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Vasco Moreira: "Não tenho medo de assumir que quero e estou pronto para jogar na Liga"

Vasco Moreira em destaque ao serviço do Felgueiras
Vasco Moreira em destaque ao serviço do FelgueirasFC Felgueiras

O Felgueiras regressou aos escalões profissionais cerca de duas décadas após a sua última presença e terminou a presente temporada a meio da tabela, no 9.º lugar, numa campanha em crescendo que deixou boas perspectivas para a próxima época. Vasco Moreira foi um dos destaques da equipa orientada por Agostinho Bento.

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A baliza foi o ponto de partida. Era onde se sentia mais seguro. Passou cinco anos como guarda-redes de futsal, mas, quando o empurraram para a frente, conseguiu desbloquear o "medo" — e nunca mais pensou em voltar à baliza.

"Tinha qualidade, mas não sabia que a tinha." A inocência própria da infância. Começou a ganhar asas no Rio Ave, até que descobriu um novo mundo no SC Braga. Por lá passou sete temporadas, que moldaram muito do jogador — e do homem — que é hoje.

No entanto, após uma época em que capitaneou a equipa B dos minhotos, Vasco Moreira decidiu que era altura de mudar de página em contexto profissional. Saiu de "casa" para conhecer o mundo. O treinador Agostinho Bento viu nele outras qualidades e Vasco terminou a época como médio goleador. As sensações dessa caminhada são partilhadas nesta entrevista exclusiva ao Flashscore.

Vasco Moreira marcou sete golos na época 2024/25
Vasco Moreira marcou sete golos na época 2024/25FC Felgueiras

O início como guarda-redes de futsal: "Tinha algum receio"

- Como é que nasceu o bichinho pelo futebol? Quais são as suas primeiras memórias ligadas ao jogo?

- Começou quando tinha cinco anos, muito por influência do meu pai. Até aos cinco anos, não ligava muito ao futebol e também não tinha grande jeito. Comecei como guarda-redes numa equipa de futsal em Santo Tirso, onde estive durante cinco ou seis anos. Não me atrevia a jogar noutra posição, porque tinha algum receio. Por isso, ficava-me pela baliza, à espera que a bola lá chegasse.

Entretanto, os meus pais ofereceram-me um campo de férias na Dragon Force e foi aí que tive oportunidade de jogar mais à frente no campo, de brincar, e percebi que afinal não era assim tão difícil como eu pensava. O staff gostou bastante de mim e convidaram-me a integrar os quadros da Dragon Force. Ainda consegui chegar à equipa do FC Porto e fazer um ou outro jogo por eles. 

- Seguiu-se o Rio Ave...

- Sim, com 14 anos. Fui à procura de algo diferente — mais raça e garra no meu jogo. Foi uma etapa muito importante, que me ajudou a crescer como jogador e como pessoa. Fiz muitas amizades e, a nível desportivo, as coisas correram muito bem. Recebi o prémio de Melhor Jogador na Gala do Rio Ave, nos escalões de Sub-15 e Sub-16. Essa experiência deu-me resiliência e fez-me perceber que no futebol nada ia ser fácil. E não mudava nada.

Mais tarde, surgiram novas oportunidades e achei que a melhor opção seria o SC Braga. Acabou por se confirmar: foram sete anos onde me fiz homem e me tornei um jogador mais completo. Decidi mudar-me para Braga e viver na residência, para respirar futebol. Foi aí que senti que o sonho estava muito próximo.

Vasco Moreira assume discurso ambicioso
Vasco Moreira assume discurso ambiciosoOpta by Stats Perform, FC Felgueiras

- Apanha o ínicio da Cidade Desportiva?

Acompanhei mesmo o primeiro ano e foi um dos motivos que me fez querer ir para lá. No início, estava ainda a apalpar terreno, mas cresci muito ali. O SC Braga foi uma mistura da Dragon Force e do espírito guerreiro do Rio Ave, com uma exigência técnica acima do normal, porque a competitividade é muito grande. O SC Braga é aliciante para qualquer jovem jogador — temos mesmo de dar à perna.

Lá consegui ser internacional, mas chegou o momento em que tinha de dar o salto para o futebol profissional. Aconteceu na altura certa. Fiz uma época muito boa, tanto a nível coletivo como individual, no meu último ano no SC Braga — foi uma época muito enriquecedora em que saio muito preparado para o próximo passo.

