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"Senti que o futebol era uma oportunidade para ser feliz"
- Como é que o futebol aparece na sua vida?
Apareceu muito cedo. A minha mãe, nos seus tempos livres, também jogava futebol. Chegou inclusive a pertencer a uma equipa perto da nossa aldeia, onde um grupo de mulheres se juntava aos domingos para jogar. O meu pai também jogava numa equipa e, ao domingo, tinha sempre jogo. Eu acompanhava-os. Tenho uma família muito ligada ao futebol - o meu avô também é muito fanático, é capaz de passar a tarde inteira a ver jogos da Premier League. E depois também tenho as minhas recordações de infância a jogar futebol com os meus primos.
- Quando aparece a oportunidade de entrar para um clube?
Começou com o futsal. Um colega de trabalho do meu pai ia assumir uma equipa de futsal feminino e sabia que eu gostava de jogar, então convidou-me para ir fazer uns treinos. Na altura, ainda não tinha idade para ser federada, por isso só participava nos treinos e em torneios de verão. Foi aí que comecei a ganhar gosto pelo jogo. Depois, com 13 anos, quando finalmente podia desfrutar do futsal a sério, a equipa acabou por terminar, por falta de recursos. Foi uma desilusão muito grande.

- Os tempos eram completamente diferentes. Com 13 anos, como imaginava o futuro?
Não sou uma pessoa de fazer planos a longo prazo. Só queria desfrutar do momento. Gostava muito do que estava a fazer e queria fazê-lo bem. Queria ser boa em alguma coisa, e senti que o futebol era uma oportunidade de me afirmar, de me sentir feliz e realizada. O futebol deu-me isso.
Depois, com o tempo, fui criando sonhos, objetivos. Comecei a perceber que podia ser algo mais no futebol, e não apenas “mais uma”. Via colegas minhas a deixarem o futebol muito cedo, ou que iam só para passar o tempo, e eu fui sentindo que queria mais. Coloquei pressão em mim própria, pois queria chegar mais longe e sabia que tinha de trabalhar mais do que as outras.
- Gostava de recuar até 2010, certamente para um momento muito especial para a Regina, pois foi nesse ano que foi chamada pela primeira vez aos trabalhos da Seleção Nacional...
Lembro-me perfeitamente da primeira convocatória. Tínhamos terminado um estágio de observação das sub-19. A selecionadora era a Mónica Jorge e, no fim do estágio, disse que queria falar comigo. Chamou-me e disse que estava contente com o meu trabalho e que me ia dar uma oportunidade.
Lembro-me bem das emoções. Não sabia se havia de chorar ou rir. Ainda hoje recordo esse momento como se fosse ontem. Foi muito marcante. Liguei logo aos meus pais a dizer que tinha conseguido atingir o que me tinha proposto. Tinha-lhes dito que queria chegar ao topo e liguei-lhes assim que soube.

