Como sempre, alguns clubes fizeram compras inteligentes, outros entraram em pânico e houve ainda quem parecesse testar os limites da autoflagelação financeira.
O Liverpool roubou as atenções ao contratar Alexander Isak por 125 milhões de libras (aproximadamente 148 milhões de euros) com acréscimos, tornando-se a transferência mais cara da história britânica.
O sueco marcou 23 golos na época passada, com uma média de 0,73 golos por cada 90 minutos, um rendimento que o coloca perto dos números de Erling Haaland.
Os dados de xG do Flashscore também confirmam a jogada: Isak marcou quase exatamente em linha com a sua expetativa de golos (22,8 xG), o que sugere que não houve sorte, apenas qualidade consistente.
Agora, junte-se Florian Wirtz, contratado por 100 milhões de libras (cerca de 118 milhões de euros), o médio mais criativo da Bundesliga, com 0,35 assistências esperadas por jogo e o ataque do Liverpool parece ter sido montado por um entusiasta do Football Manager que desbloqueou o modo aquisição e está a jogar com um orçamento ilimitado.
A mudança no topo da tabela
O Manchester City não hesitou em abrir mão de Ederson após oito anos repletos de troféus, optando por substituí-lo por Gianluigi Donnarumma por cerca de 30 milhões de euros (25,5 milhões de libras). Pode soar frio, mas Pep Guardiola não compra nostalgia.
Donnarumma apresentou uma taxa de defesa de 74% ao serviço do PSG na Ligue 1 na última temporada, contra os 66% de Ederson na Premier League. No entanto, subsistem dúvidas sobre se a sua capacidade de distribuição passará no rigoroso “exame Pep”.
O Tottenham foi estratégico no mercado, acrescentando Mohammed Kudus e Xavi Simons para dar mais drible e capacidade de criação, antes de garantir, já perto do fechar da janela, o empréstimo de Randal Kolo Muani.
Os Spurs têm agora opções que prometem agitar os jogos nos minutos finais, uma abordagem que, se nada mais, vai garantir espetáculo.
O Arsenal comprou com inteligência e sem alaridos. Martin Zubimendi (90% de eficácia em passes sob pressão na Real Sociedad), Eberechi Eze (segundo médio com mais dribles bem-sucedidos na Premier League na época passada) e Viktor Gyökeres (27 golos pelo Sporting) tapam lacunas que Mikel Arteta já não podia ignorar. Sem melodrama, apenas competência, algo que, nesta liga, é quase exótico.
Entretanto, a porta giratória do Chelsea continuou a rodar, como já é hábito. João Pedro, contratado por 60 milhões de libras (cerca de 71 milhões de euros), parece ser uma aposta segura, mas o empréstimo inesperado e lucrativo de Nicolas Jackson ao Bayern, com uma obrigação de compra potencial de 40 milhões de libras (cerca de 47 milhões de euros), resumiu o eterno caos de Stamford Bridge.
Pelo menos, a venda de Christopher Nkunku para o Milan rendeu 42 milhões de euros (36 milhões de libras). Ainda assim, apesar do encaixe financeiro, a saída de Nicolas Jackson é comparável a cortar o único avançado que, por vezes, realmente marcava.
O Manchester United, por sua vez, fez um dos negócios mais sensatos deste mercado. A chegada de Benjamin Sesko (0,58 golos por 90 minutos no RB Leipzig), Bryan Mbeumo (21 contribuições diretas para golo no Brentford) e Matheus Cunha (11 golos e 7 assistências no Wolves na época passada, além da pressão constante que tantas vezes faltou ao ataque do United) representa um claro upgrade.
Os empréstimos de Marcus Rashford ao Barcelona e de Rasmus Hojlund ao Nápoles foram decisões duras, mas necessárias. Ainda assim, o United fica com uma linha ofensiva que parece ter sido montada por alguém que realmente lê relatórios de olheiros.
Ainda há vida na Europa
Para lá da bolha da Premier League, esta janela de transferências também teve um enredo interessante. A ida deKevin De Bruyne para o Nápoles tem contornos de romance futebolístico, juntando a coreografia táctica de Antonio Conte a um dos melhores diretores de jogo do mundo, como tropeçar numa loja Gucci mesmo no momento em que está a fechar as vendas.
O Real Madrid foi discreto, mas eficaz, ao garantir Dean Huijsen, Álvaro Carreras e Franco Mastantuono para um plantel já assustadoramente jovem e vibrante, enquanto aproveitou a primeira oportunidade para anunciar oficialmente Trent Alexander-Arnold.
O Bayern Munique preencheu a lacuna na lateral esquerda com a contratação de Luis Díaz, numa solução bem ao estilo do clube bávaro. Já o Paris Saint-Germain reforçou-se com Illia Zabarnyi e Lucas Chevalier, ao mesmo tempo que transformou a saída de Donnarumma numa oportunidade para os restantes clubes.
O mapa do poder continental não foi profundamente redesenhado, mas vários clubes optaram por movimentos mais contidos, muito por efeito das novas regras da UEFA sobre os custos do plantel e dos controlos financeiros internos, que apertaram significativamente a margem de manobra no mercado.
Monopólio da Premier League
Entretanto, os contabilistas da Premier League já devem estar a pegar no paracetamol. Os clubes gastaram um valor recorde de 3 mil milhões de libras (cerca de 3,54 mil milhões de euros) neste verão, deixando um saldo líquido coletivo negativo de aproximadamente 1,2 mil milhões de libras (1,42 mil milhões de euros).
O Liverpool foi totalmente “pirómano” no mercado, com um gasto líquido de -221 milhões de libras (cerca de -261 milhões de euros), seguido de perto pelo Arsenal, com -225 milhões de libras (-265 milhões de euros), e pelo Manchester United, com -153 milhões de libras (-180 milhões de euros).
O Tottenham fechou com -110 milhões de libras (-130 milhões de euros), enquanto o Newcastle limitou o impacto da saída de Isak com -84 milhões de libras (-99 milhões de euros).
Curiosamente, o Chelsea foi exceção: apesar da habitual política agressiva de contratações, terminou a janela com um lucro de 17,7 milhões de libras (cerca de 20,9 milhões de euros).
De alguma forma, Todd Boehly conseguiu transformar o caos em dinheiro, revelando com o Chelsea um novo modelo de propriedade no futebol moderno: um clube de futebol que funciona, ao mesmo tempo, como um fundo de investimento com camisolas.
Seja como for, os números confirmam aquilo que já suspeitávamos: a Premier League é o equivalente financeiro de um casino às três da manhã, a roleta não para de girar e todos insistem que a sua aposta faz parte de um grande plano.
Os piores negócios? O Newcastle perdeu Isak, apesar de ter fingido o contrário durante quase todo o mês de agosto. O Chelsea emprestou um avançado ao Bayern para colmatar a própria falta de avançados. O City despediu-se de Ederson sem um testemunho. E houve ainda as negociações arrastadas até ao último minuto, apenas para terminarem exatamente onde poderiam ter acabado em julho.