O Felgueiras pareceu-me o clube certo para conseguir juntar tudo aquilo que fui aprendendo e construindo como jogador e como pessoa ao longo destes anos, numa casa com boas aspirações. O mister (Agostinho Bento) também me passou essa ambição: queríamos fazer uma época em que as pessoas reparassem em nós e no nosso futebol. A equipa acabou em 9.º lugar, e até podíamos ter terminado um pouco mais acima.

Vasco Moreira passou sete temporadas no SC Braga
Vasco Moreira passou sete temporadas no SC BragaSC Braga

"O SC Braga ensinou-me tudo aquilo que é o futebol"

- Antes de falarmos do Felgueiras, o que representaram para si estes sete anos no SC Braga?

- O primeiro ponto foi mesmo ir morar para lá. Foi esse primeiro passo — estar lá com eles, estudar com eles e treinar com eles — que me deu o clique: era um ambiente profissional e fazia parte daquilo que eu queria para a minha vida.

Depois, a nível desportivo, foi muito bom. Tínhamos ótimas condições em todos os departamentos: psicologia, nutrição, metodologia de treino, preparação física… E percebi que, se queria ser jogador profissional, tinha de desenvolver todos esses aspetos para chegar ao topo. O SC Braga, por acreditar em mim, fez-me perceber que esse era o caminho.

Quando olho para trás, vejo que o SC Braga me ensinou tudo aquilo que é o futebol. Foi uma experiência completa, a todos os níveis. Tenho muito carinho pelo clube. Foram sete anos a conviver com as mesmas pessoas — era quase como uma família.

Mas há fases. Saí também para procurar outras coisas que ali já não tinha… por exemplo, um ambiente onde pudesse aprender com jogadores mais velhos, aquelas pequenas coisas de balneário, algumas ‘ratices’. No SC Braga, mesmo na equipa B, o plantel era sempre muito jovem.

Não havia melhor sítio para me formar como homem e como jogador. Mas chegou a altura de procurar novos desafios.

Os números de Vasco Moreira
Os números de Vasco MoreiraFlashscore

- Quando é que percebe que estava na altura de fechar esse capítulo?

- Claro que é sempre difícil. Estás habituado a tudo ali. Nós não conseguimos atingir o objetivo de subir à Liga 2 e, a nível desportivo e individual, senti que era a melhor altura para sair. O SC Braga também mostrou abertura para isso.

Percebi que queria um contexto acima, experimentar um nível superior e desafiar-me. Estava num bom momento de forma e senti-me mais preparado do que nunca para dar esse passo. E acabou por correr bem — talvez até melhor do que estava à espera.

- Houve alguma altura em que o facto de não ter chegado à equipa principal o deixou desanimado?

- Até certa idade, tinha muito essa vontade dentro de mim de chegar à equipa principal. Neste último ano, sendo totalmente sincero, claro que continuava a querer ter uma oportunidade — até porque alguns colegas estavam a consegui-lo, com todo o mérito.

Mas houve um momento em que percebi que tinha de fazer a minha vida e dar tudo pela equipa B. Queria muito ter chegado lá — era o meu principal objetivo —, mas não consegui. Ainda assim, no meu último ano, o meu foco estava 99% na equipa B. Sendo capitão, sentia ainda mais essa responsabilidade e queria muito ajudar a equipa a atingir o objetivo da subida.

- Pelo que tem acompanhado da evolução do SC Braga, acredita que o título de campeão nacional é um objetivo realista?

- O SC Braga está a evoluir bastante e, na minha opinião, é perfeitamente justo que o objetivo seja ser campeão. O clube está a fazer um investimento muito grande e acredito que queiram colher os frutos desse trabalho. Ser campeão seria o culminar de uma ideia e de um projeto.

Se é possível ou não, não lhe sei dizer, porque em Portugal há equipas muito competitivas. Mas tudo aquilo que depende do SC Braga está a ser feito. O caminho é esse — embora não dependa só deles.

Vasco Moreira cumpriu a primeira época no Felgueiras
Vasco Moreira cumpriu a primeira época no FelgueirasFC Felgueiras

"No primeiro treino levei uma dura e pensei: 'o que é isto'!?"

