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Reportagem: O Flashscore por dentro do Benfica Campus

Imagem aérea do Benfica Campus, no Seixal
Imagem aérea do Benfica Campus, no SeixalFlashscore/SL Benfica

São já 19 anos de Benfica Campus. Inaugurada em 22 de setembro de 2006, a academia de futebol dos encarnados já é muito mais do que uma infraestrutura de excelência: é um projeto desportivo, humano e educativo que colocou o Benfica no topo da formação mundial e que se tornou num verdadeiro símbolo de identidade e ambição. O Flashscore conheceu por dentro as infraestruturas do Benfica Campus e falou com muitas das figuras que fazem da formação dos encarnados aquilo que é hoje.

Eram dez da manhã de uma quarta-feira, quando a reportagem do Flashscore foi recebida no coração da formação do SL Benfica. Guilherme Müller, diretor geral do Benfica Campus, foi o nosso principal anfitrião. Quando o grande público já se habituou a que os centros de treinos sejam uma bolha protetora de todos os segredos, aqui foi precisamente o contrário.  Vimos tudo o que pedimos, fizemos todas as perguntas e ficámos rendidos à excelência da organização e condições de trabalho, que fazem do Benfica Campus, uma das melhores academias do mundo.

Bernardo Silva, Ruben Dias, João Neves, Gonçalo Ramos, João Félix, João Cancelo e muitos outros, deram no Seixal, os seus primeiros passos para o estrelato. Há mais craques na “forja” e houve algo que chamou a atenção em todos os talentos em maturação com que nos cruzámos: houve sempre um cumprimento e um bom dia de todos e também de funcionários, treinadores e staff. 

O ADN Benfica também é um pouco isto. Além de formar jogadores, são formados homens e são moldados valores para o desporto e para a vida.

A área de direção de formação pessoal e social tem um papel absolutamente essencial nesse sentido. Nós reconhecemos a importância deste departamento. Não nos podemos esquecer que estamos a falar de rapazes entre os 12 e os 18 anos. Há um acompanhamento permanente. Temos tutores em rotatividade, que estão sempre presentes na vida destes miúdos, além de treinadores e outro staff de apoio. Este acompanhamento de proximidade é absolutamente essencial, mas também toda uma outra visão em relação à sociedade que eles talvez também não encontrem sequer na escola. Há uma complementaridade de ação social que começa a ser imposta aos jovens desde o início. Casas de acolhimento, famílias desfavorecidas, instituições de responsabilidade social. Há muita proximidade. Portanto, o Benfica tem de desempenhar este papel na comunidade”, referiu Guilherme Müller ao Flashscore.

Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica Campus
Guilherme Müller, diretor-geral do Benfica CampusSL Benfica

A mensagem do presidente Rui Costa

Rui Costa representou o Benfica como jogador mas foi enquanto dirigente que conheceu e ajudou a desenvolver o Benfica Campus. Primeiro como diretor desportivo, anunciado a 14 de maio de 2008, e depois como presidente, sucedendo a Luís Filipe Vieira no cargo, a 9 de julho de 2021, antes de vencer as eleições, a 9 de outubro do mesmo ano.

"O Benfica Campus tem uma importância estratégica para consolidar o Benfica, tanto em termos desportivos como no seu imenso alcance internacional. É na nossa 'Fábrica de Talentos' que incutimos e desenvolvemos os valores e princípios do 'Jogar à Benfica', formando alguns dos melhores atletas e profissionais do mundo, tanto em termos de competição como no seu desenvolvimento humano e social. Para nós, o Benfica Campus representa a identidade e a alma do Benfica, levada ao limite para vencer", afirmou Rui Costa ao Flashscore.

"O Benfica Campus é e será sempre um dos pilares mais fortes da nossa visão para o futuro do Sport Lisboa e Benfica", acrescentou o presidente dos encarnados.

80 jovens em internato, rede ampla de prospeção

Neste momento, vivem em regime de internato 80 jovens no Benfica Campus, maioritariamente vindos dos Centros de Formação e Treino e escolhidos entre cerca de duas centenas de candidatos. Para chegar ao Benfica Campus, todos eles passam por um rigoroso processo de seleção, inicialmente fora das instalações no Seixal. Na Grande Lisboa, trabalha-se na Cidade Universitária e, fora da capital, há centros de formação e treino em Faro, Viseu, Aveiro, Vila Real, Braga, Leiria e também no estrangeiro, nomeadamente no Luxemburgo, Lituânia, Malta, Marrocos, assim como na Benfica Residential Academy, nos Estados Unidos (Flórida), e diversas parcerias técnicas em países como o Brasil, Estados Unidos, Suécia, Escócia, Irlanda e outros, onde a metodologia de trabalho é transversal a toda a formação, designada por “formar à Benfica”. 

