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João Pedro deixou Portugal em 2022 e, desde então, nunca mais regressou. Passou por Turquia, Grécia e, mais recentemente, o Vietname passou a ser o seu presente. Aos 28 anos, o avançado português continua a fazer aquilo que melhor sabe – marcar golos –, num campeonato menos mediático, mas onde voltou a saborear a luta por títulos.
O camisola 80 do Hanoi FC não esconde a saudade de Portugal, mas o momento é de continuar a elevar a bandeira portuguesa (e dos Açores) além-fronteiras, até porque sente que é fora da sua “zona de conforto” que pode continuar a fazer aquilo que mais gosta nesta fase da sua carreira.
"Jogar onde me sinta feliz e onde sinta que me querem." Tão simples quanto isto. Estes são os desejos de João Pedro, que deixou uma promessa ao Flashscore no final da entrevista.

"Já tinha saudades de lutar por títulos"
- Qual é o balanço que faz desta aventura no Vietname?
- Vou ser sincero, eu próprio fiquei surpreendido quando vim para cá. Claro que foi uma decisão minha, mas aconteceu devido a certas circunstâncias, a maneira como o futebol, por vezes, nos troca as voltas. Tinha assinado com uma equipa no Dubai, mas surgiu um pequeno problema e, nesse momento, a solução foi vir para aqui. O início foi complicado, como já esperava, porque esta é uma equipa que luta por títulos. O campeonato já lhes escapa há algum tempo, e trata-se de um clube exigente, onde a adaptação nem sempre é fácil. Mas eu gosto de desafios e aceitei este com entusiasmo, exatamente por isso.
O facto de lutar por títulos, de viver uma experiência nova e de poder contribuir com a minha experiência – que, embora não seja enorme, já é alguma – motivou-me. Já passei por vários campeonatos, joguei em diferentes equipas e ao lado de grandes jogadores. No geral, está a ser uma experiência positiva. Estamos na luta pelo título, que é o principal objetivo, e acredito que vamos conseguir.
- Quando recebeu a proposta para o Vietname, quais foram as suas principais preocupações?
- O mercado estava quase a fechar, e eu não podia arriscar. Já me tinha sujeitado a recusar certas propostas, incluindo algumas muito boas, como equipas para jogar na Conference League. Mesmo na Grécia, tinha as portas abertas em vários clubes, apesar do carinho especial que tenho pelo Panetolikos, onde passei dois anos magníficos. Também havia possibilidades noutras partes da Europa, mas nesta fase da minha carreira tenho de pensar noutros objetivos e já não posso abdicar de certas oportunidades.
Uma coisa que eu já queria há algum tempo era voltar a lutar por grandes conquistas. No Panetolikos, o objetivo era disputar competições europeias, mas nem sempre isso é possível. Aqui, no entanto, a meta era lutar pelo título. Já tinha saudades desse tipo de ambição.
O foco agora é conquistar o campeonato e garantir um lugar nas competições asiáticas. Por isso, aceitar esta oportunidade foi, ao mesmo tempo, fácil e difícil. Com todo o respeito, estou a adorar esta experiência, porque, no fundo, permite-me mostrar o meu futebol, o futebol português. E sinto que sou uma peça importante para a equipa, ajudando-os a evoluir, que é exatamente um dos motivos pelos quais me contrataram.

