Entre 2016 e 2022, o Burnley foi uma equipa que esteve sempre presente na Premier League sob o comando de Sean Dyche. Apesar de ter acabado por sofrer a desilusão da despromoção, voltou a subir com Vincent Kompany ao leme, somando 101 pontos e jogando um futebol mais atrativo do que aquele a que os adeptos do Burnley estavam habituados.
Mas o estilo de futebol ofensivo do belga não se traduziu na elite do país e o clube foi despromovido mais uma vez. O Burnley venceu apenas cinco jogos, marcando 41 golos e sofrendo 78.
A recompensa por esse fracasso foi uma luxuosa transferência de Kompany para o Bayern de Munique, deixando o Burnley com um buraco a ser preenchido. No final, os dirigentes optaram pelo antigo médio Scott Parker, que só é treinador desde 2019.
Depois de ter sido promovido com o Fulham em 2020 e com o Bournemouth em 2022 - ambos à primeira tentativa - Parker ganhou a reputação de ser um especialista em promoções: exatamente o que o clube precisava.
O inglês era um jovem treinador muito bem cotado, mas a sua cotação tinha caído drasticamente na sequência de dificuldades na Premier League e de dois meses e meio de tórrido trabalho à frente do Club Brugge, da Bélgica.
Mas, depois de 16 meses fora do clube, Parker viu no Burnley a oportunidade perfeita para voltar. A luta pela promoção colocá-lo-ia de volta no seu elemento e, logo no início, deve ter pensado que havia acertado em cheio.
Nos dois primeiros jogos, o Burnley goleou o Luton por 4-1 e o Cardiff City por 5-0, e muitos viam o clube como uma certeza absoluta de que venceria o campeonato, como nos dois anos anteriores.
Com jogadores como Wilson Odobert, Wout Weghorst e Dara O'Shea na equipa, pareciam estar acima da maioria da liga.
No entanto, o Burnley estava a antecipar problemas financeiros para a época seguinte, devido ao menor volume de negócios que a permanência no Championship acarretava. Tinham de equilibrar as contas. Assim, em agosto, o Burnley despediu 11 jogadores da equipa principal, incluindo o trio acima mencionado, deixando Parker com uma tarefa muito mais difícil. Era preciso uma reconstrução, e rápido!
Parker criou uma equipa baseada na solidez defensiva e na organização, numa liga conhecida por ser imprevisível e caótica. Montou uma defesa com linha de cinco e o Burnley acabou por ser previsível, mas em todos os aspetos positivos.
O guarda-redes James Trafford, de 22 anos, considerado um dos jovens mais talentosos da sua posição, teve dificuldades na Premier League na época passada, mas a sua reputação voltou a crescer depois de uma excelente campanha na baliza. O seu momento de maior destaque foi no empate 0-0 com o Sheffield United, rival na promoção, quando defendeu dois penáltis.
De todos os guarda-redes que foram titulares em equipas do Championship, nenhum tem uma percentagem de defesas mais elevada do que Trafford (84,8%).
Mas o seu trabalho foi certamente facilitado pelos defesas à sua frente.
Pedras na defesa
Os laterais Connor Roberts, Lucas Pires e Bashir Humphreys - que está emprestado pelo Chelsea - têm estado em bom nível, mas os defesas centrais têm sido as verdadeiras estrelas.
Não é exagero dizer que CJ Egan-Riley e Maxime Estève estiveram perto da perfeição.
Além de excelentes defesas a nível individual, a dupla complementa-se imensamente, protegendo os pontos fracos um do outro e permitindo que os pontos fortes brilhem.
Depois de passar a sua juventude no Manchester City, Egan-Riley, internacional sub-21 de Inglaterra, foi emprestado ao Hibernian e ao PSV. Defesa moderno que se destaca com a bola nos pés, o jogador de 22 anos gosta de sair da defesa e iniciar ataques a partir do setor mais recuado.
O seu companheiro, Estève, que chegou do Montpellier em fevereiro de 2024, é quatro centímetros mais alto do que Egan-Riley, e isso é evidente no seu domínio aéreo. Mais agressivo e frontal, o francês tornou-se rapidamente um favorito dos adeptos pelo seu estilo de jogo.
Com Egan-Riley e Estève no centro da defesa, o Burnley tem batido recordes atrás de recordes.
À entrada para a última jornada da época, os Clarets sofreram uns impressionantes 15 golos em 45 jogos e ainda não sofreram dois golos num jogo. Se não sofrerem golos contra o Millwall, os Clarets terão 31 jogos sem sofrer golos nesta temporada, batendo o recorde de todos os tempos do futebol inglês, que existe desde 1954.
Se não sofrerem mais de dois golos este fim de semana, tornar-se-ão estatisticamente a melhor equipa defensiva da história do futebol inglês, com uma média de 0,34 golos sofridos por jogo.
A equipa de Scott Parker ficará à frente do Liverpool em 1978/79 (0,38 por jogo) e do Chelsea em 2004/05 (0,39).
A meio da época, o Burnley registou 12 jogos consecutivos sem sofrer golos. Foi o segundo maior número de jogos consecutivos sem sofrer golos no futebol inglês, atrás dos 14 do Manchester United na época 2008/09 da Premier League.
Se não for derrotado no sábado, o Burnley poderá igualar o recorde de 33 jogos sem perder do Reading no Championship.
Trafford, Esteve e Egan-Riley foram recompensados pelos seus grandes esforços, tendo sido todos eleitos para a Equipa da Época do Championship.
