O que ainda o alimenta para continuar a ser treinador: "Quero ganhar o próximo jogo, gosto muito do que faço, não encontro nenhum motivo para deixar fazê-lo ou que não me faça sentir jovem. Tenho uma família que é a melhor que um treinador de futebol pode ter, continuam a motivar-me, a dizer-me que tenho muito pela frente. O sacrifício de não estarmos sempre juntos é compensado por eu sentir-me vivo e motivado. Não encontro uma diferença entre o Mourinho que começou há mais de 20 anos e o de hoje. A maneira como preparo épocas e treinos, crio empatias com os que trabalham comigo, não vislumbro o dia em que está para chegar (o fim)".
"No futebol não há copyright"
É mais difícil ser treinador agora: "É, o jogo mudou. É diferente ao nível do treino, a especialização de equipas técnicas... No início, o treinador era um gestor, então agora a maneira como as equipas técnicas e estruturas estão construídas para dar a apoio... A educação desportiva da parte dos jogadores, os meios de comunicação social... Numa colaboração com treinadores há pouco tempo, perguntavam-me o que era importante para um jovem treinador, a minha resposta foi diferente do que seria há 20 anos. Há 20 anos dizia que o professor Manuel Sérgio ensinou-me que um treinador que só percebe de futebol não percebe nada de futebol, era preciso ter conhecimentos de outros níveis.
Hoje em dia é ter um relações públicas de alto nível, porque hoje o mundo vive de perceções. Antes quem ganhava era o melhor, agora o que cria melhores perceções é o melhor. Fui para a Premier League em 2004 como campeão europeu, nesse ano estavam dois treinadores estrangeiros na Premier League, eu e o Benítez, que tinha ganho a Taça Uefa com o Valencia. Hoje em dia vão treinadores para Premier League que não sei o nome e não o digo de forma desrespeitosa, é simplesmente verdade, há treinadores que são escolhidos com base em data (dados), em números. Hoje vende-se a grande ideia de, mais importante que ganhar, é jogar assim e parecer assim. As coisas mudaram radicalmente".
A perceção de Mourinho é que, independentemente do contexto, tem que ganhar: "Mas isso a culpa é minha, porque ganhei muitas vezes. Não ganhei no Tottenham, estive pouco tempo, cheguei a uma final em que não me deixaram jogar porque fui despedido dois dias antes. Na Roma ganhei, fui a uma segunda final europeia, aqui no Fenerbahçe é verdadeiramente o clube onde estou uma época inteira sem chegar a uma final ou ganhar um título".
Mais desafiante preparar e enfrentar adversários: "Há mais condições para desenvolver, o conhecimento hoje em dia é mais globalizado, antigamente era mais concentrado. Depois dos meus anos do FC Porto houve um interesse muito grande pela forma como eu trabalhava, escreveram-se livros - apesar de eu não escrever nenhum -, falou-se muito de modelo de jogo, transição ofensiva e defensiva, utilizou-se um vocabulário novo. Mas era mais concentrado. Os treinadores de maior conhecimento sabia-se pouco, ninguém sabia como trabalha o Sir Alex (Ferguson), o Marcelo Lippi... Hoje em dia o conhecimento é aberto. Digo muitas vezes à televisão do Fenerbahçe para não filmarem um certo exercício porque demorei muito a pensá-lo e basta alguém ver 10 segundos para o replicar.
Digo sempre que no futebol não há copyright (direitos de autor). Depois, o mesmo exercício e ideia nas mãos de outro treinador é completamente diferente. Tens mil websites, pagos e não pagos, o Instagram de todos os clubes para, quem percebe de futebol, entender o exercício... Hoje em dia é muito mais fácil o conhecimento chegar a todos. Isto dá origem a, com as devidas diferenças, que o mesmo exercício que alguém viu o Ancelotti a fazer no Real Madrid, a utilizá-lo na Liga 3. As equipas estão melhor preparadas. O aparecimento da especialização do analista, digo sempre que desde que não desvirtue a natureza do treinador, é uma arma importante. Sou do tempo em que no Barcelona o senhor (Louis) van Gaal me mandava ver o jogo para um ponto alto para comunicar via auricular. Hoje em dia, eu e todos, na Liga 2, Liga 3, futebol feminino, há um iPad, o jogo ao vivo, câmara tática com diferentes ângulos... Saio do banco três minutos antes da primeira parte acabar, porque no balneário tenho clipes que já escolhi durante o jogo e mostro aos jogadores. Há muita coisa boa à nossa disposição. Antigamente as tecnologias estavam à disposição às equipas mais fortes economicamente, hoje em dia é de todos".