- O que nos pode dizer sobre a competição. E sobre as equipas?
- Entre as equipas, não há grandes diferenças, porque são todas muito aguerridas, lutam por cada lance até ao fim. Claro que, muitas vezes, o jogo acaba por ser um pouco desorganizado, mas com certos treinadores, métodos de trabalho e jogadores específicos, isso tem vindo a melhorar. Há uma tentativa de praticar bom futebol, de jogar de forma organizada, mas nem sempre é possível – como em qualquer lado, nem sempre dá para jogar bonito. Ainda assim, aqui conheci jogadores com carreiras impressionantes. O nosso capitão, por exemplo, tem um percurso incrível no futebol asiático e na Liga dos Campeões da Ásia.
Além disso, praticamente todos os jogadores da minha equipa fazem parte da seleção do Vietname, o que é positivo dentro da realidade do país. No fundo, estou a trabalhar com os melhores daqui, e gosto disso. É uma experiência diferente daquilo a que estou habituado, com alguns episódios inesperados, o que é normal, mas faz parte. No final, é mais um aprendizado para a minha carreira e para mim.
- Como descreve os jogadores vietnamitas?
- Jogadores com garra.
- E em relação ao teu estilo de jogo? Sentiu necessidade de se adaptar ou mudar muito para corresponder às exigências dos defesas ou da própria competição?
- Vou ser sincero, e talvez seja isso que distingue certos jogadores de outros. É normal que alguns jogadores se adaptem melhor a certos treinadores e outros nem tanto. No meu caso, respeito sempre as regras e as ideias do treinador, mas sem perder a minha identidade e a forma como gosto de jogar futebol. Em qualquer equipa onde joguei – e onde vier a jogar – tento sempre manter essa essência. Na minha vida sou assim: digo o que penso, sempre com respeito e educação, porque foi assim que fui criado pelos meus pais. E levo isso para dentro de campo. Foi dessa forma que aprendi a jogar futebol, é como gosto de jogar e como vejo o jogo. Claro que respeito as diretrizes da equipa e do treinador, mas também tento pôr em prática a minha visão do futebol.
É evidente que preciso adaptar-me – o futebol é diferente, os campos são diferentes, até as bolas são diferentes. O início foi complicado, mas essa adaptação aconteceu rapidamente. Sempre fui uma pessoa que se adapta bem. Desde muito novo, tive de aprender a ajustar-me às circunstâncias. Aos 16 anos, já era profissional. Saí dos Açores para o continente e precisei de me adaptar.
No Santa Clara, jogava com adultos que, felizmente, me deram uma base sólida. O mesmo aconteceu no Trofense, quando joguei no Campeonato de Portugal, e depois no Gil Vicente. Sempre estive rodeado de pessoas que me ensinaram como me comportar no futebol e como ser dentro e fora de campo. O meu pai também teve um papel fundamental nesse processo, mas, no fim, tudo depende também da minha própria mentalidade.

- Muitas diferenças do ponto de vista cultural?
- Aqui, eles não têm o hábito de passar muito tempo no balneário, o que é uma grande diferença. Isso mexe um bocado comigo, porque na Europa começamos a criar um grupo de trabalho dentro do balneário. Por exemplo, nós chegamos ao estádio, vestimo-nos e, normalmente, só os estrangeiros ou os jogadores mais experientes ficam no balneário a fazer a nossa pré-ativação antes do jogo. Muitas vezes, pedimos aos mais novos para ficarem também, mas eles pegam nas suas coisas e vão logo para fora, sentam-se nos bancos até a hora do aquecimento. É a realidade deles, o que estão habituados a fazer.
Quanto à maneira deles trabalharem, claro que respeito. Eu também tento fazer a minha adaptação, fico um pouco mais no balneário e depois saio. Mas no início foi um choque, algo estranho. No entanto, acho que, no fundo, eles querem evoluir. Eles têm o desejo de levar o futebol vietnamita ao mais alto nível. E até a própria seleção está a tentar chegar ao Mundial. Para isso, têm de começar pelos clubes.
- Existem boas infraestruturas? Bons campos?
- Existem aqui estádios bons e equipas com bons centros de treino e infraestruturas. No entanto, também há o lado da política, que muitas vezes impede o progresso e a construção de novas infraestruturas. No caso da nossa equipa, acredito que gostariam de investir, mas existem limitações, pois o país é governado de forma autoritária. Há muitas regras que acabam por travar um pouco a evolução do futebol aqui.

"O mais importante é jogar onde me sinta bem e onde sinta que me querem"
- Como é que as pessoas vivem o futebol no Vietname?
- Estou habituado a sentir o apoio caloroso dos adeptos. Na Grécia, em Portugal no Vitória SC, a atmosfera era incrível. No Paços, na época em que estávamos a fazer uma boa temporada, a massa associativa também era fantástica. Na Turquia, a energia dos adeptos é de outro nível. Na Grécia, é como no Vitória SC: o estádio está sempre cheio, a equipa da cidade recebe o apoio de toda a gente.
Aqui, há apoio também, mas é diferente. Se a seleção jogar, o estádio enche. Quando são jogos de clubes, não é sempre o caso, embora haja estádios que enchem. No entanto, mesmo quando o estádio está cheio, não se sente a mesma vibração, aquela adrenalina dos adeptos, que eu pessoalmente gosto muito. Gosto de jogar com o estádio cheio, mas aqui, nem sempre isso é possível.
- Já o reconhecem nas ruas?
- De vez em quando. Começam a perceber quem sou, mas isso é algo que gosto aqui. Posso ter uma vida tranquila. Se for a um restaurante ou ao shopping, posso aproveitar o tempo de forma sossegada, sem grandes perturbações. Fora de campo, levo uma vida bastante calma. Claro que há certos lugares onde sou mais reconhecido, mas não é nada exagerado. Comigo, tudo bem, mas se falarmos dos jogadores da seleção do Vietname, aí a situação é completamente diferente.

