Na longa carta, o Benfica enumera uma série de preocupações sobre o momento do futebol português, com críticas à Liga pela ausência de medidas concretas desde que foi aprovado o processo de centralização. Por isso, vão também pedir audiências urgentes ao Governo e a todos os grupos parlamentares para expor a situação e apresentar alternativas.
Em sede de Liga, o Benfica espera “acordar uma posição comum sobre os requisitos mínimos e um plano alternativo para uma centralização responsável e vantajosa para todos”. Aí, esperam que fiquem definidas previsões de receitas em cada cenário de modelos competitivos, regras e modelos de distribuição, investimentos em infraestruturas e tecnologia, planos de combate à pirataria, propostas de revisão fiscal e do regime de seguros desportivos.
"Não podemos embarcar numa aventura mal preparada que corre o risco de destruir valor, reduzir receitas e comprometer de forma duradoura o desenvolvimento do futebol em Portugal. Isso seria trair os pressupostos essenciais que foram garantidos aos clubes aquando da aprovação da centralização – todos os clubes teriam ganhos no seu valor de direitos e o futebol português sairia mais forte", pode ler-se na missiva dos encarnados.
O Benfica critica a ausência de um plano estratégico claro e sustentado, alertando que o processo corre o risco de falhar rotundamente os objetivos para os quais foi aprovado: reforçar a competitividade, aumentar as receitas e garantir maior equidade entre clubes.
O Benfica sublinha nesta carta que, quatro anos após o decreto-lei ter sido aprovado, em março de 2021, continua a faltar um verdadeiro modelo de centralização e de afirmação do produto, bem como um plano estratégico, com dados concretos, sobre o potencial de receitas.
A SAD das águias considera que deveria ter sido feita uma série de investimentos na valorização do produto, que não aconteceram, o que coloca o sucesso em causa.
"- Não há modelos alternativos testados ou debatidos com operadores e adeptos;
- Não houve um investimento concertado e estrutural na modernização dos estádios, da arbitragem (incluindo automatização do VAR) e na formação de quadros;
- Não houve uma reflexão sobre a evolução dos quadros competitivos, nem foi quantificado o valor dos direitos associados a diferentes opções;
- Não houve uma estratégia internacional de promoção da Liga, de aumento de audiências globais e de estabelecimento de parceiras internacionais;
- Não há concorrência real entre operadores nacionais, considerando o Benfica que «o mercado de direitos televisivos doméstico permanece excessivamente concentrado;
- Não foi feito um combate eficaz à pirataria, a qual é responsável por prejuízos estimados entre 100 a 200 milhões de euros anuais (a SAD encarnada diz que se estima que uma em cada duas pessoas utiliza serviços de acessos ilegais."
Desta forma, a SAD do Benfica considera que a meta de 300 milhões de euros anuais em receitas está longe de ser realista, sendo "provável que o valor da centralização não atinja sequer os 150-200 milhões de euros, o que representaria uma perda de receita irreparável para todos os clubes portugueses: grandes, médios e pequenos", diz.
O documento do Benfica utiliza até alguns exemplos internacionais que reforçam a preocupação, chamando a atenção para o facto do mercado internacional de direitos televisivos enfrentar múltiplos desafios. O exemplo da Liga Francesa, que viu o operador rescindir o contrato, os valores do acordo da liga neerlandesa, e a falta de acordo entre a Apple e a FIFA, para transmissão do Mundial de Clubes, são dados como exemplos pelos encarnados.
Nesse sentido, é referido o fracasso da negociação dos direitos da Liga Francesa - que acabou com a rescisão por parte do operador do contrato, já de si muito inferior ao inicialmente pretendido -, a contratualização com valores inferiores ao anterior acordo dos direitos da liga neerlandesa e o falhanço do acordo entre a Apple e a FIFA para a transmissão do Mundial de Clubes, que conduziu a um acordo pior com a DAZN.
Benfica suspende participação na Liga Centralização
Perante os argumentos apresentados na carta, Rui Costa anuncia que o Benfica vai suspender a sua participação na gerência da Liga Centralização, "não acreditando que o processo em curso satisfará as necessidades do futebol português e do Benfica em particular". As águias querem ainda solicitar audiências de urgência ao Governo e a todos os grupos parlamentares, para discutir o processo.
Paralelamente, os encarnados anunciam que vão pedir à Federação Portuguesa de Futebol, à Liga e à Procuradoria-Geral da República uma investigação relativa ao exercício de funções de ex-árbitros em estruturas futebolísticas.
Ao mesmo tempo, o Benfica desafiou todos os clubes das ligas profissionais a acordar, em sede de Liga Portugal, uma posição comum sobre requisitos mínimos, os quais devem incluir:
"- Valores esperados de direitos audiovisuais em diferentes cenários de quadros competitivos;
- Criação de um fundo de emergência para apoio de clubes em dificuldades financeiras numa eventual transição;
- Formatos alternativos para a distribuição e promoção do produto futebol;
- Modelos de distribuição com base em mérito desportivo, valor mediático e audiências;
- Investimentos mínimos obrigatórios em infraestrutura e tecnologia por parte dos clubes;
- Mecanismos de escuta regular aos adeptos e operadores;
- Plano de combate à pirataria e modernização da legislação de proteção audiovisual;
- Propostas de revisão fiscal;
- Revisão do regime de seguros desportivos e proteção social no desporto profissional."
O Benfica defende, de resto, que o modelo atual, sem reformas estruturais, "não serve os interesses do futebol português" e que avançar nas condições atuais seria um "salto no escuro". Por isso apela a políticas públicas adequadas, planeamento de longo prazo e um regime fiscal ajustado à função económica e social do futebol.
"Não podemos embarcar numa aventura mal preparada, que corre o risco de destruir valor, reduzir receitas e comprometer de forma duradoura o desenvolvimento do futebol em Portugal", conclui a carta do Benfica, assinada pelo seu presidente, Rui Costa.