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Exclusivo com o diretor-geral do Benfica Campus: "A missão é pôr dois jogadores por ano na equipa A"

Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus
Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica CampusFlashscore/SL Benfica

Guilherme Müller cumpre em novembro um ano como diretor-geral do Benfica Campus, sucedendo no cargo a Pedro Mil-Homens. Em entrevista exclusiva ao Flashscore, no Benfica Campus, no Seixal, explicou o modelo de formação do clube, o desenvolvimento das infraestruturas e os objetivos, no presente e no futuro, dos escalões de formação do Benfica.

- O Benfica Campus fez dezanove anos em setembro. Naturalmente, desde a sua construção foram feitos upgrades importantes para a melhoria da oferta de equipamentos para a formação. Até onde mais pode crescer esta infraestrutura que causa inveja a muitas outras espalhadas pelo mundo?

- Acho que nós, tanto a propósito da relação que temos com a Associação Europeia de Clubes, como com a fantástica oportunidade que temos com a Youth League, com os jogos fora, vamos conhecendo muitas academias e há sempre uma interação gira, tanto quando eles vêm cá quanto quando nós vamos falar com os clubes lá fora. O que sinto, tanto pelas visitas que faço, como acima de tudo pelos feedbacks que recebo das visitas que recebemos, é que esta instalação desportiva em si, e o modelo de formação do Benfica, estão garantidamente ao nível dos melhores do mundo. Acho que não ficamos atrás de ninguém. Esta instalação desportiva tem evoluído ao longo dos tempos. Desde 2006 até à altura em que estamos agora, foi evoluindo em dimensões diferentes, mas principalmente na sua própria dimensão. Ou seja, começa com poucos campos, começa com menos equipas, aumenta o número de equipas, aumenta o número de serviços de apoio aos jogadores e, portanto, atualmente, não tenho dúvidas nenhumas que está ao nível dos melhores. Aquilo que vamos sentindo é que a pressão tem aumentado. O Benfica continuou a crescer em termos de número de equipas e num futuro, não muito longínquo, temos de considerar a possibilidade desta infraestrutura poder eventualmente crescer, nomeadamente ao nível de relvados. Vou dar um termo de comparação interessante. Estivemos no Chelsea a propósito do jogo da Youth League. Em termos de condições de trabalho, para as pessoas e mesmo para as infraestruturas, para os jogadores, acho sinceramente que nós estamos melhores do que o Chelsea. Em termos de metodologia, não ficamos a dever nada a ninguém. Nós temos seis campos relvados e, vamos dizer, dois campos e meio sintéticos. Eles têm um campo sintético e trinta e um campos relvados.

- Uma diferença considerável.

- Para menos equipas. Eles têm, no total, menos que nós. Toda a formação deles utiliza aquele espaço.

- Ou seja, eles não têm a dificuldade que o Benfica tem ao nível da gestão dos relvados e do planeamento que tem de ser feito.

- Nada. Pelo contrário. A equipa principal deles tem quatro relvados em exclusivo para sua utilização. A sua equipa Sub-21, que será o equivalente à nossa equipa B, tem dois relvados para sua utilização exclusiva. Ou seja, isto é uma ajuda grande, tanto para organização destes escalões mais de profissional ou transição para o profissional, mas acima de tudo, onde começamos a sentir um bocadinho aqui também, mesmo nos escalões mais jovens, que quanto mais acesso tiverem à relva natural, melhor, porque mais cedo começam a preparar onde vão continuar a exercer a sua atividade daí para a frente. Portanto, acho que é uma instalação de topo mundial, sem nenhuma dúvida, tenho a certeza que ninguém pode dizer o contrário. Acho que haverá um momento onde temos de pensar num crescimento, especialmente de infraestruturas desportivas.

Paulo Cintrão com Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus
Paulo Cintrão com Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica CampusSL Benfica

- Gostaria que também nos explicasse um pouco da organização interna, ao nível das sinergias entre os diversos escalões, desde o momento em que se deteta o talento. Como é que isso acontece? Até que ponto a rede scouting e a sua preparação é importante para que isso aconteça? E depois todos os braços, digamos assim, que o Benfica Campus tem um pouco por todo o país.

- O futebol de formação do Benfica tem quatro áreas principais. Uma que é a direção de futebol de formação, que trata da parte de scouting e de gestão contratual, uma área que é a direção técnica, que trata da parte dos treinadores e algumas sub-coordenações, incluindo a área de iniciação, que está fora do Benfica Campos. Dentro do Benfica Campus há jogadores a partir dos Sub-14 até à equipa A, mas do futebol de formação até à equipa B. Portanto, a equipa A também utiliza o nosso espaço, mas está totalmente independente do futebol de formação em termos de gestão. Na zona da Grande Lisboa temos um polo muito grande na Cidade Universitária, com infraestruturas ótimas e recentemente melhoradas, e depois aquilo que o Benfica também sentiu a necessidade foi de crescer para o resto do país. Dentro do Benfica Campus não há nenhum jogador que aqui entre que possa dizer que lhe faltam condições para desempenhar a sua função ou a sua profissão consoante a idade em que esteja. Acho que são condições fantásticas, com serviços de apoio a todos os níveis. Além da direção de formação e da direção técnica, temos uma área a que damos muita importância, que é a direção de formação pessoal e social. E aqui, permita-me salientar um número interessante. A formação do Benfica toda, incluindo o Benfica Campus, o polo grande em Lisboa e o resto dos centros de formação espalhados pelo país, conta com cerca de 600 crianças. Crianças, jovens e jovens adultos, dos quais 200 treinam no Benfica Campus, dos quais 80 residem aqui. Esta direção de formação pessoal e social tem muitíssima importância, não só pelo apoio que dá a toda a formação, mas particularmente àqueles que vivem connosco, porque temos aqui rapazes que a partir dos doze, treze anos deixam as suas famílias e vêm viver connosco, passando nós, pelo menos em algumas áreas, a ter que substituir a família e a sermos os pais e os avós e os irmãos destas crianças.