- Gosta de viver em em Hanoi?
- Hanoi é uma cidade muito grande. A parte do centro é mais turística, enquanto eu vivo numa área onde moram mais estrangeiros, como coreanos e chineses. Essa zona é mais evoluída, mais moderna, com prédios incríveis e shoppings. A vida lá é mais fácil, podemos fazer as coisas com mais comodidade.
Quando vamos para as zonas mais turísticas, aí a situação já é diferente: há muita confusão, muitas motos, barulho. No início, o som dos apitos das motos incomodava-me. E o facto de as motos terem prioridade sobre os peões e os carros também foi algo estranho. Ou, por exemplo, quando tentas parar, tens de fazer sinal ao carro para ele parar, e mesmo assim, ele vai passar por trás de ti. No começo, tudo isso foi complicado, mas acabei por me adaptar.
- São as tais diferenças culturais...
- Sinto que, por mais que o inglês não seja muito falado por aqui, principalmente em certas zonas, eles tentam sempre dar o seu melhor. São muito atenciosos, até carinhosos, e muito trabalhadores. Aqui vemos como eles trabalham muito. Uma pessoa normal acorda às cinco e meia da manhã e, muitas vezes, só chega a casa às duas ou três da madrugada. É uma realidade completamente diferente, e por vezes é um choque. No entanto, não vejo, por assim dizer, pobreza. Claro, há sinais de pobreza, mas não há falta de comida para a população. As pessoas são saudáveis, vemos até idosos a fazer exercício físico e crianças a brincar na rua, o que eu adoro.
É algo que, na Europa, se perdeu muito. Aqui, as crianças brincam descalças, sem grandes diferenças sociais, numa simplicidade que é muito bonita de ver. Gosto de ver as crianças a brincar ao diablo, a jogar futebol, a jogar badminton sem rede... São coisas simples, mas cheias de vida. É verdade que, apesar disso, enfrentam dificuldades para cumprir os seus sonhos e objetivos, o que nem sempre é fácil. No entanto, o mais importante é que as bases estão lá. O país tenta garantir condições para a sua população, como acesso à saúde, alimentação e habitação. E isso, para mim, é um passo muito importante para o progresso de uma nação.
- O que espera que esta oportunidade lhe dê em termos de futuro?
- Não gosto de fazer planos no futebol, porque muitas vezes o futebol prega-nos partidas, tanto boas como más. O meu objetivo agora é ser campeão aqui e ajudar o Hanoi. Só depois, é que penso no futuro. Claro que penso sempre em jogar nas melhores condições possíveis, onde me queiram e onde me sinta bem-vindo. Quando chegar o momento certo, então penso nisso.
Às vezes, surgem-me ideias, claro. Tenho uma noção do meu valor e sei o que posso ou não fazer. Mas, no fundo, o mais importante para mim é jogar onde me sinta bem e onde sinta que me querem. E foi sempre assim que fiz até hoje. Não faço perspetivas a longo prazo. Tenho objetivos bem definidos, sei o que quero, mas não me preocupo em saber se vou jogar o ano seguinte, se vou renovar, ou o que vai acontecer. Acho que não vale a pena.
Desde que estava em Portugal, deixei de pensar assim. A minha mentalidade mudou. Penso mais em valorizar o meu futebol, sentir-me feliz a fazer aquilo que amo, que é jogar futebol. E vou jogar onde me sintam bem-vindo. Agora, não posso fazer perspetivas, porque o futebol é imprevisível. Não se sabe o que vai acontecer amanhã.