O Formar à Benfica é uma plataforma que nós disponibilizamos aos nossos treinadores, independentemente de estarem no Benfica Campus, no EUL, nos centros de formação e treino, ou nas nossas academias no estrangeiro, porque, entretanto, o Benfica escolheu um caminho de expansão internacional e, portanto, tem uma série de academias espalhadas pelo mundo, projeto que pretende continuar a desenvolver. Essa plataforma é disponibilizada aos treinadores que estão nesses sítios. É uma plataforma bastante detalhada na forma como o Benfica vê a sua formação em todos os aspetos, tanto nos perfis de jogadores, naquilo que é esperado por posição, naquilo que é esperado em termos táticos da equipa, naquilo que é o modelo de jogo. Em todos estes parâmetros, convidamos os nossos treinadores a seguir um modelo, achando, naturalmente, com alguma flexibilidade, que podem acrescentar algo, mas seguindo um modelo base que nós consideramos que vai formar um tipo de jogador”, esclareceu o diretor geral do Benfica Campus.

Jogadores da formação do Benfica
Jogadores da formação do BenficaSL Benfica

Esse processo resulta de muitos anos de trabalho e de debates informais, sobre como se deve formar um determinado perfil de jogador, tendo como base o ADN Benfica e o que se procura para o futuro. Luís Araújo, que está no Benfica Campus desde o primeiro dia, teve voz ativa na implementação da metodologia, ao lado de diversos treinadores da formação.

Durante muitos anos o facto de partilharmos o mesmo espaço de trabalho criou muitos momentos informais de debate e discussão sobre como jogar, o perfil do jogador, o perfil do jogador à Benfica, o perfil da posição, o modelo de treino, e foram essas discussões informais que deram aquilo que nós pensávamos que podia ser o modelo de treino e o modelo de desenvolvimento dos jogadores. Depois, faltava o passo seguinte, e que está muito dentro de cada um de nós.  Depois todos os treinadores que iam entrando foram dando um input de cada um deles para aquilo que ficou definido como o Formar à Benfica. Há um documento, um modelo de desenvolvimento de jogadores que fazemos questão que nunca esteja fechado, está sempre em desenvolvimento e estamos sempre em permanente discussão para mais um acrescento àquilo que é o nosso modelo de desenvolvimento de jogadores”, explicou o treinador do Benfica ao Flashscore.

Luís Araújo, treinador dos juniores do Benfica
Luís Araújo, treinador dos juniores do BenficaSL Benfica

O modelo e o ADN Benfica

Atualmente na equipa B, e já com 9 anos de clube, o defesa central João Fonseca apareceu no Centro de Treino e Formação de Aveiro. Foi um passo decisivo para chegar ao Benfica Campus.

João Fonseca, central do Benfica B
João Fonseca, central do Benfica BSL Benfica

"Acho que é tudo muito profissional. A grande diferença que eu senti foi mesmo a nível de infraestruturas. Os treinadores eram todos muito competentes. Depois acabávamos por ter torneios em que se juntavam vários jogadores de CFT's, tínhamos um bom convívio e acho que foram momentos muito felizes que eu vou recordar sempre", recordou ao Flashscore.

Um dos quartos no Benfica Campus
Um dos quartos no Benfica CampusSL Benfica

Poderia esperar-se uma mudança quando chegou às instalações no Seixal, mas isso não aconteceu: “É uma continuação. O trabalho desenvolvido lá já era muito parecido e foi uma adaptação fácil a nível de treino”.

Esta proposta de trabalho, para quem dirige o Benfica Campus, é inegociável. Há uma identidade que tem de permanecer, com o objetivo claro, de cada vez mais, entregar na equipa principal do Benfica jogadores que sigam uma determinada linha de trabalho e de sucesso, seja quem for o treinador da equipa principal, garante Guilherme Müller.

O clube tem um modelo, o clube tem um perfil em que acredita. Acredita num jogador e naquilo que são os valores Benfica. O jogador, enquanto um exemplo de valores dentro e fora do campo, mas também nas quatro dimensões habituais do rendimento. Independentemente da qualidade dos treinadores, independentemente da experiência dos treinadores, não pode estar dependente do perfil de um determinado treinador que pode, num determinado momento, estar no clube, mas depois deixar de estar. O que nós pretendemos é que o treinador da equipa A, quando olhar para estes jovens, poder reconhecer-lhes características daquilo que tipicamente é o que se espera e que os adeptos esperam. Não será igual se o modelo de jogo em que o rapaz tiver passado cinco, dez, quinze anos a jogar, afinal for diferente, se o tipo de indicações que lhe for dada for diferente, se o tipo de posicionamento em campo for diferente, se o tipo de forma como se deve comportar em campo for diferente. E, portanto, aquilo que nós queremos é que haja de facto bastante uniformidade na forma como preparamos os nossos jogadores”, explicou o diretor.