- E por vezes nem sempre é fácil…

- Acho que mais do que não ser fácil, sendo muito difícil. Acho que há um dado animador: nunca nenhum voltou para trás. Ao longo de 19 anos, tivemos um caso, mais ou menos conhecido, de um jogador que não se adaptou inicialmente e que, portanto, o Benfica, achou, juntamente com os pais, que a melhor decisão era ele voltar a casa, manter o acompanhamento do Benfica e no final dessa época, então, voltou para ficar. 

- E quais são os critérios para os miúdos estarem aqui em regime de internato? Isto tem a ver com a localização geográfica ou mesmo estando perto da família, tem a ver com condições financeiras? Suponho que a procura seja imensa e a capacidade de resposta, é naturalmente, limitada.

- Nós temos 80 lugares disponíveis. E, como diz, tem de haver algum critério no momento da definição desses 80. E isso fará com que às vezes, especialmente numa idade muito precoce, tenham de se fazer escolhas em relação aos jogadores que podem vir e ficar, e jogadores que não podem ficar. Tipicamente, para que serve a nossa residência? Aquilo que foi sentido no momento da criação destes centros de formação e treino é que, e provavelmente não ficará mais fácil, é difícil conseguir convencer pais, a primeiro deixarem os seus filhos sair de casa muito cedo e segundo, talento que seja identificado muito cedo, conseguirem manter uma fidelização, digamos assim, ao Benfica, sem uma ligação efetiva. Estes centros de formação quando são criados, aquilo que permitem é que passe a haver uma ligação real do atleta ao Benfica mais cedo e, portanto, a partir dos seis anos até aos 12, estes rapazes passam efetivamente a jogar com a camisola do Benfica vestida. A beneficiar da metodologia do Benfica, a estar em contato com os treinadores do Benfica, a absorver aquilo que costumamos chamar o ADN Benfica, para ter a certeza de que aos doze são jogadores que já estão muito mais identificados com esta cultura. Destes, vamos chamar “bolo” de 200 jogadores, mais coisa menos coisa, que todos os anos termina o seu tempo nos centros de formação e treino, é preferencialmente daqui que vêm os 80 residentes e, porventura, mais algum.

- Digamos que essas academias fora de Lisboa funcionam como um crivo dos melhores talentos?

- É o primeiro. É o que recebe os jovens mais novos, e que permite com que esses jovens não tenham de se deslocar cem, duzentos, trezentos, quatrocentos quilómetros para poderem vir treinar ou jogar ou no Benfica Campus. Portanto, continuam a poder fazer a sua vida, salvo algumas deslocações pontuais, à casa mãe, poder fazer a sua vida junto de casa, dos seus pais e manter uma vida normal, apesar de poderem continuar a praticar futebol e de começarem cedo a beneficiar da nossa metodologia. Também nos permite ter um controlo mais próximo destes jogadores e, portanto, acompanhar o seu desenvolvimento duma forma mais próxima.

Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao Flashscore
Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao FlashscoreSL Benfica

"80% vão ser jogadores profissionais, 100% vão ser cidadãos"

- E um pai que confia no Benfica para ter aqui o seu filho, o que é que pode esperar também na formação extrafutebol, que é um fator importantíssimo no crescimento de qualquer jovem? Que meios coloca o clube à disposição, não só para preparar o jogador para o futuro, mas também para preparar homens com valores e com sucesso noutras áreas, uma vez que nem todos daqui sairão profissionais, embora a taxa de sucesso seja fantástica, oito em cada dez que entram aqui serão profissionais de futebol.

- Sim, na verdade, oito em cada dez dos que assinam contrato profissional, cerca de oitenta por cento, um bocadinho mais, conseguirá continuar com a sua carreira como profissional de futebol quando sai do Benfica. Não sei se haverá muitas universidades com esta taxa de empregabilidade. Portanto, acho que de facto é motivo para os pais acreditarem que os seus filhos poderão um dia vir a ser jogadores de futebol. Mesmo que não necessariamente na equipa A do Benfica, acho que este é um dado muito relevante. Não me posso esquecer que somos um clube de futebol, mas o Benfica tem um papel maior a desempenhar do que apenas este. Nós não nos podemos cingir a uma metodologia e condições de treino e de competição e de jogo de primeiro nível, que é a nossa missão. Temos de prepará-los enquanto futebolistas, o melhor que pudermos, para ter a certeza de que um dia podem chegar à equipa A do Benfica. E por isso há um investimento muito significativo, numa questão que é lateral neste seu desenvolvimento enquanto futebolistas. Porque se é verdade que cerca de oitenta por cento vão ser jogadores profissionais de futebol, cem por cento vão ser cidadãos a fazer parte da nossa sociedade.

