Acompanhe o SJK no Flashscore
O futebol não vira as costas a ninguém. É o elemento que agrega e traz alegrias ao povo. A nossa viagem começa em Cuntum Madina, um bairro nos subúrbios de Bissau, na Guiné, onde cresceu Babacar Fati. Apesar de ter um campo de terra batida atrás da sua casa, o pequeno Babacar "não ligava muito" ao fenómeno.

A vida era "difícil" e a noção de que era preciso fazer alguma coisa para amealhar dinheiro para as próprias necessidades era prioridade. Foi aí que nasceu o gosto pela costura e foi através dessa arte que se deu a conhecer no bairro. Mas o futebol espreitava e enviava alguns sinais. Muito declarados, diga-se.
A insistência do pai, que já estava na Europa, também foi determinante para o crescimento desta nova paixão. "Ele começou a mandar chuteiras e bolas e o treinador daqui insistia comigo para ir treinar. Não era dos que tinha mais qualidade, mas comecei a gostar cada vez mias e deixei de trabalhar para treinar todos os dias", recorda Babacar Fati, em conversa com o Flashscore.
O bichinho do futebol picou e não mais saiu, mesmo perante algumas contrariedades que a vida lhe colocou à frente. "Tu és muito magrinho, não te vão aceitar aqui na Europa". As palavras caíram que nem uma bomba. Babacar sentia-se tão frustrado que pensou que este não era o seu caminho. Mas não o deixaram desistir. O resto é história.

O convite de Aurélio Pereira e mudança para a Academia: "Foi um choque"
Da "realidade muito difícil" em África, um novo mundo abriu-se para Babacar. O luso-guineense mudou-se para Portugal aos 15 anos e contou com a ajuda de António Pignatelli, o "tio branco", uma das pessoas mais importantes na vida do jogador. Foi ele que o ajudou na papelada para que pudesse jogar no CF Unidos, de onde partiu para o Sporting, graças a um jogo em que marcou e assistiu... com Aurélio Pereira na bancada.
Nessa altura já tinha ido fazer testes ao Benfica, mas a conversa com o "senhor formação" dos leões mudou o seu destino. "Fiz uma semana de treinos e assinei contrato. Tinha pessoas que me diziam que eu tinha capacidade para tal, mas foi tudo um choque para mim. Passado um tempo também comecei a ser chamado à seleção. (...) Aconteceu tudo muito rápido na minha vida".
Babacar cumpriu as últimas etapas da formação no emblema verde e branco, entre juvenis, juniores, sub-23 e equipa B, sempre com muita utilização, e conseguiu aquilo que muitos jovens da Academia sonham: assinar contrato profissional. Mas a sua vida (e carreira) sofreu um duro revés a 1 de maio de 2019. Num jogo contra o Tondela, o jogador sofreu uma fratura de uma vértebra da cervical.

"Senti algo a estalar no pescoço, tentei levantar-me e não consegui e comecei a sentir o braço direito dormente. Veio a ambulância e disseram logo que tinha de ir para o hospital. Consegui ver no olhar do meu tio que era grave. Chorei muito", lembra ao Flashscore.
"Não conseguia sequer apertar uma caneta. Precisava inclusive de ajuda para tomar banho e nesse momento percebi quem estava do meu lado. Vários jogadores da equipa principal do Sporting visitaram-me e só posso agradecer ao clube por tudo o que fez comigo durante essa fase. (...) Os médicos diziam que eu estive quase para acabar a carreira, mas na minha cabeça eu só pensava em voltar", detalha.
E voltou! O Sporting até renovou o seu contrato nesse período, mas a separação viria a acontecer de forma inevitável para as duas partes.
"Já estava no Sporting há seis anos, gostava de toda a gente e sinto que todos gostavam de mim, mas chegou a um ponto em que não estava a jogar e o meu contrato também estava a terminar. Falei com algumas pessoas e todas me disseram que estava na hora de sair da minha zona de conforto", justifica.

O início na Finlândia: "Perdi alguma confiança"
O desafio era grande. O passado no Sporting era uma boa carta de apresentação, mas a lesão roubou-lhe grande parte da sua capacidade física. Não foi fácil encontrar um novo caminho, essa é a realidade. O SJK, da Finlândia, apareceu quando mais ninguém acreditava e um ano e meio depois acabou por colher os frutos da sua aposta.
Após mais um período "difícil", em que não teve muitas oportunidades e perdeu "alguma confiança", Babacar Fati mostrou toda a sua capacidade de resiliência e apresentou-se para 2024 na plenitude das suas capacidades. "Estou aqui!".
O jogador recuperou a confiança, muito com o apoio de sempre do tio António Pignatelli e do amigo Martim Perestrelo (adjunto do SJK), e acaba de ser nomeado o melhor lateral esquerdo da principal liga finlandesa, numa época em que anotou cinco golos e seis assistências, tendo contribuído de forma decisiva para o apuramento do clube de Seinäjoki para as provas da UEFA.
"Quando cheguei à Finlândia foi difícil. Não estava com ritmo... O meu tio dizia-me: 'Babacar, tens de ter paciência e esperar pelo teu momento'". Dito e feito.
"Eu digo muitas vezes que tinha de passar por tudo o que passei para chegar onde estou hoje. Depois de todas as dificuldades, acho que fiz uma boa época e só posso estar grato por isso. Só quero ver toda a gente bem e feliz, dentro e fora de campo. Temos um ambiente muito bom dentro da equipa e creio que isso também foi importante para o que conseguimos fazer esta temporada", analisa.

"Os meus amigos dizem que vou dar um salto gigante, mas..."
Aconteceu mesmo tudo muito rápido na vida de Babacar. Das dificuldades em Cuntum Madina, onde o sonho era apenas o alimento para um futuro risonho, a destaque na liga finlandesa. O lateral luso-guineense despertou a atenção de alguns clubes, mas o futuro ainda é incerto.
"Este é um bom campeonato para dar um passo em frente. Eu quero jogar em campeonatos mais competitivos e com maior visibilidade, mas tenho contrato com o SJK e vou dar sempre tudo pelo clube enquanto aqui estiver. Não posso pensar em outros clubes se tenho contrato", atira o lateral.
"Os meus amigos dizem que eu vou dar um salto gigante, mas não posso garantir nada. Estou aqui, tenho contrato, por isso quem me quiser contratar tem de negociar com o SJK. Estou aqui de corpo e alma", sublinha Babacar Fati.
Apesar de ter ainda mais um ano de contrato, e mais um de opção, não é certo que Babacar continue no SJK para 2025. Já houve vários clubes a baterem à sua porta, mas o emblema finlandês não pretende abrir mão do seu talento luso-guineense a qualquer custo.