"Um treinador que morre com a sua ideia é estúpido"
Os jogadores são melhores hoje?: "Têm uma educação completamente diferente. Quando, há muitos anos, começaram a falar em modelo de jogo, que originava o modelo de treino, hoje em dia já não só um modelo de jogo, é um modelo com muitas maneiras de jogar. Quando ouço falar de um sistema tático, isso já não existe, existem muitas formas de construir, de defender, com três defesas, com quatro com laterais, com três e um médio... Há muitas situações diferentes para dizer que 'esta equipa jogou em 4-2-3-1'. Podemos chamar a isto cultura tática, o que implica que se treine muito mais do ponto de vista tático, isso é verdade hoje em dia, os jogadores são obrigados a crescer com um conhecimento diferente".
Papel dos laterais: "O problema inerente a isto é que muitas vezes se quer fazer copy paste sem condições para o fazer. Um lateral direito para jogar por dentro tem de ter uma determinada capacidade técnica e adaptabilidade. Um lateral que seja fraco a atacar, não deve nem atacar por dentro ou fora, mas ficar atrás e construir. Algo que vejo muito hoje e sou crítico, são treinadores a tentar fazer copy paste com coisas que viram em contextos completamente diferentes, como jogar a partir de trás com um guarda-redes a jogar mal com os pés é complicado. Quando o Pep Guardiola chegou ao Manchester City o guarda-redes era o Joe Hart, titular da seleção inglesa, ele não o quis, quis o Claudio Bravo que vinha do Barcelona, mas não era suficiente e foi buscar o Ederson, que tinha capacidade para jogar curto e longo.
Querer fazer copy paste relativamente a um treinador que pode comprar consoante o que considera fundamental é complicado. Depois estamos numa geração de treinadores a fazer coisas que não resultam e morrem e dizem 'mas eu morri com a minha ideia'. Se morreste com a tua ideia, és estúpido... Para mim é errado como treinador. Uma coisa é dizeres o que é o teu ideal, também tenho o meu e pude-o construir, há outras situações que não podes. Uma das características que um treinador deve ter é adaptar as suas ideias ao que tem. Eu gosto de ver um lateral a jogar por dentro e a criar superioridade no meio-campo. Mas quantos podem fazê-lo? Adoro o Hakimi que se projeta por dentro e por fora no ataque, mas não há muitos".
Treinadores portugueses nas principais ligas: "Na Premier League há mais do que nunca, há quatro, um dos quais numa das maiores equipas inglesas, é ótimo".
"Não compreendo os clubes que são punidos com o fair play financeiro e pagam"
Ruben Amorim no Manchester United: "Há um momento crítico naquele clube, que é não só a saída do Sir Alex (Ferguson), como a saída em simultâneo do David Gill (antigo CEO), quando sair o meu documentário da Netflix a história vai ser contada. Cheguei depois do David Moyes e o clube ainda vivia esse período (de sucesso), ganhámos várias coisas, ficamos em segundo lugar do campeonato, mas continuo a dizer que não compreendo os clubes que são punidos com o financial fair play e pagam, até porque os que são punidos têm dinheiro para pagar as multas. Deviam ser punidos com pontos, porque pagando pontos teríamos ganho o campeonato (o Manchester City foi punido com uma multa). Não foi o suficiente para ter estabilidade e continuidade. Hoje, com a mudança de propriedade no clube, com um proprietário sem grande experiência no futebol, mas com muita no desporto, o que aconteceu ao Ruben, ser o treinador do pior Manchester United da Premier League e ter continuidade e a confiança para poder continuar com as suas ideias, é um sinal que há muita coisa a mudar no clube. Tendo essa estabilidade, todos estamos de acordo que é um treinador de grande potencial e personalidade. Pode fazer um grande trabalho ali".
Um novo estilo de comunicação: "Comunica-se de outra forma, mas é muito difícil haver sucesso sem empatia. Mais importante do que a comunicação com o exterior, é a empatia que se cria internamente. Quando dizem que sou um grande comunicador, digo sempre 'ok, obrigado, mas um grande comunicador não ganha títulos e eu ganhei 26'. Para ganhar, um treinador tem que ter diferentes capacidades, é algo que com mais ou menos sucesso, tento sempre criar empatias. Não significa que possas permitir que um jogador é mais importante que o grupo, mas já me aconteceu nesta nova geração um clube pensar que um jogador era mais importante que o grupo e perdi. É um princípio fundamental.
