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A história inspiradora de Cláudio Braga: "O futebol muda muito rápido"

Claúdio Braga ao serviço do Hearts
Claúdio Braga ao serviço do HeartsHeart of Midlothian FC, Flashscore

Aos 25 anos, Cláudio Braga vive o melhor momento da carreira. Em apenas três anos, saiu do Campeonato de Portugal para a primeira divisão escocesa, onde veste a camisola 10 do Hearts e já conquistou os adeptos. Nesta entrevista exclusiva ao Flashscore, o avançado português conta como a resiliência, o risco e o acreditar mudaram o rumo da sua vida.

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Esta é daquelas histórias que deviam ser contadas em todos os clubes por treinadores de formação a jovens que sonham com o futebol profissional. O caminho nem sempre é fácil e, muitas vezes, não é o mais óbvio que nos leva ao topo. Todas aquelas frases feitas ganham sentido quando temos à nossa frente um exemplo como este. É mesmo preciso ser resiliente quando o sonho parece distante e ter a humildade para perceber que as dificuldades também nos fazem chegar mais longe.

Esta é a história de Cláudio Braga. Num abrir e fechar de olhos, a carreira do avançado português deu uma grande volta. Para melhor! Do Campeonato de Portugal para a 3.ª divisão da Noruega, da subida à 2.ª liga do país escandinavo até ao salto para o histórico Hearts, na primeira divisão da Escócia. Tudo isto em pouco mais de três anos. O que antes parecia inatingível, hoje é uma realidade e uma porta aberta para sonhar ainda mais alto.

Esta é a história (e que história!) de um jovem português que nos mostra, com o seu percurso, que no futebol “tudo pode mudar muito rápido”. No caso de Cláudio, o futebol deu uma volta gigante. Porque acreditou. Porque teve pessoas do seu lado que souberam acreditar com ele.

Uma história inspiradora, contada na primeira pessoa, numa entrevista exclusiva ao Flashscore.

Aventura na Noruega começou no Moss
Aventura na Noruega começou no MossArquivo Pessoal

"Saí de Portugal para fazer testes num clube da 3.ª divisão da Noruega"

- Muita coisa aconteceu nos últimos três anos: o Cláudio sai de Portugal, onde estava a jogar no Campeonato de Portugal, segue para a terceira divisão da Noruega e, agora, está na primeira divisão escocesa. Para si, tudo isto aconteceu mesmo muito rápido ou parece que já passaram mais anos do que realmente foram?

Agora que estou cá, é fácil olhar para trás e sentir que tudo aconteceu rapidamente e que correu tudo de forma incrível. Mas, na verdade, foram três anos e meio na Noruega, com um início de muitas dúvidas e decisões difíceis. No início, cheguei a pensar que sair do Campeonato de Portugal, que tem muita qualidade, para jogar na terceira divisão norueguesa podia ser um erro. Quem não conhece pensa que é um campeonato sem expressão e com pouca competitividade, e isso pesou.

Mesmo assim, arrisquei porque senti que era a melhor decisão para a minha carreira. Felizmente, acabou por correr bem. Não foi um caminho fácil, houve altos e baixos, mas dou graças a Deus por ter tomado essa decisão e por estar hoje onde estou.

- Acredito que a sua história possa acabar por inspirar muitos jogadores que estão agora no Campeonato de Portugal ou na Liga 3. Quando decidiu ir para a terceira divisão da Noruega, sentiu que estava a dar um passo atrás?

Importa dizer que não fui para a Noruega por dinheiro nem por nada do género. Na altura, sentia que estava a fazer boas épocas, mas as oportunidades eram poucas. Existia interesse de alguns clubes, mas nada se concretizava e, em Portugal, investia-se pouco - ainda hoje acho que é insuficiente para a qualidade que temos.

Os meus empresários e a minha família demoraram cerca de seis meses a convencer-me. Foi uma decisão difícil, mas percebi que o máximo que podia acontecer era não gostar, voltar e encontrar outro clube no Campeonato de Portugal. O que me atraiu foi o desafio: sabia que lá o futebol era diferente, mais “robotizado”, como na Alemanha, com grande foco no passe e na receção. Se calhar não é um jogo tão bonito, mas é um jogo muito mais eficaz Taticamente, tinha de ser muito bom, e isso obrigou-me a evoluir.

Além disso, o meu estilo de jogo destacou-se por ser diferente do habitual lá. Isso ajudou-me a crescer, a ser mais valorizado e a ganhar confiança, algo que, sinceramente, não sentia tanto em Portugal.

- Não é muito comum vermos jogadores a sair de Portugal para países nórdicos, como a Noruega. Até temos visto o contrário: jogadores da Dinamarca, Noruega e Suécia a vir para cá. Quando recebeu essa proposta, qual foi a sua primeira reação?