- E é importante formá-los também para isso…

- A área de direção de formação pessoal e social tem um papel essencial nesse sentido. Há uma alocação importante de recursos no acompanhamento da sua vida escolar. O Benfica tem parcerias com escolas. A verdade é que muitos destes miúdos vivem um bocadinho numa bolha. Vivem numa residência, onde vivem só rapazes com os mesmos interesses. Portanto, basicamente, falam só de futebol, vivem futebol, jogam futebol, treinam futebol, respiram futebol, veem futebol. Aquilo que sentimos que é nossa obrigação é tentar tirá-los um bocadinho daqui e mostrar-lhes que há mais na vida do que apenas isso. Terem amigos que não sejam só os amigos de futebol, terem namoradas, terem outro tipo de relações que não são possíveis de criar nesta bolha muito fechada. Temos uma parceria com várias escolas, mas particularmente com uma escola pública e com um colégio privado, para onde vai o grosso dos nossos miúdos, não só para cumprir a obrigatoriedade da escolaridade, mas também para poderem desenvolver estas relações. Nós reconhecemos a importância deste departamento. Não nos podemos esquecer que estamos a falar de 80 rapazes, entre os 12 e os 18 anos. Há um acompanhamento permanente. Temos tutores em rotatividade, que estão sempre presentes na vida destes miúdos, além de treinadores e outro staff de apoio. Há uma complementaridade de ação social que começa a ser imposta aos jovens desde o início. Casas de acolhimento, famílias desfavorecidas, instituições de responsabilidade social. Há muita proximidade. Portanto, o Benfica tem de desempenhar este papel na comunidade.

- Parece claro e pacífico que qualquer pai pensa que tem em casa um Messi, um Ronaldo, um Bernardo Silva. O que eu pergunto é: como é que são trabalhadas as expectativas, por vezes irracionais, de um pai sobre o seu filho que se deixa influenciar por ele? 

- Nós valorizamos muitíssimo o papel dos pais. Muito dificilmente haverá um jovem que se transformará num jogador de futebol sem o primeiro apoio do seu encarregado de educação. É o encarregado de educação que, antes dele ser o Bernardo Silva ou o Rúben Dias, vai levá-lo ao treino, vai buscá-lo ao treino, vai ficar duas horas sentado na bancada à chuva e à espera que o jogo acabe, vai ficar sentado no carro à espera que o treino acabe. A gestão de expectativas, especialmente num clube com as características do Benfica, é difícil. O Benfica tem tido capacidade de aproveitamento de jovens da sua formação para a sua equipa A, que é o mais importante, mas também às vezes, mesmo não passando pela equipa A, conseguem seguir outro caminho que lhes dá um conforto financeiro que se calhar dificilmente conseguiriam encontrar noutro setor de atividade. Percebo que haja pais que não conseguem desligar-se desta ideia. Além de termos um programa específico chamado Pais de Alta Competição para gestão destas expectativas, há uma série de interações ao longo dos anos, das épocas, entre pais, treinadores, coordenadores, diretores técnicos, sempre muito nesta lógica. Também cultivamos lógica de proximidade com os pais, sabendo que a partir do momento em que nos entregam os rapazes, tem de haver alguma separação. A verdade é que a evolução dos tempos tem criado jovens ligeiramente diferentes e também pais ligeiramente diferentes. Temos de viver com essa realidade. Aquilo que temos tentado fazer ao longo deste tempo é cada vez mais perceber que há dinâmicas que são diferentes de há dez anos e de há vinte anos e, se calhar, mais cedo.

- Mas é um processo que pensa que está a diminuir, digamos assim, ou seja, os pais têm cada vez mais noção que provavelmente o seu filho não será nem um Rúben Dias, nem um Bernardo Silva, e que eventualmente poderá ser um jogador médio, ou até pode nem vir a dar grande jogador?

- Não.

- Não?

- Não quero ser injusto com muitos pais que são ótimos exemplos do que dizer, e que deixam os seus filhos divertir-se, brincar, aprender, praticar atividade física por praticar atividade física, e transformar o seu desenvolvimento numa coisa absolutamente normal e orgânica. Portanto, não quero ser injusto com esses, que são muitos, mas reconheço que, talvez pela forma como a nossa sociedade está a evoluir, que há um número significativo de país que não consegue fazer essa gestão. O que nos traz mais responsabilidade porque vamos continuar a precisar dos jovens para poder moldá-los e transformá-los em jogadores de futebol.

O hardware e o software da formação

- E por isso é que confiam nas equipas técnicas, que lidam com eles todos os dias…

- Acho que, acima de tudo, isso é o Benfica. Nós costumamos dividir a importância, eu acho que há dois grandes blocos de fatores relevantes para o sucesso da formação do Benfica. Uma é hardware e a outra é software. O hardware são estas instalações, onde nós estamos agora, é o polo que implicou um investimento muito significativo na cidade universitária, é ter seis centros de formação espalhados pelo país, e tudo isto implica um investimento muito grande. O outro é software. São as pessoas e cultura. São recursos humanos, competentes, aculturados aos nossos princípios, aos nossos valores e à nossa metodologia. E dotar estas pessoas da capacidade de interação com os pais para lhes explicar o que é que podem e não podem, devem ou não devem fazer.

