Mais

Entrevista com Ochoa: Mundial como objetivo, propostas de Benfica e FC Porto e a vida em Portugal

Guillermo Ochoa rumou a Portugal para jogar no AVS
Guillermo Ochoa rumou a Portugal para jogar no AVSAVS, Flashscore
Nome incontornável do México, dos Mundiais e agora também da Liga Portugal. Guillermo Ochoa é uma espécie de instituição do futebol e, aos 39 anos, aceitou o desafio do AVS para prosseguir a carreira e continuar no radar da seleção com vista ao Mundial-2026, que também será jogado no seu país e poderá ser o sexto em que participa. Em entrevista exclusiva ao Flashscore, o guarda-redes explicou os motivos que o levaram a Portugal e revelou que já tinha recebido propostas de FC Porto, Benfica e SC Braga no passado.

Começou como avançado, marcou dois golos, mas fez toda uma carreira a fazer o melhor que sabia para tentar evitá-los. Ochoa estreou-se cedo no futebol, pelo América, clube do coração, mas foi sempre ao serviço da seleção do México que deu nas vistas, de tal forma que é figura conhecida em todo o mundo.

Aos 39 anos, já jogou em cinco Mundiais, tem o sexto como objetivo e uma medalha olímpica como ponto alto num currículo que o próprio reconhece que podia ter atingido outro nível. De forma surpreendente, trocou a Salernitana, de Itália, pelo AVS, equipa recém promovida à Liga Portugal de uma pequena vila a 30 minutos da cidade do Porto.

Nesta entrevista, o guarda-redes nascido em Guadalajara recordou os primeiros passos como futebolista, falou dos primeiros meses no futebol português e traçou o grande objetivo até ao final da carreira, estar presente no Mundial-2026.

- Nesta fase da carreira, porquê Portugal?

- Portugal dá oportunidade de continuar a minha carreira, de continuar a jogar, que é o que eu mais gosto de fazer na vida. É uma competição importante, das mais importantes na Europa, isto permite-me jogar a um nível importante para continuar a minha carreira e continuar a jogar na seleção do México.

- Vamos ter um Mundial com uma fase final especial, tripartida, e uma das partes é o México. Será especial para si?

- Sim, fiz cinco Mundiais e um Mundial é algo muito especial, é uma sensação particular, algo importante para um jogador. Nem todos conseguem fazer cinco Mundiais, nem ninguém conseguiu estar em seis. Fazer um sexto Mundial, no México, seria muito especial para mim, para o futebol mexicano, é ficar na história do futebol e agora, nesta fase para o Mundial, só três jogadores podem fazê-lo - Ronaldo, Messi e eu. Não é fácil, como guarda-redes. Eles fazem muitos golos, é mais fácil marcar golos do que defender. Eu quero estar no Mundial. Veremos se consigo, sei que estou no final da minha carreira, que não é fácil, há mais lesões, mais dor, é normal, é a vida. Vamos ver se consigo.

- Seria a cereja no topo do bolo, numa carreira brilhante que começou há 24 anos a estrear-se com a seleção olímpica, em 2004.

- Comecei a jogar cedo profissionalmente. Foi muito rápido. Eu fiz a minha estreia no México com o Club América com 18 anos. Jogar com 18 anos num clube como o América não é fácil, é como um guarda-redes português com 18 anos jogar no Benfica ou em Portugal. Não é fácil, são precisas muitas coisas para jogar numa equipa grande. Tive sorte que o meu treinador, que era o Leo Beenhakker, acreditou muito em mim. Cheguei rápido à seleção, em 2004, em Atenas, com um treinador como o Ricardo La Volpe, que trabalha muito bem, conhece muito do futebol. Depois, ele também era o selecionador do México, não só sub-23. Essa foi a minha primeira experiência na seleção, nos Jogos Olímpicos. Não joguei nenhum jogo, mas ganhei experiência.

Ochoa chegou esta época ao AVS
Ochoa chegou esta época ao AVSAVS

O avançado que foi convocado para a baliza

- Aos 18 anos, também é importante. No ano seguinte, vem a seleção principal.

- A principal, sim. O meu primeiro jogo foi há 19 anos, um amigável nos Estados Unidos, contra a Hungria. Joguei na segunda parte, consegui deixar a segunda parte com a baliza a zeros. Fiz esse jogo seis meses antes do Mundial, estava a fazer uma boa época no América e o Ricardo La Volpe acreditou em mim e consegui ir ao Mundial como terceiro guarda-redes.

