O futebol tem cada vez menos romance, mas de vez em quando surge uma "falha" no sistema que nos faz sentir nostálgicos e esquecer que qualquer altura do passado foi melhor. Foi o que aconteceu com o FC Porto de José Mourinho a vencer a Liga dos Campeões em 2004, imitado pelo Wolfsburgo a arrebatar a Bundesliga ao Bayern em 2009 e levado a outro nível pelo Leicester, campeão da Premier League em 2016.
Agora, em 2023, muitos de nós começam a ver semelhanças entre esses heróis inesperados e o Girona de Míchel, líder isolado da LaLiga após 16 jornadas. Acima de tudo, recordam-nos a forma como a equipa de Claudio Ranieri ergueu toda a Inglaterra, num dos maiores feitos desportivos da história.
E o facto é que, para além da comparação fácil de "equipa pequena contra as equipas grandes", a equipa de Girona está a seguir um caminho muito semelhante ao do Leicester. Resultados, plantel, estatísticas e sensações fazem-nos pensar que podemos estar perante um novo encontro com algo de inédito.
Os Blanquivermells estão a acompanhar o ritmo dos grandes e já acumularam mais de metade dos pontos com que os Foxes levantaram o troféu da Premiership (41 contra 81). Para além disso, há o ponto de viragem de ter ganho 2-4, com autoridade, ao FC Barcelona. Os Blues viveram aquele momento em que sentiram que podiam vencer qualquer um, precisamente depois de terem batido o Manchester City por 1-3 na 25.ª jornada.
A alma das duas equipas transmite as mesmas vibrações. Apesar de terem perdido com equipas de alto nível antes da décima jornada (Arsenal e Real Madrid), ambas mantiveram intacta a sua garra para se manterem no topo de uma corrida para a qual não eram favoritos.
Uma semelhança razoável
O Leicester de 2016 foi construído sobre uma série de nomes que passaram do anonimato prático a ícones numa só época. Emblemático desse elenco de guerreiros foi Jamie Vardy, um loiro louco que se fartou de fazer golos, como está a acontecer em Girona com Artem Dovbyk.
Outra peça fundamental estava na baliza, com Kasper Schmeichel nos seus trinta e poucos anos, uma idade próxima dos 31 de Paulo Gazzaniga. O toque final estava nos flancos, com Savio e Tsygankov, dois punhais, tal como Mahrez. Nenhum deles é o argelino, mas Riyad Mahrez também não o era antes de ser campeão com os Foxes.
As maiores diferenças estão no meio-campo e no banco. Os catalães jogam mais, mas não têm alguém que se destaque tanto como Kanté, o pulmão desse Leicester City. Nos bancos, Míchel contra Ranieri, o gosto pela bola contra a eficácia. Duas formas diferentes de entender a vida e o futebol, mas com o mesmo objetivo: sonhar.