- Fala-se muito do ADN Benfica. Eu gostaria que me explicasse o que é o ADN Benfica, quais são os componentes mais importantes para atingir esse ADN.

- Eu acho que é um conjunto de fatores. Primeiro, o Benfica tem o seu programa de desenvolvimento de longo prazo, chamado Formar à Benfica. O Formar à Benfica é uma plataforma que nós disponibilizamos aos nossos treinadores, que eles, independentemente de estarem no Benfica Campus, no EUL, nos centros de formação e treino, ou nas nossas academias no estrangeiro. É um projeto que pretende continuar a desenvolver, essa plataforma é disponibilizada aos treinadores que estão nesses sítios. É uma plataforma bastante detalhada na forma como o Benfica vê a sua formação em todos os aspetos, tanto nos perfis de jogadores, naquilo que é esperado por posição, naquilo que é esperado em termos táticos da equipa, naquilo que é o modelo de jogo. Em todos estes parâmetros, convidamos os nossos treinadores a seguir um modelo, achando, naturalmente, com alguma flexibilidade, que podem acrescentar, mas seguindo um modelo base que nós consideramos que vai formar um tipo de jogador.

Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao Flashscore
Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao FlashscoreSL Benfica

"A missão é formar jogadores para chegarem à equipa A"

- Portanto, o treinador tem liberdade para pensar, para criar em função das dinâmicas da equipa, em função do modelo que o Benfica defende.

- O futebol de formação do Benfica tem uma missão muito clara. A missão é formar jogadores da melhor forma possível para um dia poderem chegar à equipa A. Esta é a nossa missão. Se pelo meio pudermos ganhar competições, maravilhoso, mas nós temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para deixar os nossos rapazes o mais prontos possível para um dia poderem chegar à equipa A. Para quando o treinador da equipa A, o staff da equipa A, ou o diretor-geral da equipa A, achar que é preciso um jogador para uma determinada posição, conseguir olhar para a formação e ver os jogadores o mais próximos possível daquilo que é o padrão da equipa A. Portanto, este é o nosso objetivo.

- Isso naturalmente não muda cada vez que há uma mudança no treinador de topo, não é?

- Não, não. Esse é o ponto. Da mesma forma que não pode mudar quando se altera o treinador da equipa A. O clube tem um modelo, o clube tem um perfil em que acredita. Acredita num jogador e naquilo que são os valores Benfica. O jogador, enquanto um exemplo de valores dentro e fora do campo, mas também nas quatro dimensões habituais do rendimento. Independentemente da qualidade dos treinadores, independentemente da experiência dos treinadores, não pode estar dependente do perfil de um determinado treinador que pode, num determinado momento, estar no clube, mas depois deixar de estar. Aquilo que tentamos fazer é, independentemente dele, qualquer que seja o escalão, ter um modelo que nós aconselhamos e sugerimos. Perguntava diretamente se é um modelo absolutamente rígido ou é um modelo com muita flexibilidade. Eu diria que nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Não é o mais rígido dos modelos, mas também não é o mais flexível. Porque se for o mais flexível, acaba...

- Perde-se a identidade…

- O que nós pretendemos é que o treinador da equipa A, quando olhar para estes jovens, poder reconhecer-lhes características daquilo que tipicamente é o que se espera e que os adeptos esperam. Não será igual se o modelo de jogo em que o rapaz estiver passado cinco, dez, quinze anos a jogar, afinal for diferente, se o tipo de indicações que lhe for dada for diferente, se o tipo de posicionamento em campo for diferente, se o tipo de forma como se deve comportar em campo for diferente. E, portanto, aquilo que nós queremos é que haja de facto bastante uniformidade na forma como preparamos os nossos jogadores.

- Sabemos que as fronteiras são hoje abertas na Europa. Sabemos que há crises humanitárias por todo lado. Portugal recebe refugiados. Sei que o Benfica tem uma parceria com o Conselho Português para os Refugiados. O que lhe perguntava era: em que consiste e até que ponto esse poderá ser um nicho de recrutamento, caso exista qualidade? 

- Eu dividia a resposta à pergunta em duas perspetivas diferentes. A perspetiva social e a perspetiva desportiva. A parceria de que falou é de âmbito social. Tal como lhe dizia a propósito de outras que existem. Aquela complementaridade que é criada por esta direção de formação pessoal e social, tentamos incutir nos nossos jovens esta noção de responsabilidade social, esta noção de que há mais vida para além das quatro linhas. Há mais vida para além da residência onde vivem dentro do privilegiado Benfica Campus. Há outras realidades e muito complicadas.

- E o Universo Benfica normalmente apoia essas causas.

- Especialmente através da Fundação. Mas nós também, tendo os nossos jovens, os nossos próprios aqui perto, podemos também fazer esse papel. Portanto, há um caminho mais social. Perguntava, além disso, se desportivamente poderá ou não isto ser uma perspetiva interessante para nós? Eu diria que não existe propriamente um projeto específico para o efeito.

Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao Flashscore
Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao FlashscoreSL Benfica

"A mina de ouro é em Portugal"

- Mas pode acontecer isoladamente um ou outro caso…

- Aconteceu mesmo não existindo um projeto específico para esses casos. Nós continuamos a acreditar que a mina de ouro é em Portugal. Gostamos muito do talento português, é nos jovens portugueses que queremos continuar a apostar. Existe um olhar para o mercado internacional mas claramente o nosso grande foco é no mercado nacional, porque é aqui que acreditamos que está o talento. No mercado internacional, especificamente em casos de países com crises humanitárias e no caso específico da Ucrânia, o Benfica tinha uma escola de futebol na Ucrânia. Na altura em que a guerra se iniciou tivemos de encerrar a sua atividade. Aquilo que nós fizemos na altura foi permitir que jovens que eventualmente considerassem, até pela imigração que houve de cidadãos ucranianos, os que eventualmente viessem para Portugal, podiam inscrever-se nas nossas escolas sem qualquer custo. E houve alguns casos de jovens que as famílias acabaram por vir para Portugal e, portanto, passaram a estar inscritos nas nossas escolas de futebol. Além disso a FIFA, na altura, criou uma exceção a esta regra de não permitir a circulação de jovens em muito tenra idade no caso de jovens europeus até aos 16 anos e fora da Europa, só a partir dos 18. Houve um jovem ucraniano que acabou por beneficiar desta exceção que foi criada e que neste momento está nas nossas equipas de competição, e que, apesar da gigantesca infelicidade pela qual a família passou, acabou por encontrar aqui uma espécie de refúgio para conseguir continuar a desenvolver a sua atividade.

- Desde há uns anos tem existido outra realidade, que é a deteção de talento que pode em Portugal terminar o seu processo de formação. O Benfica também está atento a isso? 

- Não deixando de sublinhar a relevância que ainda por cima é fácil, não preciso ser eu a dizer, é fácil de constatar, basta olhar para os nossos escalões jovens e perceber a importância que o jogador português tem. Salvo honrosas exceções, a quase totalidade dos nossos jogadores são portugueses. Aquilo que vamos sentindo é que o jogador estrangeiro, jovem, que tenta integrar-se na nossa academia, salvo honrosas exceções, tem dificuldade. Se calhar devido ao facto destes nossos atletas, ao longo de tantos anos, estarem a ser sujeitos a uma injeção de ADN tão clara e definida. 

- Já não conseguem absorver…

- Torna-se mais difícil um jogador com características muito diferentes conseguir integrar-se com facilidade. Há um mercado a que nós estamos particularmente atentos, e de onde têm resultado alguns exemplos de sucesso: é o mercado dos luso-descendentes. Portanto, cidadãos portugueses que emigraram, especialmente na Europa e cujos filhos gostam de jogar futebol e têm talento, conseguirmos olhar com um bocadinho mais de atenção. Sentimos que a adaptação destes jovens é mais fácil do que do jovem estrangeiro que vem para Portugal, já dentro das idades regulamentares. Podemos estar a falar de jovens que já têm 10 ou 12 anos de Benfica. É difícil de conseguir ser integrado. Há exceções, e é verdade que tem acontecido, mas reconheço que não é um processo fácil para um jovem. 

- Youth League em 2021/22 e Taça Intercontinental de Sub-20 em 2022 estão no topo dos títulos conseguidos pela formação, aos quais juntamos mais 78, divididos pelos diferentes campeonatos nacionais e distritais. O que lhe pergunto é se estes números o satisfazem, ou se há aqui potencial para ir muito mais longe que isto?

- É difícil responder a essa pergunta, porque eu não posso nunca esquecer-me, é minha obrigação profissional, do que é verdadeiramente a nossa missão. Admito que possa haver alguns sócios do Benfica que não concordem exatamente com o que eu vou dizer, mas a nossa missão é formar, desenvolver jogadores para a equipa A do Benfica. Se pudermos fazê-la e ganhar títulos, ótimo. Faz parte também do ADN do jogador Benfica nós cultivarmos esta mentalidade vencedora. Obviamente que sim. Mas aquilo que acho que nós temos de estar todos preparados, num dado momento, é para ter de os colocar em segundo lugar. O rendimento desportivo em benefício do desenvolvimento do jogador. E isto pode ter impacto direto.

Paulo Cintrão com Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica
Paulo Cintrão com Guilherme Müller, diretor-geral do BenficaSL Benfica

"Temos de pôr, no mínimo, dois jogadores por ano na equipa A"

- Troca um título da formação por três jogadores na equipa principal do Benfica?

- Claro que sim. Tenho de responder sim a essa pergunta. Essa é a nossa missão. É para isso que eu trabalho todos os dias, foi isso que me foi pedido. Apesar de, claro, ficar muitíssimo satisfeito, e vibrei efusivamente com qualquer dos títulos conquistados o ano passado. Além dos títulos de campeão nacional, também a Taça Revelação Sub-23, foi a primeira vez que conquistámos um título neste escalão, que é um escalão difícil dentro do Benfica, é bastante exigente tanto para o treinador como para o jogador. Temos de fazer esta reciclagem de vez em quando da nossa missão, para ter a certeza que ninguém se esquece que verdadeiramente aquilo que nós temos que fazer aqui é pôr, no mínimo, dois jogadores por ano na equipa A. É essa a nossa missão.