Para ser sincero, a minha primeira reação foi: 'Esquece isso. É totalmente descabido. Nem vale a pena tocares nesse assunto outra vez'. Pensei logo que não fazia sentido ir para a terceira liga da Noruega. Cheguei a dizer aos meus empresários: 'Mas o que é que vocês estão a dizer? Terceira divisão na Noruega? Arranjem-me antes um clube na terceira liga cá em Portugal'.

Mas eles foram persistentes e ainda bem que foram. Explicaram-me que o campeonato tinha qualidade, que as condições eram muito boas e que o meu perfil podia fazer a diferença lá. Aos poucos, comecei a acreditar na ideia, tapei os olhos e arrisquei. Mas tenho de ser sincero: nunca acreditei que fosse dar certo.

Mesmo assim, fui fazer testes sem saber se ia ficar, quanto ia receber ou sequer se teria casa e comida garantidas. Ou seja, eu fui fazer testes a um clube da 3.ª divisão da Noruega e acabou por dar certo: fomos campeões logo no primeiro ano, algo que nem estava nos planos do clube. Olhando para trás, foi um salto enorme e uma das melhores decisões que tomei.

Cláudio Braga foi feliz no Aalesund
Cláudio Braga foi feliz no AalesundArquivo Pessoal

- Ou seja, não foi para a Noruega pelo dinheiro, mas pelo projeto desportivo que lhe apresentaram?

Exatamente. No início, como disse, as condições eram incertas: não sabia quanto ia ganhar, nem se ia ter casa. Mas fui com a ambição de me destacar e crescer. No primeiro ano, fui melhor marcador, subimos à segunda liga e acabei por assinar pelo Aalesund, um clube de primeira divisão que estava na segunda. Tudo aconteceu passo a passo, e a verdade é acabou por se concretizar tudo aquilo que os meus empresários e o meu pai me tinham dito.

- Já disse que a experiência na Noruega o fez evoluir bastante como jogador. Olhando para trás, o que mais o marcou nesses anos e de que forma o campeonato o ajudou a crescer?

Foi uma experiência incrível. A Noruega foi onde senti pela primeira vez o reconhecimento de ser jogador de futebol: pessoas pedirem fotos, autógrafos, crianças a olharem para mim como exemplo… Isso nunca me tinha acontecido em Portugal. Era impensável no Campeonato de Portugal. Lembro-me perfeitamente do meu primeiro autógrafo, fiquei emocionado.

Os dois clubes por onde passei, o Moss e o Aalesund, foram fundamentais na minha evolução. O Moss era mais pequeno, mais “familiar”, e guardo-o no coração porque senti ali um carinho enorme. Já o Aalesund era um clube muito mais profissional, com excelentes condições e uma estrutura de primeira divisão. Nos dois, fui muito bem tratado e isso ajudou-me a crescer não só como jogador, mas também como pessoa.

Hoje continuo a acompanhar os jogos dos dois clubes e, assim que tiver oportunidade, quero voltar para os visitar. Foram etapas essenciais no meu caminho e nunca me vou esquecer disso.

Cláudio Braga destacou-se no Moss
Cláudio Braga destacou-se no MossOpta by Stats Perform, Arquivo Pessoal

O fenómeno nórdico em Portugal: "Fazem o simples de forma perfeita"

- Dada a sua passagem pela Noruega, percebe agora porque tantos clubes portugueses, sobretudo os grandes, têm investido cada vez mais no mercado nórdico? O que há de especial nos jogadores de lá?

- Há muita qualidade. No início, senti que tinha mais técnica individual - drible, um contra um -, mas percebi logo que eles são muito fortes noutros aspetos. A receção, o passe, a tomada de decisão rápida… nisso são incríveis. A maior diferença é que fazem o simples de forma perfeita. Quando cheguei, o futebol para mim era dar duas cuecas, dar show, fazer vídeos bonitos para os highlights. Lá, ensinaram-me que o importante é ser eficaz. Os meus dois treinadores insistiram muito nisso: tinha de ser mais previsível para a minha equipa e imprevisível para os adversários.

Além disso, a disciplina tática é impressionante. Mesmo na terceira divisão, víamos vídeos todos os dias, analisávamos treinos e estudávamos os adversários antes de cada jogo. O treinador dizia 'faz isto' e os jogadores cumpriam à risca, sem questionar. Essa mentalidade, aliada à intensidade com que treinam e jogam, fez-me evoluir imenso.

O salto para a Escócia: "Parece irreal"

- O Cláudio ainda começa o ano a jogar na Noruega, mas surge a possibilidade de ir para a Escócia, para a primeira divisão. Como aconteceu essa mudança e como encarou a oportunidade?