- Vamos então ao presente no Felgueiras. Na primeira conversa que teve com o mister, já ficou claro que a ideia era utilizá-lo numa posição mais adiantada?

- Na primeira conversa, nem falámos muito de tática. Eu já sabia que as ideias do mister eram muito boas e que poderiam encaixar bem comigo.

Numa das primeiras fases da época, comecei por jogar mais recuado, como tinha sido na minha formação. Mas o mister viu em mim algumas capacidades que talvez estivessem um pouco adormecidas e, com o desenrolar da época, com os colegas também a procurarem mais o espaço, comecei a jogar mais adiantado. E isso acabou por ser muito bom para mim.

Gostei bastante, até porque sempre fui um jogador que gosta de conduzir a bola. Fui ganhando confiança, tive mais liberdade em campo — e com isso os golos começaram naturalmente a aparecer.

- E é bom fazer golos?

- É ótimo. Estava habituado a jogar mais recuado, mas depois ganhei o gosto por atuar mais à frente e já não queria outra coisa. Foi uma experiência diferente, que acabou por ser muito positiva. Ajudou-me bastante a complementar a minha perceção do jogo.

Felgueiras terminou a temporada em crescendo
Felgueiras terminou a temporada em crescendoFlashscore

- Os números mostram que a época foi positiva. Como é que avalia a sua adaptação à Liga 2?

- O plantel foi brilhante. Tínhamos um bom equilíbrio: uma parte jovem e outra composta por jogadores com uma carreira já feita, com família a depender deles. Esse equilíbrio foi muito positivo para o meu crescimento.

Os jogadores mais experientes têm uma energia completamente diferente, uma exigência muito grande. Lembro-me de, logo no primeiro treino, o Feliz — que acabou por ser uma das pessoas mais importantes para mim na adaptação — me ter dado uma ‘dura’. E eu pensei: ‘O que é isto?’ (risos). Estava habituado a ser capitão de equipa e a ser dos mais velhos. Abanou-me um bocadinho, mas rapidamente percebi que isso ia ser bom para mim.

No SC Braga, a exigência era sobretudo técnica; aqui, além disso, também vinha dos próprios colegas. E isso foi muito bom. Acho que fiquei mais ‘homenzinho’. Ganhei um maior sentido de responsabilidade dentro de campo. Posso ser irreverente, mas tenho de ter um compromisso com os meus colegas — porque eles dependem de mim.

Tive também uma experiência diferente com os adeptos. No início, estranhei um pouco, mas depois foi muito positivo. Terminámos bem a época, com os adeptos do nosso lado, e agora estamos todos ansiosos para que a próxima temporada comece. A nível competitivo, também foi uma aprendizagem — deu para perceber onde estão os ‘atalhos’ do campo (risos).

- Sente que ficou com vontade de continuar a subir? Como descreve a evolução que teve da Liga 3 para a Liga 2?

- Sou uma pessoa muito ambiciosa e penso sempre até onde sou capaz de jogar. A minha ambição é, sem dúvida, jogar na Liga. Na Liga 2 já fiz este percurso, mas agora quero pôr-me à prova na Liga principal.

Não sei quando vai acontecer — se será já este ano ou no próximo. Tenho contrato com o Felgueiras e, em princípio, será para o cumprir. Portanto, será quando o destino quiser.

Não tenho medo de assumir: quero e sinto que estou pronto. Não tenho grande pressão em relação a isso, mas claro, quanto mais rápido acontecer, melhor.

- O que podemos esperar de um clube como o Felgueiras na próxima epoca?

- Acho que a equipa está completamente adaptada à Liga 2. Nos últimos jogos já demonstrámos outra capacidade. O mister também é uma pessoa muito ambiciosa e acredito que quer lutar por patamares mais altos. Não sei se será já uma subida, mas certamente será para lutar por muito mais do que fizemos esta época.

Temos um grupo brilhante e sei que todos querem mais. Os adeptos podem esperar uma equipa ambiciosa, que vai jogar em qualquer estádio para ganhar.

- E do Vasco? O que podemos esperar de si na próxima época?

