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"Acabei por ir para a baliza meio por acaso"
- Tiffany, pode contar-nos a sua história e como começou a sua paixão pelo futebol?
Cresci nos Estados Unidos e joguei futebol no meu clube local. Depois, fui para a universidade também ali perto, no estado de Kennesaw. E foi a partir de 2020, depois de sair de Kennesaw, que comecei a jogar profissionalmente.
A minha história é curiosa, porque eu nem sabia que queria ser jogadora profissional até acontecer a pandemia de COVID. Foi uma fase complicada, porque a COVID acabou por encurtar a minha época universitária - tudo estava a mudar muito depressa naquela altura. Além disso, estava a ficar sem elegibilidade para continuar a competir pela universidade.
Mas eu sabia que queria, sem dúvida, continuar a jogar, só não sabia bem como. Foi então que comecei a pesquisar e a procurar oportunidades fora dos Estados Unidos, e foi aí que surgiu a ideia de jogar profissionalmente no estrangeiro.

- E sempre quis ser guarda-redes?
Tudo começou ainda no meu clube de formação. Quando somos mais novos, todos partilham tempo em campo, todos passam pela baliza, é quase uma rotação natural. E, com o passar dos anos, muitas raparigas começaram a dizer que já não queriam ser guarda-redes. Então, diziam-me: “Tu és melhor nisso do que nós, fica tu.” E eu pensava: “Está bem.”
Por volta do 11.º ano, já ninguém queria dividir tempo comigo na baliza e, no fundo, acabei por ficar ali meio por acaso. Mas continuei porque adorava. Era muito divertido naquela altura, e eu comecei também a fazer pequenos treinos específicos de guarda-redes no clube. Acabei por me apaixonar completamente pelo papel, pelos exercícios, pela adrenalina, pelas defesas... por tudo.
- Quais foram os maiores desafios que enfrentou no início da sua carreira?
Na verdade, tive alguma sorte quando era mais nova, porque, nessa altura, jogava essencialmente por prazer. Não sentia pressão, nem havia aquela competição constante. Muitas jogadoras nem sabiam bem o que queriam, se seguir para a universidade, se tentar uma carreira profissional. Para nós, o futebol era simplesmente uma atividade depois das aulas, uma forma de estarmos juntas, de nos divertirmos a jogar.
Foi uma fase entusiasmante, porque jogar era sempre algo leve e divertido. Mas quando cheguei à universidade, tudo mudou. De repente, estava a competir com três ou quatro outras guarda-redes, algumas com vários anos de experiência a mais do que eu. E foi aí que, sinceramente, o verdadeiro desafio começou.
- Jogou nos Estados Unidos, Islândia, Dinamarca e, agora, em Portugal. Como é que cada país a ajudou a crescer como jogadora e pessoa?
Cada país teve o seu próprio impacto no meu desenvolvimento. Mas, sim, tem sido uma experiência realmente entusiasmante, porque, à medida que fui crescendo, também tive a oportunidade de conhecer novos países, novas culturas e diferentes formas de viver o futebol.
O estilo dos Estados Unidos é muito diferente do da Islândia, e este é muito distinto do da Dinamarca. E agora, aqui em Portugal, dentro e fora de campo, há sempre algum desafio ou alguma diferença à qual é preciso adaptar-me.
Acho que isso me fez crescer muito mais depressa do que se tivesse ficado num só lugar durante muito tempo. Mas, sinceramente, tenho gostado de todas essas experiências, cada uma deu-me algo diferente, algo que pude incorporar nas minhas características como guarda-redes, como jogadora e também como pessoa.

