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Análise: Três pontos para entender o baixo número de futebolistas mexicanos na Europa

Javier Hernández no Real Madrid
Javier Hernández no Real MadridPhoto by DENIS DOYLE / GETTY IMAGES EUROPE / Getty Images via AFP
Embora seja algo multifatorial que não pode ser generalizado, há um certo contexto que criou um quadro para que os jogadores mexicanos não emigrassem em maior número para o velho continente. É uma tristeza apaixonante para um país que morre de vontade de ver os seus próprios jogadores no primeiro mundo do futebol.

Pela frente estava o Fenerbahçe, da Turquia, com José Mourinho no banco e um estádio Saracoğlu Stadyumu quente e fervoroso: uma noite clássica de competição europeia. E, apesar daquele cenário intimidante, César Huerta depressa percebeu que a última coisa de que precisava de ter medo era do medo.

E apesar de o Anderlecht de Chino ter sido superado por uma equipa superior, repleta de jogadores habituados a disputar jogos a eliminar como o que se disputou na passada quinta-feira na fase de play-off da Liga Europa, o mexicano acabou por fazer um jogo importante, com dribles e um golo.

Ver o jovem jogador do Chivas e ex-jogador do Pumas ser importante na competição europeia causou delírio no país, mas ao mesmo tempo levantou novamente as mesmas questões sobre as poucas exportações que o México faz para a Europa. Qual a razão disso? Eis três causas:

Não há formação adequada para a elite

Quando Ricardo La Volpe deu a Diego Laínez a oportunidade de estrear na equipa principal do América, aos 16 anos, a opinião pública começou a questionar-se se o país estava diante de um talento de geração no México, graças à personalidade atrevida e aos dribles, duas virtudes raras em nossa liga. 

O treinador argentino, corajoso o suficiente para colocar jovens jogadores nas suas equipas e sábio o suficiente para saber como geri-los dentro e fora do campo, abandonou o clube pouco depois, deixando a joia azulcrema desprotegida. Apesar de ter ficado claro desde o início que Laínez era material de exportação para a Europa, a imprensa e os próprios adeptos logo começaram a especular sobre o seu destino.

Os últimos anos de Diego Laínez
Os últimos anos de Diego LaínezFlashscore

Fora dos relvados, no ambiente mediático mexicano, La Volpe avisava que Diego, aquele pequeno driblador que alguém um dia ousou comparar a Messi num programa de televisão, ainda carecia de uma etapa de formação que recomendava não saltar.

A seu tempo, Lainez recebeu duas propostas: uma do clube espanhol Betis, pouco habituado a aspirar às competições europeias, e outra do Ajax dos Países Baixos, um clube com uma longa tradição de ser uma escola de vida à volta da bola para os seus jogadores. Lainez escolheu o Betis, uma oferta mais barata e uma liga mais atractiva. O canterano americanista nunca se conseguiu impor, foi emprestado e, desde 2023, joga no Tigres de Nuevo León.

Embora existam casos de Hugo Sanchez e Javier Hernandez que foram diretamente para ligas importantes e se consolidaram, há muito que se sabe que existe um défice de formação no México para aquilo que as elites do velho continente procuram. É fundamental entender isso. Os casos de Edson Álvarez e Santiago Giménez (Países Baixos), Rafael Márquez (França) e Raúl Jiménez (Portugal, depois de não se ter consolidado em Espanha) mostram que o futebolista mexicano requer e precisa dessa escala formativa.

Mercado interno inflacionado

A Liga MX há muito se estabeleceu como uma competição atraente devido aos altos salários que oferece e à falta de concorrência. Sem promoção ou despromoção e com equipas poderosas com grandes carteiras, os futebolistas podem viver uma vida confortável numa bolha que nenhum cidadão comum poderia pagar.

Este atrativo também foi aproveitado pelos jogadores locais que, ao mostrarem talento para a bola, rapidamente conseguiram acesso a contratos suculentos. E, embora cada um deles tenha um contexto diferente, ficou claro que este fator é preponderante quando se analisa a razão pela qual muitos talentos com perfil europeu preferem assegurar o seu futuro e o das suas famílias sem sair do país.

O português Renato Paiva treinou o Toluca durante um ano. Quando questionado sobre o assunto, o treinador deu o exemplo de Alexis Vega, jogador da formação dos Diablos Rojos e ex-jogador do Chivas, que sempre foi ligado a um futuro no velho continente, mas, por um motivo ou outro, sua saída nunca foi consolidada. "Queríamos o Alexis no Benfica, mas eles pediram um preço muito alto por ele", disse numa conferência de imprensa.

Os números de Alexis Vega
Os números de Alexis VegaFlashscore

Depois do Campeonato do Mundo de 1998, em França, a figura mais mediática do México, a seguir a Luis Hernández, era Jesus "Cabrito" Arellano. O jogador do Chivas, então com 25 anos, foi uma força explosiva para a equipa Tricolor. Os seus dribles e a sua versatilidade atraíram a atenção de clubes italianos. "Eles pediram por mim, mas me ofereceram menos do que eu ganhava aqui (no México)", confessou anos depois.

Pouca ambição e visão

Para além desta condição do mercado interno, há também a falta de ambição que alguns jogadores têm para jogar na Europa, especialmente quando se trata de ligas de segunda linha. As ofertas que não são de clubes europeus de elite são desprezadas pela opinião pública e até mesmo permeiam os futebolistas, que adoptaram a mentalidade de que, se tiverem de sacrificar dinheiro, deve ser numa equipa de renome.

E, embora cada decisão tenha seu contexto e seus detalhes, é extremamente triste ver jogadores com potencial assinando grandes contratos em clubes da Liga MX, em troca de idolatria rápida e milhões de dólares, sem aspirações a glórias renomadas e glamourosas no mundo.

Essa mistura, difícil de descartar e impossível de debater, tem apedrejado projetos empolgantes que pareciam poder ser muito mais. Jogadores como Vega, que pareciam ter perdido a Europa, são hoje milionários estabelecidos no futebol nacional. Uma tristeza apaixonada recordada por César "Chino" Huerta, um futebolista que sempre compreendeu que a glória da bola não tem preço.