Do título de campeão com o Sporting à Serie B com o Nápoles, passando pelas memórias de Maradona: Luís Vidigal fala de emoções, sacrifícios e paixões, em entrevista exclusiva ao Flashscore.
Siga o Nápoles - Sporting no Flashscore
Luís Vidigal foi um médio de substância e carisma, nascido em Angola e que se tornou homem e futebolista entre Portugal e Itália. Com o Sporting ergueu ao céu um título de dezoito anos há muito esperado. Com o Nápoles viveu alegrias e tristezas, da lesão inicial à despromoção para a Série B, mas mantendo-se ligado a uma cidade que o adotou.
Hoje comentador televisivo, aguarda com orgulho o confronto da Liga dos Campeões entre as duas equipas que mais marcaram a sua carreira: Sporting e Nápoles, o seu "dérbi do coração". Nesta entrevista exclusiva ao Flashscore, entre memórias, estórias e atualidade, Luís Vidigal conta a sua história e o seu futebol.
- Começamos pelo Vidigal que ninguém conhece, aquele que nasceu em Angola e chegou a Portugal, concretizando o seu sonho no Sporting.
- É uma boa pergunta porque acredito que se não conhecermos a nossa história não sabemos onde podemos chegar, mas se a conhecermos podemos chegar onde quisermos. Venho de uma família humilde, com pais unidos, que nos deram as ferramentas para nos tornarmos, antes de mais, pessoas respeitadoras e, depois, profissionais importantes. A partir daí, ele cresceu no futebol como eu e chegou onde chegou.
- Sempre pensou em tornar-se um futebolista profissional?
- Nunca ninguém me conseguiu tirar essa ideia da cabeça. Desde os primeiros treinos, quando ainda era um miúdo de oito ou nove anos, percebi que era essa a vida que queria seguir. Lutei muito para concretizar esse sonho, mas nunca poderia imaginar que um dia poderia ganhar títulos e taças, ir à seleção nacional ou jogar numa liga importante como a Série A. Em suma, o sonho foi muito mais longe do que eu tinha imaginado".
- Com apenas dois anos de idade, deixou Angola.
- Ainda era pequeno, mas apesar de ter poucas recordações, África ficou sempre na minha vida porque nunca se esquece a história. Depois Portugal abraçou-nos, deu-nos a oportunidade de continuar a crescer, de estudar e a seguir veio a oportunidade de jogar futebol, um mundo em que ainda hoje me encontro em diferentes funções. Mas o futebol continua a fazer parte da minha vida.
- Em 2000, com a braçadeira no braço, trouxe o título da Liga de volta a Alvalade, 18 anos depois da última vez.
- Sim, tinham passado muitos anos e consegui ganhar o campeonato como capitão. Hoje a realidade é outra, é um Sporting que ganha mais, mas na altura foi difícil, por isso a satisfação foi ainda maior.
- Acha que está a acontecer o mesmo em Nápoles?
- Sim, embora em comparação com Portugal seja mais difícil em Itália, porque se joga cada jogo com uma intensidade diferente e isso dá-nos outras coisas que não encontramos aqui. Mas é verdade que quando nos habituamos a jogar este tipo de jogos, o nível sobe naturalmente.
- Porque é que escolheu o Nápoles depois do Sporting?
- Ainda hoje o campeonato italiano é importante, mas na altura era ainda mais. E depois a história do clube, os campeonatos de Maradona. Nunca poderia ter dito não ao Nápoles.
- No início foi muito difícil: primeiro a lesão, depois a despromoção. Mas decidiu ficar mesmo na Serie B.
- Na altura, as condições não eram as melhores do ponto de vista económico. O clube estava a atravessar um mau momento e, nestas condições, torna-se difícil gerir o balneário, porque há sempre um jogador que, do ponto de vista mental, não é forte. E mesmo para o treinador não é fácil gerir todas estas situações, e foi assim que aconteceu. Hoje, por outro lado, a realidade é outra e ainda bem, porque uma equipa e um clube desta dimensão têm de jogar sempre para ganhar o Scudetto e disputar a Liga dos Campeões. E é assim que as coisas são atualmente.
- Reza a lenda que Cristiano Ronaldo, quando estava na cantera do Sporting, estava sempre no ginásio porque queria ter um físico como o seu.
- É a primeira vez que ouço essa (risos). Não sei se é lenda ou verdade, mas pode ser porque ele se espelhava muito nos jogadores da equipa principal e sempre gostou de ter um físico perfeito. Talvez, quem sabe...
- Dava para perceber que era especial.
- Sim. Naquela altura, a relação entre a equipa principal e as camadas jovens não era muito próxima, porque os rapazes estavam um pouco separados, mas de vez em quando vinham treinar connosco. Não é como hoje, em que há sempre cinco ou seis. No entanto, via-se que era um talento diferente e que se tornaria um fenómeno.
- Por falar em avançados talentosos, no Livorno jogou com Cristiano Lucarelli e Igor Protti, que, como sabe, não está a atravessar um bom momento. Teve oportunidade de falar com ele?
- Sim, uma notícia muito triste. Tentei telefonar-lhe há uma semana, mas não consegui falar com ele, provavelmente porque não está bem. Queria despedir-me dele, queria ter algumas notícias dele e espero que tudo se resolva.

