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Reformado há muitos anos, na década de 80, depois de treinar e estrear-se no Málaga, chegou ao Castilla e daí ao Real Madrid, onde esteve desde a época 81/82 até à época 87/88, quando saiu para o Sevilha e acabou por se reformar no Mérida. O Flashscore falou desses jogos mágicos, dos líderes nesses momentos em que a única salvação é acreditar em milagres, de Juanito, de Santillana... e do que o Real Madrid é capaz em noites europeias como a que o espera na quarta-feira.
- Antes de falarmos de reviravoltas, Pepe, que recordações tem agora do seu tempo de futebolista, quando ganhou uma Taça do Rei, duas Taças UEFA, uma Taça da Liga, duas Ligas?
- Não me posso queixar. Foi um período muito bom. E não há espaço para esquecimentos, uma vez que todos os fins de semana estou com os clubes de adeptos do Real Madrid, etc. Portanto, a recordação é constante, contínua e, por isso, absoluta.
- Viveu períodos muito importantes para o Real Madrid, onde coincidiu com verdadeiras lendas, como Vicente del Bosque, Juanito, Santillana, Camacho, etc. E depois com os inícios da Quinta del Buitre. E com treinadores que também são verdadeiras lendas e que infelizmente já não estão entre nós, como Amancio ou mesmo o último que teve, o recentemente falecido Leo Beenhakker.
- Sim, de facto, todos os treinadores que lá tive já não estão connosco, infelizmente. Foram eles: Alfredo Di Stefano, Luis Molowni, Amancio e, finalmente, Leo Beenhakker. Mas aprendi muitas coisas com eles, não só com eles, mas a forma de viver com a equipa, com o grupo, era extraordinária. E ainda mais nestas situações que temos com os regressos.

Noite contra o Mönchengladbach
- Viveu alguns momentos importantes, alguns favoritos?
- É verdade que tive alguns, sim, mas desde o momento em que joguei, obviamente, a derrota por 4-0 sobre o Borussia Mönchengladbach, depois da vitória por 1-5 na Alemanha. Foi um êxtase total e absoluto. Apesar de, numa ocasião, como contra o Inter, eu ter marcado um golo de livre, os 4-0, ver aquele estádio cheio de energia, de vontade, de emoção, foi incrível, é inevitável.
- E o que é que o Bernabéu tem de especial? Porque toda a gente fala nisso e acaba por acontecer, é algo que está no ADN? Jogadores que são muito fortes dentro do grupo e que fazem com que os outros acreditem que, apesar de um mau resultado na primeira mão, tudo é possível no Bernabéu?
- Sim, sem dúvida. Há alguns que tendem a ser a cabeça visível quando se trata de unir todo o grupo. Na altura, era o Juanito, o Camacho, o próprio Santillana também. Mas acho que o grupo estava tão próximo deles que, com qualquer fósforo, começávamos a arder imediatamente. Não precisávamos de muito pavio para arder.
- Como é o processo de recuperação? Quando se perde o jogo da primeira mão, qualquer um pode dizer "olha, estamos fora" e assim por diante. O que acontece quando as pessoas entram no balneário? É aí que começa a ativação?
- É isso mesmo, já o disse. A partir do momento em que o jogo termina, há a sensação de que temos algo mais para dar, para alcançar. A partir do banho, foi a frieza mental que começou a aquecer o coração, o corpo e tudo. Porque assim que entrámos no autocarro, a caminho do aeroporto, começámos a falar, a meditar, a planear... Mas no segundo dia, imediatamente após a viagem, no treino, estávamos a pensar no jogo. Também jogámos parte dos jogos do campeonato como se fosse essa nova competição, a UEFA. Portanto, estávamos obcecados, praticamente, com tudo isso. Ainda antes de sairmos, penso que alguns jogadores do Borussia Mönchengladbach que estavam no corredor, que partilhávamos com as duas equipas, perceberam o que ia acontecer naquela noite.
- Houve outra reviravolta, contra o Anderlecht. Uma vitória por 3-0 e uma memorável vitória por 6-1 no Bernabéu contra os belgas.
- Penso que foi o início, pelo menos nesta época — estamos a falar dos anos 80 — porque sei que houve algumas reviravoltas especiais e importantes no Bernabéu antes disso. Mas neste período de que estamos a falar, quando fomos campeões da UEFA dois anos seguidos, foi aí que tudo começou. Uma derrota por 3-0 que achámos que não era justa, e depois ganhámos por 6-1. Bem, isso causou um grande impacto nas pessoas, porque continuámos a ganhar mais. Mas não se fica por aqui. Há dois ou três anos, quando fomos campeões europeus, eles viraram contra o Chelsea, viraram contra o City e acho que contra o Paris Saint-Germain. Portanto, três equipas que podem ser consideradas como possíveis candidatas a serem campeãs europeias.