"Sinto saudades do futebol português"
- O João Pedro saiu de Portugal em 2022. Mudou muito?
- Claro que ganhei muita maturidade, mas, para ser sincero, acho que não mudou assim tanto. Quem trabalhou comigo diariamente sabe quem eu sou, tanto dentro como fora de campo, e nunca escondi isso de ninguém. Sempre fui fiel à minha essência.
Sou uma pessoa que só gosta de seguir um caminho e nunca vou fingir ser outra pessoa só para agradar ou para fazer sorrir. Claro que ganhei muitas experiências, culturais e de vida, mas desde muito jovem já passei por situações que me deram uma bagagem importante. Cresci muito rápido, porque tinha que lidar com adultos, sendo ainda um miúdo. E é aí que, na minha opinião, formei a minha verdadeira personalidade, que é o que considero bom.
Gosto da minha personalidade. O que aprendi foi a lidar melhor com ela. Porque sou uma pessoa que odeia perder. Até nos treinos. Muitas vezes, em Portugal, sentia que, para algumas pessoas, talvez fosse melhor não ser assim, mas para outras era algo positivo, dependia da situação. Mas, no fundo, eu nunca vou mudar esse lado, porque a minha ambição de ganhar é muito forte. Claro que, se perder um jogo, ou um exercício no treino, vou para casa de forma diferente e lido com isso de maneira distinta, mas a vontade de vencer, de mostrar o meu melhor e de fazer o possível para ganhar, essa ambição não mudou. A única coisa que mudou foi a forma como lido pessoalmente com essas situações.

- Não se arrepende de ter saído de Portugal?
- Não, não me arrependo. Como já disse anteriormente, vou jogar sempre onde me sinta valorizado. Onde me querem. Não vou forçar a minha ida para um clube, nem exigir que um treinador ou presidente me coloque a jogar. Não vou impor a minha presença numa equipa. No entanto, também não vou deixar que ninguém decida por mim. Eu, a minha família e os meus representantes decidiremos os meus próximos passos.
Gostava, em muitas situações, de ter ficado, sim. Mas, muitas vezes, o que realmente conta não é o que queremos, mas sim o que as pessoas que estão à frente decidem. Se não me querem num determinado lugar, vou à procura do meu sonho, de um sítio onde me sintam valorizado e onde eu possa mostrar o meu futebol – como sempre fiz, onde quer que tenha jogado. Sempre procurei dar o meu melhor e sempre ajudei as equipas a alcançar os seus objetivos. Sempre marquei golos, sempre fui um profissional exemplar, e quem trabalhou comigo sabe disso – sejam treinadores ou outras pessoas que fazem parte do futebol.
O futebol é muito mais do que apenas os 11 jogadores ou os 25 que compõem o plantel. É o staff, as pessoas que estão por trás, como os fisioterapeutas, os médicos, até quem prepara a comida para nós. O futebol envolve todos eles, e eu fico mais feliz quando alguém que trabalha na cozinha de um clube me dá um abraço sincero do que quando um treinador o faz. E estou a ser muito sincero quando digo isto. No futebol, muitas vezes, tudo é sabido, mas nem sempre a realidade corresponde àquilo que se demonstra. A hipocrisia é muita, e, embora seja uma palavra forte, é o que sinto. Isso deixa-me triste, não só por mim, mas também pelos meus colegas, que fazem grandes épocas e, no ano seguinte, já não são considerados importantes. Equipas que chegam a competições europeias, com jogadores portugueses, e no ano seguinte já são descartados, enquanto se vão buscar jogadores estrangeiros. Há propostas recusadas e jogadores impedidos de sair, para depois serem desprezados. E no final, acabam por ser criticados, dizendo que já não são bons. Esta é, infelizmente, a realidade do futebol português. E, por mais triste que isso me deixe, tenho de seguir o meu caminho, fazer a minha vida.
- O que dizer sobre as passagens pelo Bursaspor (Turquia) e o Panetolikos (Grécia)?
- O Bursaspor foi incrível. Estive por pouco de conseguir ajudar o clube a manter-se. Foi um objetivo muito difícil, quase impossível, quando cheguei. Mas, por pouco, não conseguimos. Se tivesse sido possível, talvez o clube não estivesse na situação em que se encontra hoje. Agora está na quarta divisão, mas continua a ser o clube que enche mais vezes o estádio, com 40 a 50 mil pessoas. Não há palavras para explicar isso.
O Panetolikos é igual, pois é o clube da cidade. Esses clubes marcam-me. Marcam-me porque são feitos de pessoas que têm pouco, vivem com pouco, mas exigem que demos tudo por eles. E eu sinto que, se algum dia voltar lá, sei que vou sentir o carinho das pessoas. Já voltei ao Bursaspor e pude sentir esse carinho, e em Atenas também recebo um carinho incrível. São mensagens, comentários, gestos de afeto que são comuns, especialmente quando passo pela Grécia.
Quando vou para Atenas, sinto a saudade. São pessoas que têm muito carinho por mim, e por mais que os clubes não estejam no topo, mereciam estar. Sei que, por onde passei, deixei as portas abertas. Sinto que cumpri o meu dever, porque dei tudo o que tinha. Só tenho saudades e desejo o melhor para esses dois clubes. E, claro, não posso deixar de mencionar os adeptos do Vitória SC, que são incríveis. Adorei a minha passagem por Guimarães.