Foi tudo muito rápido e, ao mesmo tempo, difícil de acreditar. Olhando para trás, é chocante: há poucos anos estava no Campeonato de Portugal e, de repente, tinha a hipótese de jogar na primeira liga da Escócia.

Soube do interesse do Hearts em dezembro e, a partir daí, vivi meses de ansiedade, pois fiquei muito entusiasmado com o projeto. Queria muito dar o salto e sentia que estava preparado. Já tinha feito duas boas épocas consecutivas na Noruega, então queria, no mínimo, jogar numa primeira liga. Foram seis meses de negociações intensas entre os clubes, mas mantive sempre a motivação. Falei com o treinador, vi jogos do Hearts, estudei a equipa… e quando percebi que havia real interesse, não pensei duas vezes. Foi um passo enorme na minha carreira.

- E a adaptação à Escócia? Entrou logo com impacto, foi eleito melhor jogador do mês e ajudaste a equipa com golos e assistências.

Confesso que no início pensei: 'Aqui vou ter de correr muito e dar tudo, porque estes gajos são muito bons'. O plantel tem 30 jogadores e todos têm nível muito alto. Nos treinos, a intensidade é enorme. Eu cheguei como um jogador criativo e rapidamente percebi que tinha de ser o jogador raçudo. Aos poucos, fui ganhando confiança, marquei golos, fiz assistências e senti que podia estar ao mesmo nível. Hoje, sinto-me adaptado e valorizado, mas continuo a querer aprender todos os dias.

- E pediu para usar a camisola 10 no Hearts? Sentiu algum peso por assumir esse número num novo clube?

Sim, fui eu que pedi a camisola 10, exatamente para sentir essa responsabilidade. Sei que para os adeptos esse número tem significado, e queria mostrar que estava pronto para assumir esse papel. Claro que há pressão, mas para mim é uma pressão boa: obriga-me a dar o máximo, a ser decisivo e a ajudar a equipa. Sinto que ainda não estou no meu nível máximo de confiança, mas cada treino e cada jogo me aproximam disso. A camisola 10 tem um simbolismo enorme e espero honrá-la da melhor forma.

- O futebol escocês não é muito acompanhado em Portugal. Como descreveria o nível do campeonato e o que mais o surpreendeu?

A principal diferença é a intensidade. É fora do normal! Aqui o jogo não para, é sempre 'ataque sim, ataque sim'. Parece a Premier League nesse sentido: há sempre ação, sempre velocidade, e isso obriga-nos a estar preparados fisicamente e mentalmente.

Na Noruega já havia muita intensidade, mas na Escócia é outro nível. Até as substituições são feitas a correr, nem isso conseguem fazer devagar quando estão a ganhar. Depois o guarda-redes não segura a bola para ganhar tempo, põe logo em jogo. Os centrais também são muito agressivos... Para mim, essa dinâmica foi um choque no início, mas também me fez evoluir muito.

Cláudio assinou pelo Hearts
Cláudio assinou pelo HeartsOpta by Stats Perform, Hearts

Um festejo icónico: "Ronaldo, se vires isto..."

- É notório que já criou uma ligação especial com os adeptos do Hearts. As suas celebrações ao estilo Cristiano Ronaldo também ajudam a criar esse ambiente único. Como tem sentido essa relação com os adeptos?

Para mim, a ligação com os adeptos é fundamental, tanto para o jogador como para a equipa. Percebi isso ainda mais na Noruega, onde fui muito acarinhado, e trouxe essa mentalidade para cá. O apoio dos adeptos dá-te confiança, dá-te energia e, até quando erras, sentes que estão contigo.

Sobre o festejo, no início era só para representar Portugal. Fiz uma vez e percebi logo o impacto: o estádio inteiro gritou comigo e pensei: 'Isto é mesmo fixe, tenho de continuar'. Tornou-se quase uma marca pessoal. Claro que não é minha, é do Ronaldo, e respeito isso - Ronaldo se vires isto, quero que saibas que é a tua imagem (risos) -, mas para mim é também uma forma de criar identidade com os adeptos. Mesmo a camisola 10 acredito que ajuda um bocadinho a criar essa marca de que falo. Essa relação faz toda a diferença. Dá-me mais motivação e faz-me sentir parte da história do clube.

- E já se vêem camisolas com o seu nome e a sua camisola 10 nas bancadas? Chegou a notar também bandeiras de Portugal nos jogos?

Já e confesso que ainda me deixa chocado. Há muitos adeptos com a minha camisola, o que me deixa orgulhoso. Os estádios estão sempre cheios, há lista de espera para bilhetes e a atmosfera é incrível.