- Já se falou aqui dos parâmetros de exigência do Benfica. A fase de transição para sénior é a mais complicada? Como é que isso se trabalha aqui? E voltamos novamente também à gestão de expetativas, porque nem todos o vão conseguir.

- É difícil. No Benfica a equipa B está inserida na estrutura do futebol de formação. Portanto, não está inserida na estrutura do futebol profissional. Ainda assim, tentamos explicar aos jogadores que temos que trocar um bocadinho a lógica do desenvolvimento do jogador pela lógica de rendimento. Ou seja, é suposto o jogador que chega à equipa B do Benfica, esteja a bater à porta da equipa A. Portanto, tem de estar pronto para o nível de exigência da equipa A. Nós temos de fazer com que os nossos jogadores, tanto da equipa sub-23, mas particularmente da equipa B, convivam bem com esta exigência. Porque se tudo correr bem, chegará um dia, mais cedo do que mais tarde, em que vão estar dentro de um estádio com 70 mil pessoas, a gritar, ou no estádio adversário, com outros tantos milhares.

- E por vezes surgem surpresas, porque quando o João Neves é lançado na equipa principal, não seriam muitos, porventura, os portugueses, e não estou a falar só dos benfiquistas, que conheciam a qualidade dele. E hoje em dia ele é campeão europeu…

- Acho que o ponto é esse. A mensagem que nós tentamos passar aos nossos jogadores é: todo o jogador que chegou à equipa B, nós acreditamos verdadeiramente que pode ter essa oportunidade. Poderá haver um que está um bocadinho mais preparado, poderá haver outro que está um bocadinho menos preparado, mas a mensagem que temos de passar a todos é: já só depende de vocês. Todos os jogadores que jogam na equipa B ou sub-23,  têm de fazer por bater à porta da equipa A. Eu gosto de usar esta analogia: os jogadores têm que percorrer três níveis. Têm de pôr o pé na porta, e nisto, há uma parte muito grande que é deles, porque nós damos as condições todas, mas depois têm de ser eles a querer pôr o pé na porta, têm que ser eles a querer entrar e a deixarem-nos ficar lá dentro, e têm que ser eles a acrescentar-se à mesa e a poder comer com os outros. Têm de mostrar ao treinador da equipa A, e a todos, que estão prontos para isso. O nosso trabalho é também reconhecer o potencial, independentemente do rendimento que está a ocorrer naquele momento. Mas aos que chegam à equipa B, reconhecemos-lhes o potencial para que isso aconteça. O rendimento dependerá da capacidade que tenham de dar esse passo em frente, que às vezes depende seguramente das suas características físicas, da sua capacidade tática, da sua capacidade técnica, do entendimento que tenham do jogo, mas depende muito da sua vontade. Têm que ter fome, como disse o nosso treinador da Equipa A (José Mourinho), têm de ter vontade. Temos um departamento de psicologia muito forte, que os acompanha e que garante que eles estão bem, que se sentem bem e que estão a conseguir fazer estas gestões de expetativas. Mas há uma parte que também nasce com eles…

- É um ADN próprio, à parte do ADN Benfica, que depois de juntos podem criar um jogador acima da média…

- É quando se junta. Todos os que chegam lá, e nem todos chegarão, mas aos que chegam lá, eu acho que nós nos sentimos confortáveis. Sinceramente, acho que serão poucos os jogadores que chegam à equipa B do Benfica depois de terem feito o percurso e dizem: "O Benfica não me deu tudo. O Benfica não me deu as ferramentas todas para eu poder ser jogador profissional de futebol e poder chegar à equipa A". Há uma parte que depende deles. Quando as duas se casam, nascem jogadores de eleição.

- No seu íntimo, pensa que será possível daqui a mais algum tempo, ou até mesmo agora, reter o talento e que a equipa principal tenha 50, 60 por cento de jogadores da formação? Ou pensa que esse cenário poderá vir nuns tempos mais longínquos? Porque verdadeiramente torna-se cada vez mais difícil reter talento em Portugal.

- Há vários desafios em várias etapas. O momento da transição para profissional é o grande desafio. Sinto que o Benfica tem dado passos significativos para conseguir reter esse talento. Acho que o caminho que é apresentado aos jogadores, e o plano de carreira, é muito interessante. Sinto que antes dos 18 anos, com os encarregados de educação, e depois dos 18 anos, com os próprios, acho que sentem que existe uma valorização clara do seu percurso por parte do Benfica. O futebol, atualmente, já não tem muitos segredos, não é? Já é difícil de encontrarmos um jogador de quem ninguém deu conta. Isso já não existe. Pode haver um ou outro que se calhar eram menos as pessoas que sabiam, mas acho que é difícil de aparecer e que não tinha deixado rasto em lado nenhum e, de repente, transformou-se num extraterrestre. Acho que a nossa função é preparar o máximo de jogadores possível. Definimos para nós próprios um objetivo de dois jogadores por ano. Se puderem ser quatro, seis, oito, dez, ainda melhor. Quanto mais nós apostarmos na formação, quanto mais condições dermos aos nossos miúdos, mais garantias teremos. A verdade é que existe muito talento dentro do futebol de formação do Benfica. Não tenho dúvidas que desses 80 por cento que falávamos no início, que vão ser jogadores profissionais, muitos têm condições para andar num nível top.

