Nascido em Portugal, mas chegado a Inglaterra ainda adolescente, passando do Benfica para o Arsenal, João Virgínia está pronto para uma mudança radical na sua carreira. Depois da última temporada, de facto, vai deixar o Everton, que o acolheu desde os seus anos de juventude, em 2018. Uma carreira como segundo guarda-redes entre Reading, Sporting e Cambuur culminou no seu ano de despedida em Goodison Park. Agora, porém, chegou o momento de dar um grande salto. E não entre os postes, mas para a frente na sua carreira.
- Saiu de Portugal aos 16 anos. Como descreveria esse momento e a sensação de ter de sair de casa?
- Sim, não é fácil deixar o nosso país quando somos tão jovens. Quando tinha 16 anos fui para o Arsenal, já estava um pouco habituada a viver longe de casa. Mas deixar o nosso país, o bom clima, a boa comida... Mas é verdade que estava a perseguir o meu sonho de jogar futebol ao mais alto nível e estava feliz com isso.
- Já se sente um pouco mais em casa no Reino Unido, certo?
- Sinto-me em casa. Vivi lá quase metade da minha vida. Sinto-me bem em Inglaterra. Quando volto a Portugal ou ao sul da Europa no inverno e estão 15 graus, vejo toda a gente com um casaco e penso: "Vá lá" (risos).
- Agora que decidiu deixar o Everton, gostaria de ficar no Reino Unido ou tentar ir para outro país?
- Não tenho preferência. Gostaria de jogar a um bom nível. Tenho algumas opções pela frente, certamente no verão haverá muitas mais oportunidades. Mas não me sinto preso a um só sítio. Espanha, Portugal, mesmo Itália, seria uma grande experiência para mim.
- Ser sempre o segundo guarda-redes não é fácil. É preciso ter muita força de vontade.
- Sim, sem dúvida. Nos últimos dois anos, fui o segundo guarda-redes, atrás do Jordan (Pickford), e é muito difícil prejudicá-lo, porque ele tem feito épocas muito boas. Trabalhei muito para tentar ganhar um lugar, mas foi difícil. Muitas vezes é preciso esperar por uma oportunidade, uma lesão ou uma desqualificação. Jogamos nas taças, damos o nosso melhor... Acho que fiz um bom trabalho. Mas agora é altura de ir jogar: sinto que tenho de o fazer. Estou numa idade em que preciso de jogar, não quero ser o número dois para sempre.
- Talvez possa dar o exemplo de Emiliano Martínez, que teve muito sucesso aos 29 anos?
- Trabalhei com ele no Arsenal quando era jovem. Ele também era jovem, mas mais velho do que eu. Segui-o muito, e a sua história ensinou-me a ser paciente. Chegou tarde ao topo, e isso dá-me confiança. Embora queira chegar lá cedo, sei que tenho de esperar pela oportunidade certa. Ela pode surgir a qualquer momento, por isso só tenho de estar preparado. Olhando para ele, sinto-me encorajado. Ele chegou ao topo com 29,30 anos.
- Ainda se falam? Ele deu-lhe algum conselho?
- Sim, continuamos em contacto. Sempre que jogamos um contra o outro, falamos um pouco. Ele diz-me para ter paciência. Também estive emprestado ao Reading, onde ele já tinha estado antes de mim. Quando cheguei, falámos muito e ele deu-me muitos conselhos. É um tipo fantástico, um guarda-redes muito bom, e não é de admirar que esteja agora no topo.
- Sobre quem foi o melhor entre Ronaldo e Messi, discordou, embora....
- Não, não, não importa... (risos).
- Nos últimos dois anos no Everton, foi difícil: começou muito em baixo na tabela, depois voltou a subir. Houve alturas em que temeu mesmo a despromoção?
- Sim, quando nos tiraram 10 pontos no ano passado, ficámos muito assustados. De repente, estávamos na zona de despromoção. E sentimos que estávamos em apuros. Mas tínhamos um grande grupo no Everton, unido. Mantivemo-nos unidos e conseguimos dar a volta à época. A cinco jogos do fim, estávamos seguros. Mas foi assustador. Um grande clube como o Everton nunca deveria estar naquela situação.
