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Arbitragem feminina precisa de cimentar alicerces erguidos na última década

Catarina Campos em ação
Catarina Campos em açãoFPF
A arbitragem feminina necessita de alicerces fortalecidos, admitiu Ana Raquel Brochado, pioneira em quadros nacionais seniores masculinos, num dia em que Catarina Campos se tornará a primeira mulher a dirigir um jogo na Liga.

Se listarmos o que impede a sociedade portuguesa de evoluir, seja em que esfera for, sabemos o que poderá estar a travar a arbitragem feminina no país. Digo isto porque, a nível desportivo, foram criadas na última década todas as condições para possibilitar um desenvolvimento rápido e sustentado da arbitragem feminina - regulamentos, condições de trabalho, entre outras. Basta manter, aprimorar e ir ajustando, face ao dinamismo dos tempos modernos, os alicerces já existentes”, disse à agência Lusa a ex-árbitra lisboeta (1997-2012).

Pelas 15:30, Catarina Campos, de 39 anos, vai dar início à receção do Casa Pia ao Rio Ave, em Rio Maior, na abertura da 27.ª jornada da Liga, acompanhada pelas assistentes Andreia Sousa e Vanessa Gomes, tendo Fábio Veríssimo como quarto árbitro, enquanto as funções de videoárbitro (VAR) serão desempenhadas por André Narciso, coadjuvado por Nuno Pires.

No geral, os obstáculos estão particularmente presentes na arbitragem: o recrutamento, a retenção, o estatuto, a retribuição financeira e não financeira, entre outros. A arbitragem feminina tem, para além destes, os desafios próprios da sua particularidade, que eu sempre encarei como uma mais-valia e não como desvantagem, sem prejuízo de todas as mentalidades que tiveram e ainda terão de mudar”, reconheceu Ana Raquel Brochado.

Antes de atingir o escalão principal masculino, a arbitragem feminina portuguesa esteve representada nas principais competições futebolísticas de mulheres, incluindo as fases finais de Mundiais e Europeus de diversos escalões, bem como a Liga dos Campeões.

Um relatório do Fórum Económico Mundial de 2023 estima que, ao ritmo atual de progresso, a igualdade de género plena em Portugal pode ser atingida em 2075. Eu quero acreditar que na arbitragem feminina não vamos precisar destes 50 anos para atingir este objetivo, dadas as medidas objetivas que foram postas em prática nos últimos anos e que já estão, claramente, a acelerar este processo”, prosseguiu.

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Vogal da secção não profissional do Conselho de Arbitragem (CA) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) nos dois últimos mandatos (2016-2020 e 2020-2025), com responsabilidades na gestão da arbitragem feminina, entre outras funções, a antiga juíza nota que a necessidade sentida pelas mulheres de serem superiores aos homens para “ganharem o mesmo espaço já se encontra efetivamente esbatida em alguns assuntos e momentos, por força do reconhecimento das suas competências, mas não desapareceu”.

Momentos como este que assistiremos agora têm sempre potencial para fazer ressurgir mecanismos de defesa e desconfiança dos que tinham os ‘lugares garantidos’ e agora os vêm ameaçados. Tenho a certeza de que, sendo das árbitras mais competentes que conheço, a Catarina Campos neste momento sente que tem de ‘mostrar’ muito mais em campo do que um colega seu árbitro teria de fazer. É um processo”, frisou Ana Raquel Brochado.

A ex-árbitra, formadora, observadora e dirigente enfrentou um trajeto “cheio de empenho, obstáculos e superações”, que trouxeram “as alegrias necessárias para ter a coragem e a energia de continuar” no setor, cujo total de 466 juízas inscritas no futebol feminino em 2023/24 contrasta com as 213 de 2016/17.

A conquista a que estamos prestes a assistir tem um pouco de mim e de todas as árbitras e demais agentes que a tornaram possível. Talvez mais do que a minha subida às categorias nacionais em 2006, o facto de ter sido a primeira mulher diretora do CA nacional foi o grande impulsionador de uma forma de olhar e pensar a arbitragem feminina em Portugal que precisou e vai continuar a precisar de evoluir”, advertiu a capitão da Força Aérea.

Praticamente duas décadas antes da chegada de Catarina Campos à Liga, Ana Raquel Brochado, então com 25 anos, foi a primeira mulher a arbitrar um encontro dos quadros nacionais seniores masculinos, no empate entre Bombarralense e Monsanto (1-1), em Óbidos, da segunda jornada da Série D da já extinta III Divisão, quarto escalão naquela altura, categoria em que permaneceria por seis temporadas, até abandonar os relvados.

Norteada pelo sentimento de “grande responsabilidade” nessa partida realizada em 17 de setembro de 2006, a antiga ‘juíza’ guardou desde cedo a sensação de que “poderia fazer a diferença” nas diferentes funções exercidas no setor da arbitragem nos anos seguintes.

A nossa capacidade individual de impacto no mundo é muito maior do que aquela que normalmente estamos dispostos a assumir. Como diretora, tive a sorte de pertencer a uma equipa que era sensível e acompanhava, de uma forma geral, a minha forma de entender e potenciar a arbitragem feminina, tanto que pudemos ir colhendo muitos frutos que agora se materializam publicamente nesta nova barreira derrubada”, finalizou.