Espaço de convívio no Benfica Campus
Espaço de convívio no Benfica CampusSL Benfica

No Benfica Campus, oito em cada dez jogadores serão no futuro jogadores profissionais de futebol. É uma taxa de sucesso incrível.

“Não sei se haverá muitas universidades com esta taxa de empregabilidade. Portanto, acho que, de facto, é motivo para os pais acreditarem que os seus filhos, poderão um dia vir a ser jogadores de futebol. Mesmo que não necessariamente na equipa A do Benfica”, referiu Guilherme Müller.

De Rúben Dias a João Félix

E são muitos os casos de sucesso, mesmo que não se fixem na equipa principal. Contudo há aqueles que crescem e se afirmam como jogadores de top mundial, como são os casos de Rúben Dias, João Neves, Bernardo Silva, Gonçalo Ramos, João Cancelo, João Félix e tantos outros, alguns dos quais foram treinados por Luís Araújo.

"Eu costumo dizer que esses são os maiores troféus que um treinador de futebol de formação tem ao longo da sua carreira. Eu, felizmente, por trabalhar no Benfica, já ganhei muitos títulos a nível coletivo. Mas ao ver um jogador da formação estrear-se na equipa principal e afirmar-se no futebol internacional e profissional, enche-nos de orgulho. Lá em casa já me viram emocionar muitas vezes a ver esses jogadores a triunfarem. Portanto, é a noção de que o objetivo para que nós nos propusemos e com que nos comprometemos com o Benfica, está a ser conseguido. Mas dizer que é um objetivo concluído ou atingido, não, porque este é o nosso trabalho e nós temos que, continuar a desafiar-nos para conseguir que mais jogadores consigam atingir esses patamares”, explicou o treinador.

Vista do Benfica Campus
Vista do Benfica CampusSL Benfica

80 troféus conquistados na formação

Todos estes jogadores tiveram em comum a experiência de viverem no Benfica Campus que, desde a sua criação, já conseguiu 80 troféus nacionais e internacionais, com a Youth League de 2021/2022 à cabeça. A cultura de vitória está presente em cada esquina, mas haverá momentos em que se terá de dar um passo atrás, para se ganhar mais à frente. Trocar um título de formação por mais jogadores na equipa principal, não é o fim do mundo, é uma afirmação do projeto.

Tenho de responder sim a essa pergunta. Essa é a nossa missão. É para isso que eu trabalho todos os dias, foi isso que me foi pedido. Apesar de, claro, ficar muitíssimo satisfeito e vibrei efusivamente com qualquer dos títulos conquistados o ano passado. Além dos títulos de campeão nacional, também a Taça Revelação nos Sub-23, porque foi a primeira vez que conquistámos um título neste escalão, que é um escalão difícil dentro do Benfica, é bastante exigente tanto para o treinador como para o jogador. E, portanto, supersatisfeito, até porque o ambiente benfiquista, os seus sócios e adeptos, assim o exigem. Temos de fazer esta reciclagem de vez em quando da nossa missão, para ter a certeza de que ninguém se esquece que verdadeiramente aquilo que nós temos de fazer aqui é pôr, no mínimo, dois jogadores por ano na equipa A. É essa a nossa missão”, afirma sem problemas Guilherme Müller, que é seguido pelo treinador Luís Araújo: “Sem dúvida que o principal objetivo é formar jogadores para a equipa principal, mas sem nunca esquecer uma parte muito importante naquilo que é o desenvolvimento do jogador, que é a parte social e a parte de cidadania dos jovens, que os pais nos entregam e muitos deles com idades de 12, 13 anos saem de junto das suas famílias para virem residir aqui. Portanto, nós também temos uma responsabilidade acrescida de formar, não só jogadores, mas também homens”.

Ginásio no Benfica Campus
Ginásio no Benfica CampusSL Benfica

800 milhões de euros em vendas na formação

Uma realidade incontornável são as receitas provenientes do Benfica Campus, avaliadas em cerca de 800 milhões de euros até ao momento. Bem acima do que os rivais Sporting e FC Porto conseguiram. 

É muito bom por vários motivos. Porque mostra que o retorno do investimento feito na formação do Benfica é enorme. Haverá poucas empresas que, com o investimento que foi feito ao longo dos últimos dezanove anos no Benfica Campus, e no resto da formação, que consigam uma rentabilidade tão boa”, afirmou Guilherme Müller.

Um dos problemas transversal a todo o futebol português é a retenção do talento no imediato. A solução passa por tentar reter cada vez mais tempo, porque é praticamente impossível ombrear com as grandes potências do futebol europeu.