"Em todos os clubes consegui deixar o meu nome gravado na história"
- Vilaverdense, Valadares, SC Braga e Famalicão… Como olha para o seu trajeto?
Posso dizer que tive - e tenho - uma carreira no futebol muito boa e muito feliz. Em todos os clubes consegui deixar o meu nome gravado na história. No Vilaverdense, o meu nome está no bar do estádio, marcado como parte da equipa que subiu à Primeira Divisão. No Valadares, ganhámos a Supertaça e também deixei lá a minha marca. No SC Braga, pelos títulos conquistados, sei que o meu nome e a minha imagem ficam ligados àquele período. No Famalicão, fiz parte da primeira equipa a vencer um troféu oficial. E agora, no Rio Ave, consegui uma subida à Liga.
Não tive uma carreira de muitos holofotes, também nunca procurei isso, mas sinto-me feliz por ter conseguido deixar o meu nome na história dos clubes por onde passei. Olho para trás e vejo um trajeto muito bom. Fico orgulhosa do que conquistei.
Espero um dia voltar a esses sítios e continuar a ver o meu nome por lá. O meu objetivo sempre foi marcar pessoas, deixar um bocadinho de mim em cada balneário e em cada relvado. Acho que a minha missão foi muito essa, e sinto-me realizada. Consegui alcançar objetivos importantes. O facto de ter chegado à Seleção foi o auge, e poder ter deixado um bocadinho de mim em cada lugar é, para mim, extremamente gratificante.
- Foi por isso que aceitou o desafio no Rio Ave, para voltar a fazer história num clube?
O Rio Ave surgiu através do convite da mister Mara, com quem tinha trabalhado no Valadares. Gostei muito de trabalhar com ela e, quando fiquei a conhecer melhor o clube, fiquei ainda mais encantada com o projeto e o sonho de subir à Liga.
Senti-me novamente conquistada pela ideia de fazer algo bonito no futebol e vi ali uma oportunidade para contribuir com a minha experiência, forma de estar e capacidades técnicas. Queria deixar mais um bocadinho de mim num clube que mostrou vontade em apostar no futebol feminino e fazer história.
A partir do momento em que conheci toda a família que é o Rio Ave, foi fácil aceitar o convite. Aceitei sem pensar duas vezes.
- Objetivo alcançado: subida. Agora na Liga, e com a primeira vitória frente ao Torreense, o que pode o Rio Ave fazer esta época?
Uma coisa é certa: foi uma vitória muito feliz, mas não nos deixamos deslumbrar. Vai ser um campeonato muito competitivo. A equipa está num processo de consolidação no futebol feminino e na Liga. Sabemos as dificuldades que o campeonato apresenta, e esta foi apenas uma vitória, que nos traz ainda mais responsabilidade para o que temos pela frente.
Os nossos objetivos passam por dar sempre o melhor. Estamos numa fase de crescimento, de afirmação da equipa e de várias jogadoras. Vamos jogo a jogo, passo a passo, mas com o máximo de responsabilidade e ambição.
- E o que a Regina pode acrescentar ao grupo? Experiência?
Tento passar a minha experiência. O primeiro objetivo foi acolher da melhor forma as jogadoras que vieram de fora. A partir daí, o futebol tem uma linguagem universal: todas sabem que é preciso trabalhar com raça e ambição.
Tento criar laços, ligações, mostrar que o mais importante é o trabalho coletivo, não só dentro de campo. Temos jogadoras com muita qualidade técnica, algumas até melhores do que eu, mas é importante perceber que isso, por si só, não chega.
Quero passar essa mensagem: que todas se sintam em casa, felizes a fazer o que mais gostam. Somos umas privilegiadas por podermos viver do futebol. Se não fores para os treinos e para os jogos com um sorriso na cara, tudo se torna mais difícil.
O meu papel passa por fazer com que cada uma seja um bocadinho melhor do que foi na época passada. Estamos num clube que nos proporciona tudo, e só quero que aproveitem, que sejam felizes e saibam que estou cá, de todas as formas, para ajudar, dentro e fora de campo.

"Rio Ave vai fazer um campeonato muito bom"
- O projeto Rio Ave tem futuro para ser um clube com marca forte na Liga?
Não tenho dúvidas de que o Rio Ave será um caso sério na Liga. Não digo que vai ser já este ano ou no próximo, mas tenho a certeza de que o clube está nas mãos certas para fazer coisas muito bonitas pelo futebol feminino. É um clube que está em afirmação e acredito que, mais tarde, será um nome de referência, capaz de se impor no feminino.
- Como se sente por viver este crescimento do feminino? Alguma “inveja” das jogadoras que aparecem agora? Ou foi importante fazer parte desta evolução?
Às vezes brinco e digo que nasci na altura errada, que devia estar agora a aproveitar este momento (risos). Mas, sendo realista, fico feliz por ter contribuído para que o futebol feminino chegasse a este patamar. Vivi coisas incríveis, mesmo com menos condições, e são memórias que vou guardar para sempre, pois foram elas que me trouxeram até aqui.
Hoje tudo parece mais fácil, não só no futebol, mas também noutras áreas. Ainda assim, olho para trás e sei que, se não tivesse passado por tudo o que passei, não valorizava tanto as conquistas que alcancei. Não gosto de comparar tempos. O que passou, passou. O que quero é que as jogadoras de agora aproveitem as condições que têm e que no futuro consigam receber o triplo do que nós recebíamos.

