Poderia ter sido o jogo da redenção e, em vez disso, foi o jogo da confirmação. E o problema é que, neste período, a última coisa de que o Manchester City precisa é de confirmação. A derrota frente ao Liverpool confirmou, de facto, que o atual campeão de Inglaterra atravessa a sua pior crise desde que Pep Guardiola chegou ao lado azul celeste de Manchester com a missão e o objetivo de derrubar a hierarquia nas margens do Irwell.
E o catalão conseguiu-o. E como conseguiu. Aos adeptos do Liverpool que gritavam em coro que amanhã ia ser despedido, o melhor treinador do mundo respondeu levantando seis dedos para o céu.
Os seis dedos
Estes são os seis títulos da Premier League conquistados em oito anos: "Todos os estádios querem despedir-me, tudo começou em Brighton e, talvez, tenham razão, tendo em conta os resultados que alcançámos ultimamente. Mas dos adeptos do Liverpool não estava à espera".
Um comentário, este último, amargo, que Pep não teria feito em tempos de bonança:"A exceção é a realidade que vivemos há oito anos", fez questão de sublinhar quando lhe foi apontado que nunca tinha passado por uma crise destas.
A amargura mistura-se com o nervosismo. Como quando, depois de se ter apresentado na zona mista e na conferência de imprensa com a cara e a cabeça cheias de arranhões, não estava pronto para retorquir com a piada certa, aquela que nunca lhe faltou desde os tempos da fabulosa réplica espanhola com José Mourinho:"Fi-las a mim próprio, quis magoar-me", garantiu, pedindo desculpa pouco depois nas redes sociais.
Autoflagelação
Na realidade, a verdadeira automutilação está a ser praticada por Guardiola e pela sua equipa em campo: irreconhecíveis, tanto na forma como na substância. Na primeira parte disputada em Alnfield, os Cityzen foram vítimas da agressividade que costumam infligir aos seus adversários.
Depois, uma vez em vantagem por dois golos, os Reds entregaram a bola ao adversário, conscientes de que, neste momento, a posse de bola de Gundogan e companhia é mais do que estéril.
Comportamentos contraditórios em campo, típicos de um navio sem rumo que, no final, estão em linha com as mensagens confusas lançadas pelo seu próprio timoneiro, que um dia diz"confio mais do que nunca nestes jogadores" e no dia seguinte sublinha que"é preciso mostrar empenho todos os dias".
Da mesma forma, ao afirmar que"ainda podemos fazer coisas boas esta época", garante que"na situação em que nos encontramos, é irrealista pensar em grandes objectivos".
O fantasma da despromoção
O que é certo é que o capitão não vai abandonar o seu navio, muito menos se este se afundar:"Vamos voltar, tenho a certeza. Não sei quando, mas vamos voltar. É agora que tenho de provar o meu valor".
O mesmo se aplica à possibilidade de a comissão independente nomeada pela Premier League decidir considerar o Manchester City culpado de uma ou de todas as 115 acusações da liga por alegada violação das regras do Fair Play Financeiro.
"O que acontecerá se decidirem excluir-nos da Premier League? Que eu vou continuar aqui. Não sei para que divisão nos vão mandar, mas o que vos posso garantir é que na época seguinte seremos promovidos e assim sucessivamente até estarmos de volta à Premier League", atirou.
Uma verdadeira declaração de amor que, no entanto, não sabemos até que ponto os seus campeões concordam. De facto, o precedente da Juve - Calciopoli 2006 - diz-nos que foram muito, muito poucos os que juraram amor eterno à antiga Signora.
Para já, a única coisa que parece certa - embora nestes casos os adiamentos estejam na ordem do dia - é que o veredito final da Comissão poderá chegar já no início de 2025.
Isto não é uma desculpa nem um álibi. No entanto, não deve ser fácil jogar com a preocupação de que, dentro de algumas semanas, uma Comissão decida que, independentemente dos resultados em campo, terá de jogar na Segunda, Terceira ou Quarta Divisão na próxima época.
Crise total
É certo que, nos últimos tempos, nem a sorte tem estado do lado do City. Salvo milagre, Rodri não voltará a entrar em campo antes da próxima época. Mas a sua ausência, por si só, não é suficiente para explicar a crise de um verdadeiro navio de guerra que, entre outros, também perdeu há demasiado tempo aquele que, pelos seus companheiros de equipa, ainda é considerado o seu farol: o capitão Kevin De Bruyne.
A estrela belga passa agora mais tempo na enfermaria do que no relvado. Da mesma forma, a forma de Kyle Walker, que herdou a braçadeira de capitão de De Bruyne, está longe de ser brilhante. E o que dizer de Bernardo Silva e Phil Foden?
No ataque, Erling Haaland pode fazer muito, mas não tudo. E, neste aspeto, a transferência de Julián Álvarez não foi certamente uma boa decisão.
Porque, apesar da Araña não querer ficar em Manchester, o City deveria ter pensado primeiro no seu próprio bem, encontrando o seu substituto ideal antes de o autorizar a mudar-se para Madrid.
No entanto, a base do sucesso do clube inglês sempre foi a sua invejável solidez defensiva. É por essa razão que os 19 golos sofridos nos primeiros 13 jogos da Premier e os sete em cinco jogos da Liga dos Campeões são um claro teste à dinâmica do City.
É verdade que, até há pouco tempo, Guardiola não tinha praticamente nenhum defesa-central à sua disposição, mas também é verdade que os que lá estavam não desempenharam o seu papel. Prova disso é que na baliza, contra o esmagador Liverpool de Arne Slot, Pep preferiu Stefan Ortega a Ederson. Sim, a crise do irreconhecível Manchester City de Guardiola é de facto total, tal como o seu futebol.