- E depois a última época em Goodison Park: não podia acabar com a despromoção...
- Sim, foi especial. Aquele estádio deu-nos uma energia extra. Os adeptos eram fantásticos. Em alguns jogos, o público foi inacreditável. É um dos estádios mais barulhentos em que já joguei. É algo especial.
- Há algum momento da última temporada que tenha sido o melhor?
- Sim, quando James Tarkowski marcou contra o Liverpool no último minuto em Goodison. Foi uma loucura. Uma das melhores atmosferas que já vivi num estádio. Toda a gente ficou louca, a saltar, a gritar. Foi como ganhar um título. Apesar de ser apenas um dérbi local, é algo enorme.
- Agora o Everton foi comprado pelos norte-americanos Friedkin, que também são donos da Roma. Teve algum contacto com eles?
- Assim que compraram o clube, vieram ao centro de treinos e apresentaram-se a toda a gente. Era a primeira vez que os víamos. Pareciam motivados para mudar e melhorar o clube. Queriam investir. Só passaram alguns meses, mas penso que o Everton está a ir na direção certa.
- Talvez possa ir para a Roma se o Svilar sair?
- Quem sabe? O Svilar fez uma época extraordinária. Acompanho-o muito: jogámos muitas vezes um contra o outro quando éramos jovens. Ele estava no Benfica quando eu saí. A Roma seria uma óptima opção, é um grande clube. Mas agora está lá o Svilar, e estamos a falar de um guarda-redes muito bom.
- Quem era o ídolo em criança?
- Qual é a relação com ele?
Quando cheguei ao Arsenal, aos 16 anos, ele também chegou do Chelsea. Costumava treinar muito com ele. É ótimo com jovens guarda-redes, fala muito, dá conselhos, dá-nos tempo. Depois do treino, sentávamo-nos e conversávamos. Para um miúdo que o considerava um ídolo, era um sonho. Só o facto de estar ao lado dele era um prazer. Para mim, é o melhor guarda-redes de sempre da Premier League: o recorde de jogos sem sofrer golos fala por si.
- Também esteve uma época emprestado ao Sporting, treinado por Ruben Amorim. O que pode dizer sobre ele a nível humano?
- É um grande treinador, mas acima de tudo um grande gestor de pessoas. Os grandes treinadores têm essa qualidade. No Sporting tínhamos um balneário fantástico, talvez o melhor em que já estive. Mesmo que não se jogue muito, sente-se que o treinador faz as escolhas certas. Isso não acontece muitas vezes. No United, as coisas ainda não correram bem para ele, mas espero que o tempo o ajude.
- Jogou com Pedro Porro e Nuno Mendes. Estava à espera que eles se tornassem tão fortes?
- Sim, conheci-os quando eram jovens. O Nuno já desde a seleção nacional de juniores. Ambos merecem o sucesso. São muito bons laterais e não estou surpreendido com o nível que atingiram.
- Falando do último jogo contra o Newcastle: ganharam num estádio difícil. Sentiu o medo dos adeptos de perder a Liga dos Campeões?
- Quando marcámos, sentia-se a tensão. Mas, no final, os outros resultados estavam a favor deles. Foi estranho: ganhámos, mas eles descobriram que estavam na Liga dos Campeões e começaram a festejar. Estranho, mas compreensível: é um feito importante para um clube como o Newcastle.
- Qual foi o momento mais emocionante da sua carreira?
- Recentemente, o apoio que recebi dos adeptos do Everton quando souberam que eu ia sair. Sempre tive uma óptima relação com eles. Escreveram-me muitas mensagens bonitas. Isso não acontece muitas vezes: normalmente, quando se sai, as reacções não são positivas. Foi muito emotivo. Vou sentir muito a falta deles.
- Então, um pouco como quando deixou Portugal em jovem: agora deixa a sua segunda casa...?
Exatamente. Agora, já adulto, estou a partir de novo. E gostaria de sublinhar que deixo para trás fãs únicos. É difícil comparar adeptos, mas os do Everton são dos melhores que já vi.
