No entanto, o mundo é mais uma nuance de cinzento e a história da saída de Trent Alexander-Arnold do Liverpool está longe de ser binária. Ele é, nas suas próprias palavras, "um rapaz normal de Liverpool, cujo sonho se tornou realidade".
Mas isso é parte do problema.
Trent é um produto da academia do Liverpool, ingressando no clube de Anfield com apenas seis anos de idade. Depois de se aproveitar de uma longa lesão de Nathaniel Clyne, ele e o Liverpool nunca mais olharam para trás numa jornada que foi mutuamente benéfica.
Nove troféus depois, está à procura de um novo desafio. A maioria das pessoas agradece a um jogador pela sua contribuição e segue em frente, mas Trent é um Scouser.
Sem entrar muito na política, a cidade de Liverpool e a sua população já sofreram de tudo. Desde ser alvo de piadas sobre o nível de vida até às falsas alegações mais graves que lhes são lançadas na sequência de tragédias horríveis. Alguns setores da população britânica não gostariam nada mais do que apagar a cidade do mapa.
Viver nestas condições gera uma mentalidade muito insular de "nós contra o mundo" que pode ser difícil para os outros apreciarem verdadeiramente. "Não se preocupem connosco, nós cuidamos de nós próprios e safamo-nos bem sem vocês". Seria difícil encontrar uma comunidade como esta em qualquer outro lugar da Grã-Bretanha moderna, onde já ninguém conhece o seu vizinho e uma noite social no pub foi substituída por uma maratona de Netflix.
Para que fique bem claro: não sou scouser e não pretendo ser a voz de Liverpool. Dito isto, testemunhei em primeira mão o exterior de "cerco de batalha" dos Scouse e o interior suave e acolhedor. O meu caso de amor com a cidade tem crescido ao longo dos anos e, até hoje, sinto-me mais ligado a Liverpool e aos scousers do que a qualquer outro sítio a que alguma vez chamei casa.
O Liverpool transformou com sucesso um jovem scouser, que vivia, respirava, apoiava e adorava o clube, numa superestrela avaliada em 80 milhões de euros. Com Trent a terminar o seu contrato, o clube tem agora um buraco gigante que precisa de ser preenchido sem o orçamento de transferências que normalmente se obtém com a saída de um jogador.
Não se engane, o clube também é culpado pela situação em que se encontra - tendo acabado numa mistura de turbulência de diretores de futebol nos últimos cinco anos. Os que não tiveram a sorte de ocupar o lugar do diretor de futebol tiveram coisas mais urgentes para resolver, incluindo - mas não se limitando a - encontrar um novo médio defensivo, substituir o treinador mais bem-sucedido do clube na era da Premier League, Jurgen Klopp, e fechar o contrato de Mohamed Salah, o vencedor da Bota de Ouro da Premier League.
A situação de Trent foi deixada de lado durante demasiado tempo, e todas as partes pareceram encolher os ombros e aceitar a situação, em vez de se esforçarem por encontrar uma solução. Mas será que esse era o plano desde o início? O Real Madrid não esconde que a sua política de transferências consiste em convencer os jogadores a irem para o clube a troco de salários chorudos e da possibilidade de ganharem títulos. Basta ver como Kylian Mbappé acabou por se juntar aos gigantes espanhóis para perceber o sucesso desta estratégia.
De acordo com informações de pessoas ligadas ao clube, os representantes de Trent receberam ofertas de renovação do Liverpool - mas estas não foram aceites. Há quem diga que os trabalhadores não têm qualquer obrigação para com a entidade patronal para além dos termos do seu contrato e, normalmente, teriam razão.
Quando se é um adepto de infância de um clube com uma base de adeptos que se preocupa com os seus, as coisas são diferentes. Se Trent fosse tão grande adepto do Liverpool como tantas vezes afirma ser, certamente quereria que o clube reinvestisse o mais eficazmente possível para encontrar o seu substituto. É impossível fazê-lo com um orçamento de "revenda" de zero.
Podemos ver o exemplo do seu (ainda) colega de equipa Alexis Mac Allister, que renegociou com sucesso o seu contrato com o Brighton com uma cláusula de rescisão de 42 milhões de euros apenas alguns meses antes da sua transferência para Anfield. O acordo foi visto como um acordo de cavalheiros entre os seus representantes e os Seagulls para facilitar a transferência para o Liverpool.
Os Reds ficaram com um jogador vencedor do Mundial a um preço reduzido, o jogador evitou o drama no balneário e o Brighton recebeu em troca o quádruplo do seu investimento inicial de 8 milhões de euros. Todos ficaram a ganhar. Não há qualquer razão para que um acordo semelhante não pudesse ter sido feito, em teoria, entre o Liverpool e o Real Madrid no verão passado.
Ninguém estava a apontar uma arma metafórica à cabeça de Trent para que assinasse um novo contrato, nem o deveria ter feito. No entanto, se ele tivesse aceitado um novo contrato, a oportunidade de jogar no Real Madrid e ao lado do amigo Jude Bellingham teria acabado de facto.
Trent já estava num ambiente que o preparava para o sucesso. Para além do clima e da cultura, não havia muito mais que o Real Madrid pudesse oferecer a Trent do que as anteriores ofertas do Liverpool. Agora, a sua saída deixará um vazio de 80 milhões de euros no seu plantel. Sem desrespeito por Conor Bradley, gosto da sua evolução recente e tem muito potencial, mas não é um jogador de 80 milhões de euros (pelo menos para já).
Não me parece que muitos scousers se ressentissem da saída de Trent se esta fosse feita de uma forma que beneficiasse o clube e, por procuração, a sua cidade.
Dizer que ele ama o clube... as suas ações prejudicaram-no ativamente em benefício de um clube a que chamou "rival" (devido aos encontros entre os dois clubes na Europa) em dezembro do ano passado.
Trent tinha potencial para ser mencionado como Steven Gerrard pelos adeptos do Liverpool, agora e no futuro. Em vez disso, mesmo tendo em conta os seus feitos incríveis no clube, será visto de forma semelhante a Steve McManaman.