Só quero que isto continue a evoluir, que a mulher seja cada vez mais valorizada, no futebol e em qualquer profissão. Fico muito contente por ter vivido o “antes”, o “agora” e por poder assistir ao que ainda vem aí.
- Como espera que seja esta edição da Liga? Rio Ave e Vitória subiram... São dois clubes com peso também no masculino.
Sem desvalorizar os outros clubes, é um facto que as equipas com nome na Primeira Liga masculina vieram ajudar muito à valorização do futebol feminino. Benfica, Sporting, SC Braga, Famalicão, FC Porto… foram uma alavanca importante para o crescimento da modalidade.
Sobre a Liga Feminina, eu trabalho num ginásio e há cada vez mais pessoas que me perguntam como é o futebol feminino. A verdade é que já começam a ouvir falar e a mostrar interesse. E o que lhes digo é simples: que vão ver um jogo. A Liga é muito competitiva, especialmente entre as quatro equipas da frente, e espero que esta reformulação feita pela Federação traga ainda mais equilíbrio.
Este início de época já mostrou resultados inesperados, o que é ótimo. Significa que há clubes capazes de fazer história e de construir trajetos muito bonitos. E eu acredito mesmo que o Rio Ave vai fazer um campeonato muito bom. Tenho a certeza de que coisas boas vão acontecer.

"Abdiquei de muita coisa pelo futebol, mas não me arrependo"
- Quando a Regina decidir terminar a carreira, como espera ser recordada?
Quero acreditar que quem passou por mim nos balneários vai levar consigo alguma coisa boa de mim. Sempre foi essa a minha postura, os meus valores. Quero acreditar que acrescentei sempre algo a alguém.
Que seja recordada como aquela jogadora que dava tudo em campo e não desistia. Alguém que deixou o seu nome na história por onde passou. Isso é o mais importante para mim.
- E quando lhe perguntarem “o que é o futebol” para si, o que responde?
O futebol, para mim, foi mesmo uma vida. Desde cedo comecei a dedicar-me de corpo e alma. Lembro-me de, com 13 ou 14 anos, abdicar de muita coisa da vida social em prol do futebol. Os meus colegas chamavam-me “louca”.
Diz-se muito que a vida de futebolista é boa, mas há momentos especiais com amigos e família que se perdem. Tenho noção de que abdiquei de muita coisa. Não me arrependo.

Às vezes falamos de viagens de finalistas e eu digo sempre: “Não sei o que isso é”, porque não fui. Não fui sequer ao baile de finalistas, porque ia ter apuramento das sub-19. Dediquei muito de mim ao futebol, e é por isso que ainda hoje tenho tanto gosto no que faço. O tempo passou a correr.
- Ainda não é o pós-carreira, mas como se sente? Ainda tem energia?
Nos últimos anos, fui pensando época a época. Esta última época sofri uma lesão grave no ombro e quis esperar para ver como me sentia, se estava apta a ajudar e se podia ser útil ao clube.
É óbvio que o fim da carreira está mais próximo, mas já tenho um plano B e estou mentalizada para isso. Vou estar no futebol e a desfrutar do futebol enquanto o corpo permitir. Não quero ser alguém que se arrasta ou que anda no futebol por interesse. Acho que vou ter um fim de carreira tranquilo, porque irei feliz.
Portanto, o Rio Ave pode contar com a mesma Regina que começou aos 13 anos: com ambição, vontade e gosto. Enquanto gostarmos do que fazemos, estamos bem.
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