- Procuro sempre melhorar. Se este ano foram sete golos, para o próximo têm de ser mais. Quero apresentar-me a um nível ainda mais alto. Consegui fazer uma época consistente, mas agora quero ser consistente num patamar superior: marcar mais golos, fazer mais assistências e ter ainda mais impacto no jogo. Acredito que isso vai acontecer. Já me adaptei à realidade do futebol profissional e sei o que preciso de fazer para corresponder às expectativas.

Acredito que tudo vai correr bem, até porque, no que depender da minha determinação e do meu trabalho, não vou facilitar. Não vou deixar nada por fazer.

O meu maior desejo é que, quando chegar ao final da minha carreira, possa olhar para trás e dizer que, da minha parte — no trabalho, no sacrifício — dei tudo. Enquanto estiver no futebol, quero sempre dar o máximo.

Vasco Moreira de olho no futuro
Vasco Moreira de olho no futuroFC Felgueiras

De Vitinha e João Neves ao sonho: "Quero conhecer o mundo"

- Quais são os campeonatos que mais gosta de acompanhar?

- Procuro variar bastante os jogos que vejo. Tento acompanhar os principais campeonatos: a Liga espanhola, a italiana, a francesa, a inglesa…

- De todos esses campeonatos, qual é o que mais se enquadra no seu estilo de jogo?

- Há algum tempo, excluía um pouco a Liga inglesa e focava-me mais na espanhola e na italiana. Mas este ano percebi que não é assim tão descabido pensar que posso, um dia, chegar à Liga inglesa. Claro que ainda são precisos muitos passos antes — é muito difícil —, mas acho que o meu jogo até poderia encaixar lá. Talvez, ainda assim, o campeonato que mais se encaixa no meu estilo seja o espanhol.

- E quais os jogadores que mais acompanha?

- Em relação a jogadores, gosto muito do Pedri — para mim, um dos melhores do mundo —, e também do Vitinha e do João Neves. O Ødegaard é outro jogador que aprecio bastante. E o Wirtz também acompanho. Tento sempre ir buscar coisas, inspiração, a estes jogadores de que gosto.

Felgueiras terminou no 9.º lugar
Felgueiras terminou no 9.º lugarFlashscore

- Ficou surpreendido com algum colega ao longo da sua carreira?

- Falo desta época. O Feliz foi alguém de quem aprendi muito sobre o futebol. Apesar da idade, ajudou-nos bastante. Ajudou-me a perceber que, no futebol, é preciso muito mais do que apenas saber jogar bem. Gostei muito também de conhecer o (Pedro) Rosas — é um jogador com muito potencial. Admiro bastante o Aílson (Tavares), principalmente pela sua capacidade de recuperação. Está a ter o reconhecimento que merece.

Gostei muito também do Landinho, do Gabi, do Rodrigo Valente, do Veiga… Tenho até algum receio de ser injusto, porque realmente tínhamos um grupo muito bom. O Eirô também fez uma excelente época. Já vinha comigo do SC Braga e este ano mostrou muito bem o potencial que tem.

- E em relação a adversários?

- Gostei muito de jogar contra o André André. Também gostei de defrontar o Nuno Cunha, que tinha sido meu colega de equipa. Também foi especial jogar contra o Bernardo (Fontes) — e ainda mais por ter conseguido marcar um golo nesse jogo.

Gostei muito também de jogar contra o André Castro. E o Xavier, do Tondela, foi um adversário bastante difícil de marcar e de lhe tirar a bola.

- No período de férias, consegue afastar-se do futebol ou acaba por continuar sempre ligado, de alguma forma?

- Ainda penso muito nisso. Falta mais de um mês para começar, mas nunca se consegue desligar totalmente. Mesmo nestas duas ou três semanas, mantenho-me sempre ativo e atento à alimentação. Não posso ficar para trás. Se quero chegar a outro patamar, não posso estar a dar tiros nos pés.

- O que gostaria que dissessem sobre si no dia em que decidir terminar a carreira?

- Espero que as pessoas me vejam e que eu consiga mostrar quem realmente sou. Uma pessoa transparente, honesta, humilde e com muita vontade — uma vontade que vai para além de tudo.

Nasci numa aldeia pequena, mas não gosto de me limitar a isso. Quero conhecer o mundo. Quero ser conhecido como uma pessoa ambiciosa, que lutou por aquilo que quis. Uma pessoa sincera, de grupo, com talento e capacidade de sacrifício.