Eu acho que se formos sérios nesta avaliação, isto também é difícil para o jogador de futebol. Qualquer pessoa, por muito que goste do seu trabalho, trabalha com o objetivo de ganhar dinheiro para sustentar o resto da sua vida. E, portanto, naturalmente, se o objetivo é ganhar dinheiro com o trabalho, se lhe oferecerem muito mais dinheiro para fazer o mesmo trabalho, à partida, a pessoa tenderá a aceitar. E depois há a perspetiva desportiva. A verdade é que neste momento, o Benfica não tem as mesmas ambições de outras potências com muito mais dinheiro. Enquanto é óbvio que um Real Madrid é um supercandidato a ganhar a Liga dos Campeões, ou o Mundial de Clubes, ou outra coisa qualquer, aplicando-se o mesmo ao Barcelona e outros, para o Benfica não é assim. O Benfica tem essa ambição e bem, de acordo com o que é a sua história, mas não é óbvio que seja o primeiro candidato. Acho que o nosso desafio enquanto futebol de formação é criar mais jogadores de qualidade para que um vá ter de terminar o seu percurso no ano um, outro conseguiremos aguentá-lo no ano dois e outro conseguiremos ao ano três. Acho que sendo este o nosso desafio, temos de tentar prepará-los ainda melhor para que depois lhes sejam dadas mais oportunidades para mostrarem que conseguem fazer este plano até ao fim”, explicou o diretor do Benfica Campus.

Mas não são apenas os jogadores que geram cobiça no Benfica Campus. Muitos treinadores e outros elementos de staff, não conseguem ser retidos a trabalhar no Benfica: “O Benfica tem um plano de formação dos seus recursos claro e definido, e por isso também são aliciados por concorrentes com mais capacidade financeira do que o Benfica tem, e, portanto, tem sido uma realidade também no futebol de formação do Benfica nos últimos tempos. O Benfica não conseguir competir com este advento de clubes endinheirados de geografias diversas”.

Espaços de recuperação no Benfica Campus
Espaços de recuperação no Benfica CampusSL Benfica

19 anos, 19 hectares

As instalações são de topo e nada ficam a dever às maiores potências do futebol mundial. Com 19 anos feitos em setembro último, ainda há muito para crescer. O Benfica Campus tem de tudo numa área de 19 hectares. Nada foi deixado ao acaso. É uma cidade desportiva que, além da formação, alberga a equipa principal em dias de treino e o futebol feminino. São duas centenas os funcionários existentes e que garantem que nada falte aos jogadores. Desde os momentos de treino e competição, passando pelas refeições, educação, acompanhamento psicológico e pedagógico, e momentos de lazer. O tempo não pára e a evolução é constante.

Benfica Campus conta com 19 hectares
Benfica Campus conta com 19 hectaresSL Benfica

Esta instalação desportiva tem evoluído ao longo dos tempos. Desde 2006 até à altura em que estamos agora, foi evoluindo em dimensões diferentes, mas principalmente na sua própria dimensão. Ou seja, começa com poucos campos, é muito alargada, começa com menos equipas, aumenta o número de equipas, aumenta o número de serviços de apoio aos jogadores e, portanto, atualmente, não tenho dúvidas nenhumas que está ao nível dos melhores. Aquilo que vamos sentindo, naturalmente, é que a pressão tem aumentado um bocadinho. O Benfica continuou a crescer em termos de número de equipas. A equipa principal do futebol feminino também já utiliza esta instalação. Entretanto, por comparação com o seu início, foi criada uma equipa sub-23. A equipa B também não arranca desde o início e, portanto, aquilo que sentimos é que neste momento existe alguma pressão e, poderá num futuro não muito longínquo, ter de se considerar a possibilidade desta infraestrutura poder eventualmente crescer, nomeadamente ao nível de relvados. Vou dar um termo de comparação interessante. Estivemos no Chelsea a propósito do jogo da Youth League. Em termos de condições de trabalho para as pessoas e mesmo para as infraestruturas para os jogadores, eu acho sinceramente que nós estamos melhores do que o Chelsea. Em termos de metodologia, não ficamos a dever nada a ninguém. Nós temos seis campos relvados, e vamos dizer, dois campos e meio sintéticos. Eles têm um campo sintético e trinta e um campos relvados”, revelou Guilherme Müller.

Uma diferença significativa, que muitas vezes coloca constrangimentos nos diversos momentos de trabalho, mas que não impede que os talentos continuem a aparecer constantemente, mesmo que não estejam, no momento, no “radar” dos sócios e adeptos.

Há muito mais para conhecer no Benfica Campus. O Flashscore publicará ao longo dos próximos dias as entrevistas completas ao diretor geral Guilherme Müller, ao treinador Luís Araújo e ao jogador João Fonseca, para que o leitor possa conseguir uma melhor leitura da realidade do Benfica Campus e por que tem tanto sucesso nacional e internacional.