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O início nos Camarões: "Era avançada, mas um dia fui à baliza..."
- Antes de mais, pode falar-nos um pouco sobre si e como começou a sua paixão pelo futebol?
A minha paixão pelo futebol começou desde criança. Era apenas uma menina a jogar com os rapazes, e o meu gosto pelo futebol foi crescendo à medida que via as jogadoras camaroneses. E comecei a sonhar: “Também posso ser profissional.” Mas o início não foi fácil, porque os meus pais diziam: “Tens de ir à escola”… E eu dizia: “Sim, claro.” Só que eu sonhava em ser futebolista.
- Quais foram os maiores desafios que enfrentou no início da sua carreira nos Camarões?
Acho que o maior desafio foi mesmo esse: convencer a minha família de que eu podia ser futebolista profissional. Porque, na nossa cultura, temos de respeitar os nossos pais. Se os teus pais dizem que tens de fazer algo, tens de respeitar. Por exemplo, se dizem “Tens de ir à escola”, tens de ir à escola, e parar com o desporto. Mas eu continuei a sonhar - queria ser futebolista profissional, e sabia que podia conciliar com os estudos.

- E como é que conseguiu convencê-los?
Foi quando fui chamada à seleção nacional sub-17. Nesse momento, começaram a acreditar: “Ah, ok, isto é mesmo sério.” E começaram a aceitar que eu podia sonhar mais alto, que podia jogar futebol.
- Sempre quis ser guarda-redes?
Não, não. Comecei a jogar como avançada. Mas, um dia, durante a pré-época, tínhamos um jogo amigável contra a equipa masculina sub-17. Nesse dia, eu não estava no onze inicial, e a guarda-redes da equipa não chegou a tempo. Então disse ao treinador: “Treinador, posso jogar à baliza até ela chegar? Quando ela vier, posso entrar depois na segunda parte.” E ele disse que sim. Fui, comecei a defender, a fazer o que podia. E no fim do jogo, disseram-me: “Oh, Michaela, esta é a tua verdadeira posição. Não mudes mais.”
- Apaixonou-se logo pela posição?
Não, no início não foi fácil aceitar que era guarda-redes. Começámos a época e eu comecei como avançada - marcava, marcava, marcava. A meio da temporada, o treinador trouxe-me uma treinadora de guarda-redes para começar a treinar. E ela disse-me: “Tens muita qualidade para ser guarda-redes. És alta, és jovem e aprendes muito depressa. Se começares a treinar como guarda-redes, vais chegar facilmente à seleção nacional.” E eu acabei por aceitar.
- Quando é que aceitou verdadeiramente essa mudança?
Acho que foi depois de três ou quatro meses. Começámos a época e eu aceitei treinar como guarda-redes. Depois de seis meses de trabalho, chamaram-me à seleção nacional sub-17 como guarda-redes.

"Jogadoras portuguesas são muito talentosas"
- Como surgiu a oportunidade de vir para Portugal?
A oportunidade de vir para Portugal surgiu num bom momento, porque, nessa altura, eu estava na seleção nacional sub-20. O meu primeiro agente contactou-me e disse que tinha um projeto para mim. Esse projeto vinha do Racing Power. Antes do Racing Power, tinha havido também um contacto com o Ouriense, mas as coisas não correram muito bem. Depois apareceu a proposta do Racing Power, mostraram-me o projeto e eu pensei: “Uau, é um bom projeto.” E aceitei.
- E o que sabia de Portugal antes de vir? Conhecia alguma coisa?
Sim, porque na escola ensinaram-nos que Portugal foi o primeiro país a explorar o nosso território, os Camarões. Sabemos que o nome “Camarões” vem precisamente de Portugal, porque os exploradores portugueses descobriram um rio com muitos camarões e deram-lhe o nome "Rio dos Camarões". E esse nome ficou até hoje.
- A mudança para Portugal foi fácil? Nos primeiros dias, semanas, meses… como foi a adaptação?
O primeiro mês não foi fácil, porque tive de me adaptar às pessoas, à língua portuguesa… Na altura, eu não sabia nada de português. O início foi difícil, mas o Racing Power fez tudo para que eu tivesse boas condições e me sentisse bem.
- Quais foram as suas primeiras impressões sobre o nosso campeonato e sobre o futebol português?
As jogadoras portuguesas são muito talentosas, tanto na seleção como na Liga. Na minha opinião, a Liga tem vindo a melhorar a cada época. Todos os anos há mais competitividade. As coisas que não tínhamos no início, agora já temos: o VAR, bons relvados… É uma evolução muito positiva.
- E depois destes quase dois anos, como tem sido a sua experiência a jogar pelo Racing Power?
Tem sido uma experiência muito boa. Desde que cheguei ao Racing Power, tenho crescido todos os dias. Aprendo e evoluo como pessoa, como jogadora e como guarda-redes. Aprendi muito sobre Portugal. Tem sido, até agora, uma experiência muito positiva.