"Fiquei muito impressionada com a estrutura e a organização do Vitória"
- Como surgiu a oportunidade de vir para Portugal e, em particular, para o Vitória SC?
Para ser completamente honesta, a primeira coisa é - como dá para ver, joguei antes na Islândia e na Dinamarca - o tempo lá não é assim tão bom. Quando diziam que estava quente, eu pensava: “Isto não é quente! Não me digam que isto é quente!” (risos) Então, claro, o clima foi algo que me atraiu muito.
Mas, para além disso, eu não sabia muito sobre Portugal. Conhecia um pouco mais de Espanha e Itália, mas sentia que aqui o tipo de pessoas e a cultura seriam diferentes das dos países nórdicos. Eu cresci na Geórgia, nos Estados Unidos, que é um ambiente muito social e amigável, mesmo entre desconhecidos, as pessoas cumprimentam-se na rua. Já na Dinamarca, se disseres “olá” a alguém, ficam a olhar para ti espantados, e eu ficava tipo: “Ok, esquece, era só simpatia!”
Por isso, queria estar num sítio que fosse quase perfeito para mim, tanto dentro como fora de campo. Gostei muito do futebol nos outros países, mas sentia que faltava aquele ambiente cultural em que me identificasse plenamente.
Falei com o meu agente sobre os países que me interessavam e, como tudo depende muito do momento certo, surgiu a oportunidade de vir para o Vitória, que tinha acabado de subir à Liga Feminina, uma liga reconhecida e respeitada internacionalmente.
Foi uma oportunidade que me entusiasmou muito, um novo desafio depois da experiência na Dinamarca. E, sinceramente, eu adoro histórias de equipas “underdog”, que têm algo a provar. Gosto de fazer parte desses projetos e de ajudar a deixar a nossa marca. Por isso, quando percebi que o Vitória era visto como um projeto em crescimento na Liga, senti que era o cenário perfeito.
- Quais foram as primeiras impressões sobre a cidade, o clube e as pessoas?
Quando cheguei, para ser sincera, não tinha qualquer informação. Não conhecia a cidade de Guimarães, nem sequer o clube Vitória. A verdade é que, se não acompanhas de perto o futebol português, só ouves falar de Benfica e Sporting, por isso vim sem grandes expectativas.
Mas, desde o início, fiquei muito impressionada com a estrutura e a organização do Vitória, mesmo no futebol feminino. Já tinha feito parte de clubes grandes, mas em que o foco estava todo na equipa masculina e as mulheres acabavam um pouco deixadas de lado. Aqui é diferente. As jogadoras sentem-se acolhidas, sentem que têm o seu espaço dentro do clube. Claro que ainda temos de provar o nosso valor, conquistar resultados e continuar a crescer, mas é completamente diferente quando se sente confiança e investimento da parte do clube. Isso dá-nos mais coragem e motivação, e percebi isso logo na pré-época.
Quanto à cidade, achei-a encantadora. Adoro Guimarães. Eu não sou muito pessoa de grandes cidades, por isso gosto imenso do facto de aqui ser mais calmo, mas ainda assim cheio de vida. Moro perto do centro e é ótimo poder ir a pé para todo o lado. Há sempre movimento, há sempre algo a acontecer, e isso torna o ambiente acolhedor e entusiasmante.
Vim sem expectativas, mas Guimarães e o Vitória superaram-nas completamente.

- Três jogos, três empates, um deles frente ao Sporting, sendo que foi eleita melhor jogadora do último encontro. Como se sentes com esse reconhecimento tão cedo na época?
Acho que, neste momento, estamos a entrar mais preparadas. Como disse, quando se é “underdog”, nada é dado. Temos tudo a provar. Mas, ao mesmo tempo, não temos nada a perder, e eu levo isso comigo em campo.
Quando jogamos contra equipas como o Sporting, elas entram já à espera de marcar. E, sinceramente, a minha parte favorita é quando não marcam e ficam mais frustradas do que nós.
A nossa equipa está a crescer junta, a adaptar-se à nova liga, e o meu objetivo é fazer a minha parte, ajudar a equipa a defender da melhor forma possível e, jogo após jogo, continuar a elevar o nosso padrão e a afirmar a nossa identidade.
Com o avançar da época, espero que consigamos jogar cada vez mais ao nosso estilo, e não apenas tentar contrariar o jogo das outras equipas.

"As jogadoras portuguesas têm personalidade e liberdade com bola"
- Do que já teve oportunidade de ver, qual a sua opinião sobre a Liga e a jogadora portuguesa?
Até agora, pelo que vi, acho que do topo da tabela até ao fim está tudo muito equilibrado e é realmente um campeonato em aberto. Claro que, à medida que a época avança, vamos perceber melhor quem consegue segurar os pontos, mas neste momento qualquer equipa é capaz de tirar pontos a quem, teoricamente, seria favorita.
Isso é algo que me entusiasma, sentir competitividade em todos os jogos e não ver apenas duas ou três equipas a dominar a liga de forma previsível.
Também tem sido incrível vivenciar diferentes culturas. As jogadoras portuguesas têm um estilo muito próprio, diferente do que encontrei na Dinamarca ou na Islândia. Gosto muito disso, acho que têm mais criatividade, mais atitude e até um certo dramatismo em campo, no bom sentido.
Adoro esse lado mais expressivo e mais livre, é quase uma forma de arte dentro do jogo. E foi exatamente essa a minha primeira impressão ao chegar: as jogadoras portuguesas têm personalidade e liberdade com bola, e isso torna o futebol aqui muito mais vibrante e divertido de ver e jogar.
- Portanto, o que podemos esperar do Vitória SC?
Diria para não fazerem suposições. Não presumam como vai correr a nossa época, porque nunca se sabe. Acho que o que estamos a fazer, e o que fazemos semana após semana, mostra que não somos a mesma equipa que éramos na semana passada. Se nos avaliarem com base nisso, vão acabar um passo atrás, porque vamos continuar a evoluir a cada jogo.
Claro que, sendo uma equipa recém-promovida, o objetivo natural é manter-se na Liga, mas acredito que as ambições do Vitória vão além disso. Queremos deixar uma marca, fazer uma verdadeira afirmação na Liga, e não apenas lutar pela sobrevivência.
- A Tiffany disse quando chegou a Guimarães: “Quero ser uma das melhores guarda-redes em Portugal.” Que passos está a dar para concretizar esse objetivo?
É continuar (a trabalhar). Mas, sinceramente, quando és recompensada, ficas entusiasmada por saber que fizeste um bom trabalho. Só que algumas pessoas acabam por se acomodar depois de uma conquista. E, como disse, acho que nem eu nem a equipa estamos ainda onde queremos realmente chegar.
Enquanto tivermos esse objetivo em mente e continuarmos a produzir e somar pontos, o nosso nível vai subindo a cada jogo. Estou muito grata e feliz por ter recebido o prémio de MVP na última jornada, mas sei que houve várias coisas que não correram bem nesse jogo. Outras equipas veem essas fragilidades e vão tentar explorá-las, por isso não há espaço para ficar satisfeita demais.
Afinal, só vamos em três jogos, e posso ter começado bem, mas isso não significa nada se depois baixar o rendimento no resto da época. O que quero mesmo é manter a consistência.

