Futebol Clube

"São 15 anos de carreira com títulos individuais, coletivos, subidas de divisão..."

- Mafalda, o que é que ainda a move a competir, depois de tantos anos dedicados ao futebol? O que continua a alimentar essa vontade de estar dentro de campo?

- A paixão. É mesmo isso que me move: a paixão pelo futebol. Eu amo este desporto, gosto de jogar, claro, mas também gosto imenso de ver. Acompanho muito futebol, tanto feminino como masculino. Vejo campeonatos, taças, Mundiais de Clubes... tudo o que puder. Não se resume apenas a estar em campo. O futebol faz parte do meu dia a dia, e essa ligação constante é o que me motiva e me mantém ligada ao jogo. É, sem dúvida, a paixão que me move.

- Olhando para trás, para a sua carreira, o que é que lhe fica? Naturalmente, como acontece com todos nós na vida, pode haver um ou outro momento em que pense que podia ter seguido outro caminho, não necessariamente arrependimentos, mas pequenas decisões que poderiam ter sido diferentes. Mas agora, com o percurso feito, o que é que essa caminhada representa para si? 

- Sim, é verdade o que diz. Podia ter-me arrependido de algumas decisões, e talvez hoje fizesse certas escolhas de forma diferente, mas, para isso, também teria de saber o que sei agora. A única coisa de que, de certa forma, me posso arrepender não tem a ver com a carreira em si, mas talvez com oportunidades que deixei passar. Tive propostas que acabei por não aceitar, por um ou outro motivo.

Ainda assim, não é um arrependimento no sentido negativo. Talvez hoje decidisse de outra forma, mas, quem sabe, ainda bem que não o fiz. Olho para trás e a palavra que melhor define o que sinto é orgulho. Estou muito satisfeita com o que fiz, com o que conquistei, com tudo o que alcancei. Não andei aqui em vão. São 15 anos de carreira com títulos individuais, coletivos, subidas de divisão… tudo conta.

Agora podem dizer: "Ah, mas isso já foi há dez anos." Não importa. Está no currículo, está registado, e fui eu que o fiz. Joguei, conquistei, deixei a minha marca. Claro que gostava de continuar a ganhar e nunca se sabe o que ainda aí vem. Mas, até aqui, estou profundamente orgulhosa da minha caminhada.

- O que é que gostaria de dizer às meninas que sonham em ser jogadoras e chegar à Liga? Que conselho deixaria a quem está agora a começar esse percurso?

- O que tenho a dizer é simples: trabalhem muito e não desistam. Acima de tudo, amem o futebol, só assim vão conseguir chegar onde querem. Têm mesmo de gostar do que estão a fazer, porque se não houver essa paixão, à primeira adversidade, vão perder o foco e seguir outro caminho.

E quando falo em adversidade, falo de tudo: lesões, não serem convocadas, não jogarem, não se sentirem valorizadas... há muitos obstáculos. Mas o mais importante é não desistirem. Se é realmente o que querem, então apostem tudo. Se forem resilientes, o vosso caminho vai acabar por acontecer, cada uma à sua maneira.

Nem todas têm de brilhar nos grandes clubes. Às vezes, é num clube mais pequeno que se dá o salto que tanto se precisa. Às vezes, dar um passo atrás é necessário para depois dar dois em frente. Pode não correr bem no Benfica, no Sporting, no FC Porto ou no SC Braga... Mas pode correr maravilhosamente num Rio Ave, num Vitória SC, num Valadares ou noutro clube qualquer que ofereça as condições certas. Falamos muito nos grandes, mas muitas vezes são os pequenos que fazem a diferença. 

- Mafalda, o que gostaria que dissessem sobre si no dia em que decidir terminar a carreira?

- Olha… foi uma jogadora que ajudou a desenvolver o futebol, que contribuiu muito para o crescimento da modalidade. Foi uma jogadora que adorava marcar golos e por todas as equipas por onde passou, fez muitos. Sei lá… no fundo, é um exemplo que eu gostava de seguir. Talvez seja essa a frase que melhor resume: A Mafalda é uma jogadora que eu gostava de ter como exemplo.

Mas, sinceramente, ainda não penso nisso. Gosto tanto de futebol que, para ser honesta, acho que nunca vou estar verdadeiramente pronta para esse momento.

- Assusta-a pensar nisso?

- Assusta-me, porque eu gosto mesmo muito de jogar. Às vezes dou por mim a pensar: "Mas quando é que eu vou parar de jogar? Será que vou conseguir dizer que não quero mais?" E esse é o meu problema. Acho sinceramente que não vou conseguir dizer que não quero. Muita gente diz-me: "Quando for para parar, tu vais sentir." E eu fico a pensar: "Hmm... será?" Porque, até agora, eu ainda não senti.

Mas não é algo que me assuste no sentido negativo. Eu acho que faz parte, e tem que ser assim. Também acredito que deixar de jogar não significa afastar-me do futebol. Posso continuar ligada, ou não, mas sei que não vai ser igual. Ainda assim, não sei se alguma vez vou sentir esse tal “clique” de que todos falam. Não sei mesmo.

Vamos ver, Mafalda. Para já, o que é certo é que ainda tem muitos golos para marcar. Obrigado por esta conversa.

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