O jogo contra o Arsenal
- E pela sua experiência e por ter vivido esses jogos históricos, que já fazem parte da história do Madrid, tem alguma receita para o jogo contra o Arsenal?
- Esperança, entusiasmo, vontade, orgulho? Não sei, todos os adjetivos que lhe posso dar e que muitas vezes atribuímos aos valores do madridismo. Todos eles têm de andar de mãos dadas, porque é evidente que é muito difícil, que o Arsenal não vai facilitar, longe disso, a tarefa de os vencer. Mas, bem, há que trabalhar, há que ganhar. É para isso que serve uma equipa, para que todos contribuam com uma parte proporcional para o sucesso.
- É mais complicado agora do que naquela altura ou são todos muito difíceis?
- São todas muito difíceis. Além disso, reparem no que estou a dizer: se o Arsenal, por qualquer razão, se adiantar mais, é ainda mais heroico. Por isso, penso que, independentemente da dificuldade, os jogadores, quando estão em campo, com o apoio dos adeptos, estão convencidos de que podem conseguir muito. E espero que também desta vez, apesar de a dificuldade ser conhecida.
- Os plantéis mudam e, obviamente, não é por causa da qualidade. Mas se vamos falar de raça, de caráter, de jogadores com pedigree, será que eles também estão lá para liderar uma reviravolta na próxima quarta-feira?
- Estou convencido de que sim. A personalidade dos jogadores que jogam no Real Madrid, desde o que tem mais carácter ao que tem menos, se vier ao de cima, podemos alcançar o êxito que tanto desejamos, depois de uma situação e de uma eliminatória em que, para ser sincero, as coisas na primeira mão não correram como queríamos.
- Há algum jogador em particular em quem tenha especial confiança e o que é que o Real Madrid deve fazer para tentar ultrapassar ou pelo menos forçar o prolongamento contra os ingleses?
- Bem, isso seria muito ousado da minha parte, porque é usar o espaço que Carlo Ancelotti tem, e se há alguém que está preparado para saber o que tem de fazer, é ele, sem dúvida. Mas o que é evidente é que temos jogadores com uma individualidade e uma capacidade extraordinárias. A entrada de qualquer um deles pode transformar-se num golo e, consequentemente, o apoio dos adeptos será imediato.
A lenda do Bernabéu
- Sim, o Bernabéu entra no jogo e sente o cheiro a sangue...
- Diria que mesmo no aquecimento já devem estar conectados, porque, voltando àquelas reviravoltas de que falava, que tive a sorte de viver, quando estávamos no autocarro, chegámos ao estádio rodeados de adeptos e aí já íamos a 120 batidas. Chegámos com entusiasmo, com vontade... Só o facto de ver os adeptos à porta do estádio era extraordinário. Mas quando saímos para aquecer, entrámos no ritmo que precisávamos.
- Suponho que também é interessante poder marcar cedo para criar dúvidas na equipa adversária.
- Sim, é verdade. Esta é uma situação que pode ser muito boa para o nosso moral, mas, mesmo que não o consigamos, não podemos desistir. Contra o Borussia Mönchengladbach, planeámos, sonhámos muitas vezes em marcar dois golos na primeira parte para marcar dois golos na segunda parte. A consequência foi que ganhar por 4-0 nos deu a passagem. Hoje já não é assim. Hoje, com 3-0, estamos no prolongamento. Mas não é a mesma coisa jogar em Londres do que no Bernabéu.
- E como é que vê o Arsenal? Porque é uma equipa com grandes jogadores, mas sem experiência a este nível.
- Também não a tinham quando jogaram contra o Real Madrid e que nível demonstraram. Parece-me que o melhor deles é o que nos tem faltado: mostrar que somos uma equipa, um bloco. Somos uma boa equipa, mas há momentos em que jogamos com individualidades e parece-me que eles jogaram como uma engrenagem numa roda, tudo perfeitamente oleado, muito bem organizado, com muita qualidade, com muito empenho. E isso fez-nos sofrer muito no jogo, porque podíamos ter feito ainda pior.
- Pepe, acredita cegamente na possibilidade de uma reviravolta?
- Se não cegamente, então com muito entusiasmo, porque o que eu não posso — ou nós não podemos, os adeptos, e eu sou um dos que vai estar lá a empurrar — não podemos dizer abertamente que é um negócio fechado. Não. Temos de respeitar a oposição, porque, se não respeitarmos a oposição, não a valorizamos. E se não a valorizarmos, possivelmente cairemos numa armadilha inadequada, má, e acabaremos com um mau pressentimento. O ideal é acabarmos por dar tudo por tudo e esperarmos ter passado. E, se não passarmos, ficarmos satisfeitos por termos tentado fazer tudo.