- Já que estamos a falar da seleção. Houve um momento que fica para a história da carreira de qualquer atleta, ao ir aos Jogos Olímpicos e trazer de lá uma medalha de terceiros classificados, em Tóquio.

- Sim, esta lembrança para mim é algo que ficará para sempre. Nós, como jogadores de futebol, não temos muitas oportunidades para jogar nos Jogos Olímpicos. Outros atletas, noutros desportos, podem fazê-lo muitas vezes, mas no futebol é sempre sub-23 e só três podem ser mais velhos. O treinador, Jaime Lozano, falou comigo, disse que acreditava muito em mim, na minha experiência para ser capitão e ajudar a equipa. Falei com o Tata Martino, ele deixou-me ir e conseguimos uma medalha olímpica. Só pedimos o jogo da meia-final contra o Brasil, nos penáltis. Estivemos muito perto de ganhar uma medalha de prata ou de ouro, mas esta medalha de bronze foi importante para o México. Na história, só temos duas, uma de ouro e outra de bronze. Nos últimos Jogos Olímpicos, o México não se qualificou. Não é fácil jogar uns Jogos Olímpicos. Esta medalha vai ficar sempre no meu coração, na minha cabeça, na história da minha família. Como jogador de futebol, é algo que só se vive uma vez. Tive a sorte de estar em dois, não joguei num e este em que joguei acabei por ganhar uma medalha.

Os números de Ochoa
Os números de OchoaFlashscore

- Falava do América. É o seu clube do coração?

- Sim, do ponto de vista da minha carreira o América é algo muito grande. Foi a equipa que me deu tudo para começar a minha carreira, deu-me esta oportunidade de jogar futebol. Cheguei ainda uma criança, com nove ou 10 anos, e comecei a jogar numa escola de futebol no Club América e comecei como avançado. Só havia um guarda-redes por equipa e já havia um. Eu cheguei um bocado tarde e só podia jogar como avançado, até jogava bem. No primeiro jogo, fiz dois golos. Depois o nosso guarda-redes lesionou-se no ombro, o treinador perguntou quem é que queria ir à baliza, eu levantei a mão, defendi um penálti e um mês depois o outro guarda-redes voltou e eu disse 'ok, esta história do guarda-redes acabou e volto a jogar a avançado'. O treinador disse 'não, vais ficar na baliza, joga um jogo cada'. Faltavam seis jogos para o final da época e depois a seleção de sub-12 faz a convocatória e eu vejo o meu nome na convocatória. Pensei que era para avançado, mas não, era como guarda-redes. Foi assim que começou a minha carreira. Acreditei nisso, vi que os treinadores também acreditavam muito em mim e comecei a acreditar que podia fazer uma carreira importante.

- Memo é uma alcunha ou um diminutivo de Guillermo?

- Guillermo. No México, todos os Guillermos são Memo. Para os espanhóis, é mais fácil Guille, mas no México é Memo.

- Numa certa parte de Espanha era 'El Muro de Andaluzia'.

- Sim, eu sou o primeiro guarda-redes mexicano a jogar na Europa, que sai do México à aventura para aprender e conhecer um bocado. Na Europa, têm mais confiança nos guarda-redes mexicanos, não é fácil. Jogar em Espanha, para mim, foi importante. Cresci a ver Hugo Sánchez na televisão, que jogou muitos anos no Real Madrid. No México, a LaLiga é muito importante. É a LaLiga e a Premier League, são as mais importantes. Se uma equipa espanhola te liga, tens de ir. Uma cidade como Málaga, que é muito bonita, tem praia, bom tempo, boa comida, boas pessoas e fiquei lá dois anos. Depois fui um ano para Granada, que é muito perto e também é uma cidade muito bonita. Consegui jogar sem passaporte na LaLiga, joguei na Europa muito tempo sem passaporte, o que não acontecia muitas vezes.

Ochoa é uma referência da seleção mexicana
Ochoa é uma referência da seleção mexicanaEYEPIX/NurPhoto/NurPhoto via AFP

Propostas de Benfica, FC Porto e... SC Braga

- Passando ao AVS. Vi aqui jogadores da seleção mexicana que passaram por Portugal, como o Héctor Herrera. Chegou a falar com alguém que tenha passado por aqui para saber como era o país e o campeonato?