- O João Pedro construiu uma carreira a pulso. Está satisfeito com tudo aquilo que alcançou?
- Estou muito satisfeito, principalmente porque nunca virei as costas à luta. Em todos os desafios que enfrentei na minha carreira – alguns por minha culpa, outros não – sempre consegui superá-los e mostrar que, talvez, quem tinha razão fosse eu. Reconheço tanto os meus erros como as minhas qualidades, e sei admitir quando estou errado. Mas também sei defender quando estou certo. E acho que isso foi fundamental para o meu crescimento. Sinto um grande orgulho pessoal por isso e não tenho qualquer problema em dizer. Sempre consegui superar todas as batalhas e nunca desisti, nem vou desistir.
- O que te marcou mais do que viveste em Portugal? O que sentes mais saudades?
- Sinto muita saudade de Portugal, do futebol português. A nível futebolístico, é simplesmente incrível. A tática, a personalidade de certos treinadores, a forma como jogamos contra grandes equipas... Independentemente da equipa, a mentalidade era sempre a mesma: ou jogamos para ganhar, ou jogamos para dificultar e conquistar pontos.
O futebol não se resume a defender. Temos que ter personalidade. Se no futebol não tivermos personalidade, se não quisermos jogar… como recentemente aconteceu com o treinador do Estoril, que usou uma expressão sobre isso. Se não tivermos essa atitude, não somos ninguém. Mas não é só bonito falar sobre isso, é preciso demonstrar dentro de campo.
E eu acredito que muitas equipas e treinadores têm essa mentalidade, têm essa personalidade dentro do campo. O jogador português também tem isso. O problema é que, muitas vezes, não permitem que o jogador português mostre o seu verdadeiro valor. E o mesmo acontece com os treinadores. Muitas vezes, os treinadores portugueses fazem trabalhos incríveis, mesmo sem as ferramentas ideais, e acabam sendo descartados.

"O crescimento vem quando saímos da zona de conforto"
O João Pedro diz que Portugal tem tudo, mas a verdade é que continuamos a assistir à saída de jogadores portugueses para campeonatos e países remotos, como a Indonésia, a Coreia, o Vietname... Consegue explicar esse fenómeno?
- Todos sabemos a realidade do futebol português. O que é português, muitas vezes, não é valorizado. Só se valoriza quando se ganha, e acho que isso é um grande problema. Mesmo os treinadores portugueses só são realmente valorizados quando vão para o estrangeiro.
A quem é que isso se deve? Não sei dizer ao certo, mas muitas vezes não é culpa dos presidentes, talvez seja do diretor desportivo. Percebe o que estou a dizer? A realidade é que, por vezes, há pessoas no futebol que nem sabem o que é jogar futebol, que nunca deram um pontapé numa bola. Não sabem o que é uma equipa ou o trabalho que envolve, mas acham que sabem tudo. E, no fim, só pensam nos seus interesses e no negócio.
- Algum conselho para um jogador português que esteja na dúvida se deve ou não sair para o estrangeiro?
- O conselho que dou aos jogadores portugueses, caso tenham a oportunidade de ir para fora, é que arrisquem. Isso já me aconteceu várias vezes: muitos jogadores me perguntam, e a minha resposta é sempre a mesma: o jogador português deve arriscar. Se quer viver do futebol, se quer ser jogador de futebol, tem que sair da sua zona de conforto. Eu sou o mais sincero possível. E, claro, se depois puderem voltar, ótimo. Eu mesmo tenho a intenção de voltar um dia, espero que sim, mas, sinceramente, não sei o que o futuro me reserva.
Temos vários exemplos de jogadores que saíram e tiveram sucesso. Quase todos os jogadores acabam por sair e, na minha opinião, têm de o fazer. Não podem ter medo de dar esse passo. Claro, muitas vezes, saem para campeonatos onde a parte tática pode não ser tão desenvolvida, mas a valorização é muito maior. Não fiquem na zona de conforto, porque é fácil estarmos lá. Mas não podemos contentar-nos com isso. O crescimento vem quando saímos dessa zona de conforto.