"Foi feito um grande trabalho na parte defensiva, não só a nível estrutural e técnico, mas também a nível de mentalidade e do que defendemos como grupo", disse Parker.
"E penso que, se analisarmos mais profundamente os hábitos desta equipa, para além dos jogos sem sofrer golos, se observarmos os jogos ou se virmos apenas alguns hábitos claros que este grupo tem. Defendem a baliza como se a sua vida dependesse disso".
"Se nos observarmos em certos momentos, em termos da verdadeira arte, há muito trabalho, muita determinação e empenho por parte deste grupo de rapazes, o que nos dá essa verdadeira base. E os nossos alicerces estão construídos, neste momento, sobre cimento. Não foram construídos sobre areia".
Parker-vida
Eleito o melhor treinador da temporada do Championship, Parker criou uma unidade e uma cultura que faz com que os jogadores adorem defender. Todos os jogadores em campo trabalham arduamente e recuam, determinados a ver o Burnley a conseguir terminar mais um jogo sem sofrer golos. Como o próprio disse, tornou-se uma forma de arte. Os jogadores estão dispostos a dar a vida pelo treinador e pelo clube.
Mas, apesar do desempenho defensivo quase inacreditável, havia dúvidas sobre a capacidade ofensiva da equipa no meio da temporada.
Por volta de janeiro, o Burnley empatou seis jogos a zero num espaço de 10 jornadas e ficou atrás dos dois primeiros classificados do Championship.
No entanto, a contratação de Marcus Edwards ao Sporting, durante a janela de transferências de inverno, permitiu um aumento de 0,6 golos por jogo, o que provou ser suficiente para o Burnley ultrapassar o Sheffield United na luta pela promoção.
Assim, o Burnley marcou 66 golos no Championship esta época - apenas o Leeds United e o Norwich City faturaram mais.
Mas o que é mais impressionante é o facto de serem os maiores superadores de golos esperados na liga, com um xG de 56,76. Isto mostra o quão clínicos são no último terço e, embora possam não ser tão criativos como várias outras equipas da divisão, fazem questão de aproveitar as suas oportunidades.
E muito disso se deve ao capitão Josh Brownhill. O médio, que está no clube desde 2022, tem 16 golos na liga, o terceiro melhor registo do campeonato.
Com um xG de 9,5, tem sido implacável em frente à baliza, sendo que oito dos seus 16 golos foram decisivos. Líder no balneário e em campo, é indiscutivelmente o talismã do clube.
Com uma temporada verdadeiramente histórica e brilhante pelo Burnley, o nome de Parker voltou a ser bastante confiável. O técnico passou três épocas no Championship, em três clubes diferentes, e conseguiu ser promovido em todas elas.
Só Neil Warnock foi promovido à Premier League mais vezes do que ele (4), e conseguiu-o num período de 28 anos, entre 1990 e 2018. Como já foi referido, Parker está a treinar há apenas seis anos.
"Não sinto que tenha algo a provar. Sou treinador há quatro épocas completas. Nas quatro épocas completas em que fui treinador, em três delas fui promovido e numa época fui despromovido da Premier League", comentou Parker depois de garantir a subida.
"Nas outras duas épocas, perdi o emprego no Brugge ao fim de 10 semanas e no Bournemouth ao fim de quatro jogos", recordou ainda.
"Não achava que tinha nada a provar, mas só precisava de ter a certeza de que era o sítio certo e, desde o momento em que entrei na sala de entrevistas, as pessoas que me rodeavam deram-me um bom pressentimento".
"Quero estar perto de boas pessoas e estou absolutamente encantado, não por mim, mas por este grupo", acrescentou.
A ligação que tem com os seus jogadores é evidente e uma prova de que fez a escolha certa ao regressar ao Burnley. Mas, embora Parker possa pensar o contrário, ainda há algo a provar.
O seu próximo objetivo será manter o Burnley na Premier League na próxima época - um feito que se tem tornado cada vez mais difícil.
Nas duas últimas temporadas, as três equipes promovidas foram despromovidas de forma bastante abrangente, com a diferença entre o Championship e a Premier League num nível nunca antes visto.
Mas enquanto treinadores como Russell Martin no Southampton e Kompany no Burnley tentaram jogar um estilo de futebol ofensivo e arriscado na Premier League, Parker certamente não seguirá esse caminho, e isso pode ser muito melhor para eles. Os jogadores terão de obter resultados, e esta equipa foi construída para isso.
Parker vai tentar desafiar as probabilidades e o dinheiro também terá, sem dúvida, de ser gasto, especialmente na zona ofensiva do campo.
Mas com jogadores como Hannibal Mejbri e Edwards, a equipa já tem alguns elementos de nível superior que deverão sentir-se mais confortáveis na Premier League. O primeiro foi contratado pelo Manchester United no verão e tem sido uma peça valiosa na equipa do Burnley, com e sem bola.
O Burnley também tem de evitar o interesse de outros clubes pelos seus jogadores, com muito barulho em torno de Trafford e Estève.
Mas, por enquanto, Parker e o Burnley vão aproveitar as próximas semanas. Ainda com hipóteses de garantir o título do Championship, precisarão que o Leeds perca pontos no último dia da temporada se quiserem ser coroados campeões.
Mas, realisticamente, isso pouco importará para os adeptos. O trabalho já está feito. O Burnley voltou a ser uma equipa da Premier League e todos podem banhar-se na glória do sucesso sem precedentes desta época.
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