- Não precisava de falar com ninguém sobre a Liga Portugal porque já se falava antes. Falávamos muito, via jogos da Liga Portugal por jogadores como Herrera, Corona, Diego Reyes, Layun, Raul Jiménez, Omar Govea. Muitos jogaram no FC Porto e quando estava no estágio com eles na seleção falávamos do FC Porto, da qualidade de vida e de jogo. Todos falavam bem. Diziam que se come bem, joga bem, os portugueses estão sempre perto para ajudar. Quando o AVS me liga nos últimos dias de mercado, eu vi onde é que fica Aves. A minha família vive em Madrid, ficou lá. Trocar tudo nesta fase era difícil. Mesmo em Itália, fiquei sozinho lá e é isso que não se vê na vida de um jogador de futebol. Há muitas coisas por trás, muitas responsabilidades difíceis, decisões para tomar. O que vi primeiro foi a vila. Onde fica Aves? Eu não sabia. Era pequenino, perto do Porto, aeroporto, avião direto para Madrid em 50 minutos, cinco horas de carro. Fico perto da família, perto de Espanha, Madrid, porque eu depois da minha carreira vou viver em Espanha. Posso continuar a jogar futebol a um nível alto como a Liga Portugal, que eu conhecia pelos meus colegas que jogaram aqui e sabia que o nível era bom para mim e isso permitia-me continuar na seleção e ver até onde posso chegar.

- Durante estes anos todos de carreira, foi a primeira vez que um clube português o contactou ou teve outros contactos?

- Já tive antes. Tive depois do Mundial do Brasil, em 2014, com o Benfica. Depois, em 2018 ou 2019, não me lembro, com o FC Porto também, quando eles contrataram o Marchesín, do México. Ele veio para o FC Porto e eu fui para o América, mas estive a falar com o FC Porto, eles preferiram contratar o Marchesín, havia quatro guarda-redes na lista. Portugal estava sempre lá. Também cheguei a conversar com o SC Braga há uns anos, mas nunca chegámos a um acordo.

Ochoa teve propostas de Benfica, FC Porto e SC Braga
Ochoa teve propostas de Benfica, FC Porto e SC BragaAVS, Opta by Stats Perform

- O que conheceu quando procurou informar-se e o que conheceu verdadeiramente correspondeu ao que imaginava?

- Correspondeu muito. Todos me perguntavam se eu conhecia Portugal. Eu dizia 'não, é a primeira vez em Portugal'. Não joguei nenhum amigável em Portugal, só contra a seleção de Portugal três vezes, mas não em Portugal. Jogámos nos EUA, Taça das Confederações e Mundial, mas em Portugal não. Mesmo como turista, não conhecia. Quando cheguei, gostei muito. Eu moro no Porto, perto da praia, faço 30 minutos para chegar aqui, todos aqui em Portugal dizem que é muito tempo, mas para mim, que morava no México, não é nada. 30 minutos, na autoestrada, sem trânsito, sem barulho, não é nada. Estou muito feliz. Falta a família. Às vezes sim, tenho saudades. As crianças começam a crescer.

- Tem noção que é uma realidade absolutamente anormal numa vila como as Aves? É uma figura mundialmente conhecida, todos têm empatia por si. Tem noção que as pessoas o veem assim? 

-  Trato de não pensar nisso. Se pensas assim, não consegues alcançar mais na carreira. A minha carreira com os clubes não foi fácil, foi difícil escrever a minha história. Às vezes as pessoas só vêem os Mundiais que faço, fico contente por isso, mas por trás desses Mundiais há uma história de superação, trabalho, crescimento. A vida não é sempre uma linha ascendente, há momentos duros em que é preciso trabalhar para sair dessa situação para cresceres e sentires-te livre. Às vezes, chega muita gente que faz mal ao futebol. A minha história é essa, sair do país, fazer com que as pessoas me conheçam. Em Espanha, as pessoas tiram uma foto, pedem autógrafos. Se viajo para Itália, Arábia, Japão, as pessoas querem tirar uma foto e reconhecem, reconhecem também o trabalho. Isso é o mais importante. Quando chego a Portugal, as pessoas têm muito respeito pelo meu trabalho e é isso que às vezes as pessoas do nosso país esquecem.