- Sente o peso de representar Portugal como único jogador português no Vietname?
- Toda a gente sabe que o jogador português é de qualidade. Todos reconhecem a sua competência, a sua incrível capacidade e profissionalismo. E eu sinto essa responsabilidade. Claro, estou a representar o nome de Portugal, estou a representar os Açores, e estou a levar comigo pessoas que, talvez, gostassem de ter tido essa oportunidade, mas não a tiveram. É isso que tenho de fazer: mostrar ao mundo o que é o jogador português, o que é que eu sou, de onde venho e do que sou capaz.
- O que os seus colegas lhe perguntam sobre Portugal?
- Eles ficam admirados. Ficam mesmo impressionados ao ver como trabalhamos e como o jogador português é tão bom. Chegam a perguntar: "Como é que o jogador português é tão bom?" Sejam croatas, gregos, sérvios, polacos… todos perguntam como trabalhamos. Mesmo aqui, perguntam: "Como é que vocês trabalham em Portugal?". Embora muitas vezes tentem tirar as bases do nosso futebol bonito, nós, jogadores portugueses, tentamos sempre manter essas raízes.
No fundo, o resultado acaba sempre por ser positivo. Temos jogadores portugueses ao mais alto nível, espalhados pelo mundo, e todos, com mais ou menos dificuldades, acabam por ter sucesso.

"Tenho muito orgulho em dizer que sou açoriano"
- O João Pedro tem como objetivo ser campeão no Vietname, mas acredito que tenha mais objetivos. Quais são eles?
- Eu jogo para ganhar, porque não gosto de perder. Claro que nem sempre é possível vencer, mas o meu objetivo é sempre esse: ganhar, fazer a diferença e melhorar a cada temporada. Tento sempre fazer melhor do que na época anterior. E, claro, tenho o objetivo de ser o melhor marcador, mas sei que para isso há muitos fatores envolvidos. Para ser o melhor marcador, não consigo fazer tudo sozinho. Tenho esse objetivo, sei que sou capaz, mas para o alcançar, preciso trabalhar, e a equipa tem de me apoiar, assim como eu tenho de apoiar a equipa.
- O que ainda existe no João que começou no União Micaelense, dos Açores?
- A alegria de jogar futebol continua a ser a mesma. Apesar de, muitas vezes, podermos sentir mágoa por dentro, no fundo, sabemos que é isso que mais gostamos de fazer. Somos privilegiados. A verdadeira alegria está em jogar futebol. Se eu sou feliz, é dentro de campo. Claro que sei fazer outras coisas, mas sem o futebol, não seria o mesmo João Pedro. Tudo o que aprendi, tudo o que sou, foi graças ao futebol.
- É um orgulho carregar a bandeira dos Açores aos ombros?
- Não sou só eu, mas também o Paulo Henrique, o Nené, o Pauleta, entre outros. O que falta, muitas vezes, é querer sair da zona de conforto. Se realmente queremos ser jogadores, essa é uma lição que passo para os jogadores açorianos: da ilha para o continente e do continente para o exterior. São sacrifícios difíceis. Nem todos conseguem estar longe da família, longe do conforto de casa. Mas sinto que, principalmente nos Açores, sou um exemplo. Num bom sentido, claro, e tenho muito orgulho nisso, porque levo os Açores comigo onde quer que vá. Foi lá que passei a maior parte da minha infância, e tenho muito orgulho em dizer que sou açoriano.

Promessa feita é promessa cumprida... ao Flashscore!
João Pedro falou com o Flashscore na véspera da visita do Hanoi FC ao Hong Linh Ha Tinh (1-1) e, no final da entrevista, deixou uma promessa: marcar no jogo do dia seguinte e dedicar o golo ao nosso portal – celebrando com um gesto de "flash" fotográfico.
"Vou fazer", garantiu.
E assim foi. Pouco depois do apito final, recebemos uma mensagem de João Pedro com o link para a foto acima. Cumpriu a promessa: marcou e não se esqueceu da dedicatória.
Obrigado, João Pedro!
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