"Jogar pela Tailândia tem sido uma das experiências mais incríveis da minha carreira"
- É internacional pela Tailândia. Que significado tem para ti representar o país e o que aprendeu com essa experiência internacional?
Jogar pela Tailândia tem sido uma das experiências mais incríveis da minha carreira. Vindo dos Estados Unidos, eu não tinha muito contacto com a cultura tailandesa. O meu pai é tailandês, a minha mãe é dinamarquesa, mas ambos emigraram para os EUA, por isso não cresci muito ligada às suas origens.
Cada vez que represento a seleção nacional, sinto que estou a reconectar-me com uma parte de mim que não conhecia bem. Poder ir à Tailândia, treinar com as colegas e usar a bandeira no peito é algo que me enche de orgulho e realização pessoal.
E, como disse, é também uma experiência cultural incrível. As jogadoras tailandesas são muito diferentes das americanas, das islandesas, de todas com quem já joguei. Aprendo muito com elas, com o seu estilo de jogo, com a forma como veem o futebol e com as suas conquistas.
É algo raro e, sinceramente, se alguém tiver a oportunidade de jogar pela sua seleção, recomendo vivamente que o faça.
Uma pequena história: eu nem sempre tive passaporte tailandês. A ideia de representar a seleção só surgiu em 2019, quando o meu pai decidiu contactar a federação. Enviou vídeos meus, escreveu-lhes, perguntou se havia alguma possibilidade. No pior dos casos, diriam que não ou nem responderiam.
Lembro-me de estar na universidade e de o meu pai me mandar uma mensagem: “Tiffany, eles responderam! Eles responderam!” E eu fiquei a pensar: “Quem respondeu?!”
Foi assim que tudo começou. Tirei o passaporte, fui chamada para treinar e, desde então, estou com a seleção até hoje. É uma experiência que adoro de coração.

- Tem memória de como se sentiu no primeiro jogo?
Foi uma loucura, porque a minha estreia foi contra a Itália, que é uma equipa muito forte. Estava nervosa, mas ao mesmo tempo entusiasmada. E pensei: “Não importa o que acontecer neste jogo, só quero aproveitar o momento.”
Estava simplesmente feliz por estar ali, por representar o meu país, por vestir a camisola, cantar o hino nacional… tudo isso foi muito especial.
Tenho a certeza de que o meu pai ficou radiante. Ele não estava presente no jogo, por isso não sei qual foi a primeira reação dele, mas conhecendo-o, deve ter publicado tudo no Facebook. Acho que ficou mesmo muito, muito feliz.
- Voltando ao momento atual, o que espera que esta oportunidade no Vitória SC e em Portugal lhe dê em termos de futuro?
Neste momento, não estou muito focada no futuro. Estou num espaço onde me sinto feliz, com o ambiente, a equipa e o facto de estar a jogar numa liga de alto nível.
Aprendi que, se não olhar demasiado para a frente e me concentrar nos objetivos mais próximos, como o próximo jogo ou os dois seguintes, e se conseguir dar o meu melhor em cada um, as coisas acabam por encaixar naturalmente.
Por isso, não há um destino específico onde eu queira chegar neste momento. Claro que adorava ser a melhor guarda-redes da Liga no fim da época, mas sei que isso começa por ser a melhor em cada jogo. É aí que quero focar-me agora.
- Por fim, quando terminar a sua carreira, como gostarias de ser lembrada?
Gostava de ser lembrada como uma grande líder e uma excelente colega de equipa. Quero que o meu nome fique associado a alguém que ajudou outras jogadoras a crescer ou que contribuiu para o sucesso coletivo.
Claro que quero ter bons números e estatísticas em campo, mas, mais do que isso, quero ser reconhecida pelo meu caráter, pela minha postura profissional e pela forma como me apresento.
Gostava também de ser uma referência e uma inspiração para as jogadoras mais jovens, para que, ao ouvirem a minha história e perceberem o que vivi, possam pensar: “Ela conseguiu, eu também posso.”
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