"Somos muito unidas no Racing Power"
- A equipa está atualmente em terceiro lugar. É essa a posição que ambicionam manter até ao final da época?
É uma pergunta difícil, porque esta época o campeonato está muito competitivo. Mas, para nós, no Racing Power, o objetivo é sempre dar o nosso melhor. Em cada jogo, tentamos dar o máximo. Até ao final da época, queremos continuar assim, sempre a dar o melhor.
- Como descreveria a sua equipa?
Se tivesse de descrever a minha equipa, diria que somos muito unidas em todos os momentos. Sim, muito unidas. Somos uma verdadeira equipa.

- O Racing Power tem a segunda melhor defesa do campeonato, com apenas quatro ou cinco golos sofridos. Sente orgulho por essa conquista?
Sim, claro. Isso é fruto do trabalho de toda a equipa. Claro que podemos fazer ainda melhor, mas, por agora, estamos muito felizes por ter a segunda melhor defesa. O nosso objetivo é continuar a trabalhar, a dar o máximo, para manter essa posição ou até melhorar até ao fim da época.
- E quais são os seus objetivos, pessoais e coletivos, como guarda-redes e como equipa, para esta temporada?
Como equipa, o objetivo é simples: dar o melhor em todos os jogos até ao fim da época. Sempre. Pessoalmente, como qualquer jogadora, sonho em jogar por grandes equipas. Quero continuar a crescer - como guarda-redes e como pessoa - e dar sempre o melhor em cada temporada.

A pressão e a seleção dos Camarões: "É uma honra e uma responsabilidade"
- A posição de guarda-redes é muito específica. Como lida com a pressão e com os erros que fazem parte do futebol e, em particular, dessa posição?
Tento sempre dominar a pressão. Por exemplo, se cometo um erro, digo a mim mesma: “Ok, na próxima bola não posso repetir o mesmo erro.” Tento fazer as coisas bem, seguir o que o treinador me diz. Claro que todos podem falhar - qualquer guarda-redes pode cometer erros -, mas procuro limitá-los ao máximo. Quero estar sempre melhor, por isso trabalho todos os dias para isso.
- Li algumas palavras sobre si: “Michaely não é apenas uma guarda-redes, é vista como o futuro do futebol feminino dos Camarões.” Como reage a essas palavras?
Na minha opinião, é uma afirmação difícil de ouvir, porque, neste momento, a seleção dos Camarões está numa fase de transição. A nossa geração é muito jovem e estamos a aprender todos os dias, a ganhar experiência. Continuamos a trabalhar, e quando jogamos pela seleção nacional, o objetivo é dar sempre o melhor, vencer jogos e acumular experiência em grandes competições.
- E como se sente ao jogar pela sua seleção nacional?
Jogar pela seleção nacional é uma honra. Representar o meu país é uma grande responsabilidade, porque sei que há muitas pessoas a olhar para nós. Por isso, temos de dar sempre o melhor. Representar a seleção é um sonho. Há muitas jogadoras que gostariam de estar lá. Quando se tem esse privilégio, é preciso dar tudo.

"Quero conquistar títulos e representar grandes equipas"
- Fora das quatro linhas, como descreveria a sua experiência a viver em Portugal? Gosta do país?
Gosto muito de Portugal. As pessoas são muito simpáticas, estão sempre com um sorriso e tentam sempre ajudar. E, até agora, tenho aprendido português - já consigo falar um pouco, não muito bem, mas consigo.
- Então, na próxima entrevista falamos em português, combinado?
Sim, claro! (risos).

- Já falámos um pouco sobre isso, mas quais são os seus objetivos, a curto e a longo prazo, para a sua carreira?
O meu principal objetivo, como o de qualquer jogadora, é conquistar títulos, representar grandes equipas e dar sempre o meu melhor. Quero também ajudar as novas gerações a continuarem a sonhar e a concretizarem os seus sonhos.
- E como tem visto o crescimento do futebol feminino - não só em Portugal, mas também no resto do mundo?
Acho que o futebol feminino tem crescido muito rapidamente, porque agora temos coisas que antes não tínhamos. Por exemplo, temos a Liga dos Campeões Feminina. No início, não existia. Temos mais investimento no futebol feminino, temos o VAR… é um grande desenvolvimento. É verdade que ainda não podemos comparar com o futebol masculino, mas o nível que já alcançámos é um passo enorme e acredito que, no futuro, vamos chegar ainda mais alto.
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