"Um jogador que sai da formação do Benfica leva um selo de qualidade"

- Basta olhar para os títulos conquistados, ao nível dos clubes que representam e das seleções…

- É isso mesmo. Há dois dados muito interessantes que gostava de partilhar. O Benfica é o clube europeu com mais atletas no último europeu de Sub-17. Foram campeões. Podiam não ter sido, e ainda assim, acho que era honroso para o Benfica ter sido a equipa com mais atletas numa seleção nacional. Ou seja, na equipa campeã da Europa em sub-17, o clube mais representado na Europa é o Benfica. E, portanto, acho que isso diz qualquer coisa sobre o talento existente dentro da academia. Mas mesmo no que saiu, há um estudo muito interessante do Centro Internacional de Estudos do Futebol, que fez uma análise e desenvolveu um indicador a que chamaram o Training Index, que pretende definir a importância dum jogador numa equipa. Analisou cinquenta ligas do mundo. O clube que tem mais jogadores com impacto é o Benfica. Isto é muito importante, porque isto mostra que o jogador, não só a propósito dos campeões europeus, que está cá dentro, mas o jogador que sai da formação do Benfica, os tais 80 por cento, levam um selo de qualidade. 

- Nos últimos dez anos o Benfica conseguiu, através da venda de passes, mais de 600 milhões de euros. Isto é mais do que os grandes rivais juntos. Que significado tem?

- Neste momento, e após esse estudo, penso que já andamos à volta de 800 milhões…

- O que é um número fantástico…

- É muito bom, por vários motivos. Porque mostra que o retorno do investimento feito na formação do Benfica é enorme. Haverá poucas empresas que, com o investimento que foi feito ao longo dos últimos 19 anos no Benfica Campus, consigam uma rentabilidade tão boa. Nós queremos que os nossos jogadores se sentem à mesa com os outros, com os mais crescidos e, portanto, que possam efetivamente ter participação. Aqui há um dado muito significativo, que eu temo que às vezes não passe para as pessoas e que acho que é importante nós reforçarmos: em média, mais de 20 por cento dos minutos de uma época da equipa A do Benfica são minutos de jogadores da formação. Ou seja, o impacto que a formação do Benfica tem na equipa A, representa anualmente, exceto nos anos do Covid, mais de 20 por cento do total de minutos que a equipa A jogou numa época. É difícil ter termos de comparação. Não é muito claro, mas foi feito um estudo que tenta identificar- isto naturalmente vai variando muito de clube para clube - uma espécie de média europeia que anda nos 15 por cento de atletas da formação nas suas primeiras equipas. Ou seja, houve épocas onde o Benfica quase duplicou a média de utilização dos seus jogadores da academia, o que contraria esta tendência de que o Benfica, apesar de ser uma escola de formação muito capaz, é em benefício de terceiros, ainda que naturalmente com rentabilidade financeira.

- Aí voltamos à dificuldade de reter talento, sendo que o desafio será reter um bocadinho mais o talento. Não em definitivo, mas um bocadinho mais, não é?

- Sim...

Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao Flashscore
Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus, em entrevista ao FlashscoreSL Benfica

- Olhamos para os casos como o Bernardo Silva, o Gonçalo Ramos, mais recentemente o Florentino, o Rúben Dias, o João Neves, tantos jogadores que estão em clubes de topo, nas chamadas Big Five. Só por si, isso é uma clara amostra da qualidade do que é formado com esse selo reconhecido na Europa e em todo o Mundo.

- Sim, continuo a concordar, quando diz que essa é a grande dificuldade. Para não ser injusto, não acontece só no Benfica, acontece nos clubes portugueses. Mas para não ser injusto com as administrações dos clubes portugueses e para o Benfica, para o que me interessa, acho que nós temos de olhar para este fenómeno com seriedade. É verdade que como está montado o modelo do futebol português, é difícil um clube português viver, sobreviver sem receitas de jogadores. Pode-se dizer que o modelo está errado e que há necessidades de melhoria. Concordo com ambas as afirmações. Espero e acredito que está a ser feito um caminho nesse sentido. Mas existe uma realidade e a de hoje é essa: as receitas extraordinárias decorrentes das vendas de jogadores. Esta é a perspetiva do clube, mas acho que nós não podemos esquecer a perspetiva do jogador. Eu reconheço que para um jovem, que tem salário, existem limites dentro de um clube como o Benfica, que dificilmente são ultrapassáveis, até por comparação com outros jogadores. Porque isto não é só abrir a torneira para um. Depois o que é que acontece aos outros? Estamos a falar de uma equipa em que há vários jogadores importantes. O jogador que ganha X e podia ganhar X mais 20%, 30%, 50% ou 100%, e que em alternativa lhe propõe um salário que é oito, dez, doze, quinze, vinte vezes aquilo que seria a sua melhor expectativa.