"No FC Porto rompi alguns dogmas"
"Se sou exatamente igual ao que era no passado em que ninguém é mais importante no grupo seja quem for, se calhar hoje é preciso ser um pouco mais flexível. Rompi um pouco, já no FC Porto, coisas que eram praticamente dogmas na vida do grupo, isso ajuda a criar uma identidade no grupo, em que o treinador não é o boss porque é o boss, é um elemento do grupo que tem responsabilidades diferentes. Agora tenho idade para ser pai de alguns jogadores, antes tinha idade para ser irmão. Eu não gosto de ter força porque sou o chefe, porque tenho muitos anos ou porque ganhei muito. Gosto de sentir a força conquistada de uma maneira natural, que os jogadores falem daquilo que queiram ou tenham necessidade".
Perder e jogar bem: "Nunca digo que a minha equipa jogou bem se perdeu, nunca. Analisamos o que fizemos bem e mal depois do jogo, é algo que fazemos com grande facilidade. Na equipa técnica, tenho um que só me ajuda a preparar o próximo jogo e outro que me ajuda com o jogo anteriores. Por uma questão de filosofia e identidade, jogar bem e perder não existe, podes é ganhar sem jogar bem. Agora, em defesa do grupo, na conferência de imprensa, podemos dizer que não estivemos bem, não finalizamos, a eficácia não foi a melhor... Mas intrinsecamente e internamente, se perdemos não jogamos bem".
"O trabalho da Roma deu-me um sabor especial"
Gerir os jogadores: "Já encontrei muitos jogadores do meu passado com quem não tive a relação perfeita, mas que gostam da frontalidade".
Jogadores com quem mais teve choques: "Foi com os melhores... Nunca fui aquele treinador de esmagar o frágil ou atacá-los, quando ia forte era lá para cima. Os de nível superior são, normalmente, homens grandes com ego grande e que têm noção da realidade. Sempre fui assim. Os jogadores com quem mais desfrutei nesse sentido foram o Drogba, o John Terry só para não dizer malta do FC Porto senão ficam com ciúmes. Maicon, Zanetti... quando ia, era lá para cima".
Gerir os menos utilizados: "Obrigatório. Como os titulares estão mais em recuperação, tentámos fazer com que os treinos de recuperação sejam de tática também. Os que não jogaram não podem estar a treinar com o adjunto, tem de estar lá o homem (principal).
Equipa onde deixou a impressão digital: "No FC Porto ficou, o Chelsea foi a melhor equipa de sempre na Premier League, o de 2004 a 2006, fizeram agora umas coisas sobre essa equipa. O Arsenal foi invencível numa época, mas nós fomos invencíveis em mais jogos do que eles. Não ganhámos a Liga dos Campeões porque não havia tecnologia da linha de golo, era uma equipa fantástica. No Inter ganhei tudo, houve muita marca... A Roma, por exemplo, deu-me um prazer terrível enquanto treinador. Não quero dizer que foram feitas grandes omeletes sem ovos porque seria um desrespeito para a minha malta, mas ganhar a Liga Conferência, apesar de ser a Conferência, e chegar à final da Liga Europa duas vezes consecutivas, com as dificuldades que tínhamos - o fair play financeiro -, foi das coisas mais bonitas. Uni um clube que não estava unido, consegui trazer os adeptos que tinham fugido, tornei imagem de marca o facto de os jogos estarem esgotados consecutivamente. Foi um trabalho que me deu um sabor especial.
Aqui no Fenerbahçe ainda estou a descobrir, o primeiro ano foi de descobrir um mundo novo porque é mesmo assim. Nem mesmo o meu Instagram, com algumas publicações enigmáticas ou sarcásticas, conseguiu fazer as pessoas perceberem. Este ano vamos ver se esta experiência me ajudou a preparar melhor para a segunda época".
"Ser selecionador de Portugal é algo que deve acontecer com naturalidade"
Regresso a Portugal: "Claro que sim, quero morrer em Portugal. Não me interpretem mal, é normal se um dia vier a acontecer eu treinar a seleção portuguesa. Já pude e ainda este ano poderia ter ido treinar uma seleção das boas, mas não consigo. Um dia acho que vou treinar a seleção portuguesa, todos os treinadores têm esse sonho, por uma questão de opção nunca o fiz. Houve oportunidades, mas achei que era muito cedo, tinha objetivos completamente diferentes, apesar de já ter dito que não penso, nem vislumbro um final como treinador. Um Campeonato do Mundo é algo que quero viver, seja com Portugal ou outra seleção, mas acho que deve ser com Portugal, é algo que deve acontecer com naturalidade".