- Quem é o futebolista mais forte com quem já jogou?
Tive o prazer de jogar com muitos avançados fortes em Itália, no Livorno com Lucarelli e Igor Protti, dois grandes goleadores da Série A. Mais tarde, em Udine, com Vincenzo Iaquinta e, sobretudo, com Totò Di Natale, o mais forte de todos.
- Falou com ele sobre o Nápoles?
- E como: chamávamos-lhe "Napoleta"! Quando me perguntam em Portugal quem foi o jogador tecnicamente mais forte com quem joguei em Itália, eu digo sempre Totò Di Natale. Ele tinha toques de génio, fazia coisas incríveis com a bola, mas, devido ao seu caráter um pouco fechado, um pouco introvertido, nunca conseguiu exprimir todo aquele futebol alegre de que as pessoas gostam, como Ronaldinho Gaúcho fazia com aquele sorriso. E todas estas coisas são muito importantes. Totò, por outro lado, era um pouco mais fechado, mas era um craque.
- Em termos de treinadores, também conheceu gente interessante como Zeman, Scoglio, Galeone, Coscmi, Simoni... Fez um bom mestrado em tática.
- Digo sempre aos meus amigos que não há um futebolista que jogue na Série A e não se torne melhor do que era. Porque em Itália aprende-se a falar de futebol, a conhecê-lo. Não só a jogá-lo, mas também a conhecê-lo. Não só para o jogar, mas para o compreender melhor, para tentar ser melhor e ganhar mais do que ganhava antes. Aprendi muito.
- O seu San Paolo chama-se hoje Diego Armando Maradona: não poderia haver melhor nome para o cenário do seu dérbi.
- Sim, também porque há uma história muito bonita que liga Maradona ao Sporting. Durante o jogo da Taça UEFA (época 1989-1990), em Lisboa, o estádio de Alvalade estava cheio e não só nas bancadas, mas também na pista de atletismo, havia pessoas a assistir a esse jogo e a receber o fenómeno Diego Armando Maradona. E depois com a história da aposta de 100 dólares com o guarda-redes Ivkovic que disse que ia defender o penálti e defendeu. Uma história que ficará para sempre na história do Sporting.
- Quando jogava em Nápoles, sentia a presença de Maradona na cidade, apesar de Diego já ter desaparecido há muito tempo?
- Sempre. É impossível falar de Nápoles sem falar de Maradona. Ele está em todo o lado, faz parte desta cidade para sempre.
- Da Serie B para a Liga dos Campeões. Gosta do Nápoles de Conte?
- É uma verdadeira equipa que luta todos os jogos para ganhar. Alguém pode dizer que eles pensam demasiado no resultado, mas é verdade que ganharam o Scudetto. E ganhar o campeonato foi o primeiro passo para criar um grupo forte que agora vai poder mostrar o talento dos seus jogadores.
- O que é que pensou este verão quando leu sobre a chegada de De Bruyne?
- Também falei sobre isso na televisão em Portugal. Tinha as minhas dúvidas porque, olhando um pouco para o que fizeram no ano passado, especialmente os jogadores que jogam no meio campo, mudar um pouco o sistema para acrescentar De Bruyne era um desafio que não era nada fácil para Antonio Conte. Mas é verdade que nunca se pode dizer "não" a um jogador como De Bruyne. Agora, no entanto, é preciso reajustar um pouco a equipa, acrescentando um jogador de classe mundial.
- Por falar em Manchester, um amigo seu, Ruben Amorim, não está a atravessar o seu melhor momento. Será que ele vai conseguir resolver a situação ou o United já é um caso perdido?
- Conhecendo-o bem e ouvindo as suas últimas palavras na conferência de imprensa, parece-me que já está demasiado cansado, que já não consegue que os jogadores se exprimam como ele gostaria. Sim, vejo-o um pouco cansado mentalmente. Não sei mesmo se ele vai conseguir desta vez. É difícil...
- No entanto, as suas qualidades como treinador são inquestionáveis: a sua mão neste Sporting continua a ser evidente.
- Sim, é verdade. E a verdade é que, mesmo que ele não se saia bem em Manchester, tenho a certeza de que noutro clube não teria os mesmos problemas. Pensemos bem: depois de Sir Alex Ferguson, quem é que se deu bem no United? Tornou-se uma espécie de cemitério de treinadores. Ruben Amorim é bom, mas penso que terá de procurar outro clube, porque agora é muito difícil em Manchester.
- No Sporting deixou uma boa recordação...
- Sem dúvida, mas agora um regresso é impossível porque o Rui Borges está muito bem.
- E dizer que no início gerou muitas dúvidas.
- Era um treinador desconhecido. E por isso toda a gente se assustou quando ele chegou a dizer que queria mudar de forma. Porquê? Se o Sporting ganha de olhos fechados, porquê mudar? Porque na opinião dele era melhor assim. E não há nada a dizer, a equipa está a jogar melhor. É assim que as coisas são, é a realidade.
- O que é que o Nápoles tem mais a temer?
- A dinâmica ofensiva do Sporting. Na frente, tem quatro jogadores que nunca param, trocando de posição. São tecnicamente fortes e rápidos e Conte, na defesa, tem alguns problemas dos quais o Sporting vai tentar tirar partido.