- Mas é muito difícil lutar contra isso…

- Acho que se formos sérios nesta avaliação, também é difícil para o jogador de futebol. Qualquer pessoa, por muito que goste do seu trabalho, trabalha com o objetivo de ganhar dinheiro para sustentar o resto da sua vida. Haverá outros, mas poucos, que não precisam do dinheiro, do seu trabalho para conseguir viver. Mas esta é a realidade de uma percentagem muito significativa de pessoas. E, portanto, naturalmente, se o objetivo é ganhar dinheiro com o trabalho, se lhe oferecerem muito mais dinheiro para fazer o mesmo trabalho, à partida, a pessoa tenderá a aceitar. E depois há a perspetiva desportiva. A verdade é que, neste momento, o Benfica não tem as mesmas ambições de outras potências com muito mais dinheiro. Enquanto que é óbvio que um Real Madrid é um super candidato a ganhar a Liga dos Campeões ou o Mundial de Clubes, ou outra coisa qualquer, para o Benfica não é assim. O Benfica tem essa ambição e bem, de acordo com o que é a sua história, mas não é óbvio que seja o primeiro candidato. Para um jovem a quem é apresentada a possibilidade, não só de ir melhorar, de fazer num ano o dinheiro que faria em dez ou vinte anos, mas, por outro lado, a poder ter ambições claras, de poder participar em momentos de decisão dos maiores títulos do mundo. Acho que o nosso desafio, enquanto futebol de formação, é criar mais jogadores de qualidade para que um vá ter que terminar o seu percurso no ano um, outro conseguiremos aguentá-lo no ano dois e outro conseguiremos ao ano três. Sendo este o nosso desafio, temos que tentar prepará-los ainda melhor para que depois lhes sejam dadas mais oportunidades para mostrarem que conseguem fazer este plano até ao fim.

- Quando se fala em formação e evolução, faz-se a associação apenas ao jogador, esquecendo-se a maioria das pessoas que no percurso há uma série de pessoas que está envolvida no processo de formação de um jogador e que também têm de ser formados. Nesse aspeto, como é que o Benfica trabalha?

- Esse é um aspeto absolutamente essencial, especialmente tendo em conta que há várias centenas de colaboradores nas mais diversas áreas cujo objetivo é trabalhar para dar todas as condições aos nossos jovens para que consigam ser melhores. Nesse sentido, falava há pouco das quatro grandes áreas que nós temos aqui, mas diria de forma indireta, por não estar diretamente no futebol de formação, o Benfica tem uma área enorme a que dedica muita atenção e que ainda por cima funciona de forma centralizada, para o futebol de formação e para outras modalidades, que se chama HPD, Health and Performance Department, que é o departamento de performance desportiva que acumula estas áreas médica, fisioterapia, strength and conditioning, nutrição e psicologia, áreas de apoio aos atletas, além do apoio normal de treinadores, treinadores adjuntos, treinadores individuais, toda esta área mais técnica, de apoio mais direto. A pergunta é particularmente interessante também por um fenómeno que nos tem acontecido nos últimos tempos. Não têm sido só a qualidade dos nossos jogadores que tem sido reconhecida fora do Benfica. E por isso, os mesmos desafios que nós temos de retenção de jogadores, temos o mesmo em relação a funcionários. O Benfica tem um plano de formação dos seus recursos claro e definido, e por isso também são aliciados por concorrentes com mais capacidade financeira do que o Benfica tem, e portanto, tem sido uma realidade também no futebol de formação do Benfica nos últimos tempos.

"Adeptos podem ter um papel efetivo no desenvolvimento dos jogadores"

- No meio de tudo o que se produz aqui, de todo o sucesso que tem, qual é o papel do adepto do Benfica?

- A propósito de uma pequena alteração que tentámos fazer este ano, falámos justamente sobre isso. Vou só dar aqui um exemplo. A nossa equipa B é, historicamente, uma equipa jovem. Este ano, a média de idades da nossa equipa ultrapassa muito pouco os 19 anos, e joga na Liga 2. Em média, a diferença de idades entre a nossa equipa B e os nossos adversários nas primeiras jornadas da Liga 2 tem sido entre oito e dez anos. Isto vai ser sempre difícil, mas vai ser menos difícil se tiverem apoio. Conseguimos dar-lhes todas as ferramentas para terem sucesso, mas há uma que não lhes vamos conseguir dar. Eu não posso ter um rapaz destes a entrar no Estádio da Luz e ficar de boca aberta: "eh pá, o que é isto? Eu nunca tive uma realidade destas, nem sei o que é isto". Aquilo que gostava era que pelo menos nos jogos em casa e eventualmente nos jogos fora, começassem a sentir isso. Para isso dependemos dos nossos adeptos porque no fim do dia, vai ser essa capacidade que eles tenham de perceber a pressão que o Benfica impõe, perceber as expectativas, perceber a exigência que o Benfica tem dos seus adeptos. Vai ser um dos mais fatores importantes, que determinarão o sucesso ou o insucesso destes jogadores. Eu, enquanto adepto do Benfica, gosto da ideia de tentamos cultivar isso, de poder mais cedo conhecer os ases do futuro. Que venham assistir e vibrar com as equipas em todos os escalões. Os adeptos podem ter um papel efetivo no desenvolvimento dos jogadores. 

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