Treinar clubes em Portugal: "Ao nível de clube também. Portugal tem três clubes de grande prestígio, se um dia se proporcionar diria que sim, no passado já houve a possibilidade, mas no momento errado. Não vou dizer quem. Mas não digo que não. Benfica, FC Porto ou Sporting, temos uma boa relação".
Seleção para ganhar o Mundial: "Podemos ganhar, também podemos perder. É injusto dizer ao treinador ou aos jogadores que temos de ganhar. Mas é absolutamente normal achar que as nossas expectativas sáo de ganhar. A equipa que ganha a Liga das Nações - por muitos que outras equipas a utilizem para as outras coisas -, tem expectativas altas. Portugal tem um lote de jogadores incrível, se nos pusermos a fazer uma possível convocatória, vai ser diferente. A que vale é a que fará o Roberto Martínez, os jogadores vão e nós vamos todos atrás".
Liga Portugal é competitiva?: "Não. Quando saí da Roma estive em Portugal uns meses e fui várias vezes à Luz e a Alvalade, vi o Benfica e o Sporting a jogar com equipas da metade inferior e não é competitivo. Estou fora, não sei a centralização dos direitos televisivos pode equilibrar as forças, mas quando vemos orçamentos e janelas de transferências, estamos a falar de uma luta muito desigual. Os três grandes são os três grandes, o SC Braga cresce consistentemente com todo o mérito, mas Sporting, Benfica e FC Porto estão a uma diferença significativa".
"Gyokeres é um grande jogador"
Equipa mais preparada para atacar a temporada: "A temporada está longe de começar, as janelas de mercado abriram... Há jogadores fundamentais que podem sair, o FC Porto vai melhorar muito seguramente, o Sporting vai à Liga dos Campeões e entram muitos milhões, o Gyokeres sai ou não... A maneira como o Benfica vai atacar o mercado... Há uma série de fatores que torna o campeonato impossível de antecipar. As janelas de mercado são sempre fundamentais".
Gyokeres pode ter impacto na Premier League: "É um grande jogador, não tenho dúvidas. O Sporting tinha uma maneira de jogar muito em função ou adaptada a ele, mas é um jogador com grande potencial. Em Inglaterra vai jogar contra equipas mais fortes, jogadores melhores. Infelizmente, das 3.400 mentiras que foram ditas no mercado, é mentira que vai para o Fenerbahçe, infelizmente. Tanta mentira, tanto interesse, tanta gente a trabalhar para empresários e clubes... é uma guerra que não é minha".
Bola de Ouro: "Há médios bons, mas lateral como aquele..."
Atento ao mercado português: "Tenho em atenção, mas também tenho noção da realidade. Um jovem português com aspirações a chegar muito longe, não penso que a Turquia seja o mercado favorito. O Kokçu volta a casa, sai cedo e ganha bem e não chateia o Bruno Lage".
Diogo Jota: "Cumprimentei-o duas vezes, num Tottenham-Wolves e numa Gala das Quinas da FPF. Não o conhecendo, conheço-o tão bem... Porque a estrutura dele é a mesma que a minha. O meu novo colaborador esteve com ele no Wolverhampton uma série de anos, conheço-o bem sem nunca o conhecer. E esta coisa em que quando as pessoas partem são todas fantásticas, neste caso não é bem assim. Todos me falavam do rapaz com amor, o que era como jogador, no grupo, o rapaz de família, como interagia com a estrutura... Devia ser mesmo fantástico. Continuo a dizer que espero um dia - mas daqui a 40 ou 50 anos - perceber o porquê destas coisas, é difícil de perceber".
Bola de Ouro: "A Bola de Ouro tem que ser ganha por alguém que ganhou. É este o meu conceito. Por muito que tenhamos de fazer dos jogadores gente especial, para mim continua a ser a equipa. Qualquer troféu individual que são muito mediáticos tem que ter uma ligação direta com o ganhar. O Mundial de Clubes evidenciou o Cole Palmer, mas até às meias-finais o torneio fazia-me lembrar a pré-época nos EUA. O Mundial de Clubes só é importante para o Chelsea que vai vender muita camisola com o estampado.
O grande vencedor da época é o Paris Saint-Germain, pela forma como ganharam a Champions, depois de perderem o hipotético melhor jogador - faz-me lembrar quando cheguei ao Inter e ganhei tudo depois do Ibrahimovic sair para o Barcelona. Estes jogadores portugueses, o Gonçalo (Ramos) jogou menos apesar de ter sido decisivo, amo o Vitinha e o Nuno Mendes... A única coisa que digo é que médios bons ainda há um grupo deles, agora lateral como aquele (Nuno Mendes)... parece que faz aquilo a brincar. Gostava que um deles ganhasse".