Sinto que criei essa ligação por dar sempre tudo em campo. O meu pai sempre me disse: 'Podes falhar passes, podes falhar golos, mas nunca podes falhar na entrega'. E levo isso muito a sério. Acho que os adeptos percebem e valorizam esse esforço, mesmo que erres, se dás 100%, eles estão contigo. Acredito que isso acaba por ser a base do meu sucesso. Claro que os golos ajudam a fortalecer essa relação, mas o essencial é mostrar dedicação total. E isso tem feito a diferença desde que cheguei.

A atmosfera em Tynecastle: "Só pensava que isto não é normal"

- Cláudio, chegou a um grande objetivo: jogar na primeira divisão, num clube histórico e competitivo. Agora que realizou esse sonho, o que o motiva a seguir em frente? Quais são os próximos passos?

Confesso que tinha algum receio de, depois de chegar aqui, perder a motivação. Sempre sonhei jogar numa primeira liga, num clube grande, e atingir esse objetivo foi especial. E sinto que realizei esse sonho. Mas rapidamente percebi que isto é só o início. Agora, quero mais. Um dos meus grandes objetivos é disputar competições europeias. O Hearts costuma jogar na Liga Europa e espero contribuir para que possamos voltar a essas provas.

A médio prazo, sonho também com a Liga dos Campeões - é impossível não sonhar quando se joga a este nível. E, claro, o maior objetivo de todos seria representar a seleção nacional. Há muito pensava que era algo impossível, agora já consigo ver uma luzinha. Sei que temos uma seleção cheia de talento, talvez a mais forte de sempre, mas também aprendi que o futebol muda muito rápido. Por isso, trabalho todos os dias com essa ambição em mente.

- Olhando para trás, é incrível pensar que, em janeiro de 2022, estava a jogar pelo Vila Meã contra o Paredes no Campeonato de Portugal… e agora, pouco mais de três anos depois, vai enfrenta o Rangers no mítico Ibrox Stadium. Como é que digere tudo isto?

É impressionante, às vezes nem acredito. Paro poucas vezes para pensar nisso, mas quando penso, fico arrepiado. Há três anos estava a jogar em campos pequenos, e agora vou estar num estádio histórico, cheio, com uma atmosfera fora de série. É emocionante pensar nisso e só posso dizer que sou mesmo um felizardo. Já tive a oportunidade de ver alguns jogos da Liga portuguesa, mas nunca tinha visto nada como aqui. No meu primeiro jogo em Tynecastle, no estádio do Hearts, passei metade do jogo a pensar: 'Isto não é normal'.

É claro que foi preciso muito trabalho, sacrifício e também alguma sorte, porque no futebol a sorte conta. Mas acredito que quanto mais trabalhas, mais perto ficas das oportunidades certas. Tudo isto mostra-me que valeu a pena arriscar lá atrás, quando saí de Portugal, e que cada decisão foi importante para chegar onde estou hoje.

- Como tem sido viver em Edimburgo? Para além do futebol, como tem sentido a cidade, as pessoas e o dia a dia fora dos estádios?

Tem sido uma experiência incrível. Edimburgo é uma cidade bonita e cheia de história. O clima é parecido com o da Noruega - muito frio, alguma chuva -, por isso já estava mais ou menos habituado. Desde que cheguei, fui muito bem recebido por todos: colegas de equipa, staff e adeptos. Há um ambiente familiar no clube, e isso faz muita diferença quando estás num país novo. Sinto-me mesmo acarinhado, e isso ajuda-me a estar focado dentro de campo.

Ultimamente, já começo a ser reconhecido na rua, o que é uma sensação estranha e ao mesmo tempo gratificante. Ainda me surpreende ver pessoas adultas, de barba, a pedirem fotos ou a chamarem o meu nome: 'Claudio, Claudio' (risos). E eu penso: 'É para mim!?' É bom sentir esse carinho, mas confesso que às vezes custa acreditar que isso me está a acontecer.

Alguns colegas já começam na tanga comigo porque dizem que eu me faço aos adeptos e por isso é que eles cantam a minha música. Eu só tento puxar um bocadinho para o meu lado, não vou mentir, mas também sei que tenho de dar sempre o meu melhor. 

Hearts segue na liderança ao fim de duas jornadas
Hearts segue na liderança ao fim de duas jornadasFlashscore

"Não queria saber de salários, eu só queria jogar futebol"

- E a sua família? Como têm acompanhado esta sua ascensão tão rápida? Sei que o futebol está muito presente na sua vida, até porque o seu irmão e a sua irmã também jogam.

A minha família tem sido fundamental. Tenho um núcleo muito grande e unido: o meu pai, a minha mãe, os meus irmãos, os meus avós, o meu padrasto, a minha madrasta, tios, primos, amigos… Sempre me apoiaram, mesmo quando jogava no Campeonato de Portugal e ganhava o salário mínimo.

Lembro-me, por exemplo, do meu primeiro título no Moss, na Noruega: a minha família juntou-se toda em casa de uma tia para ver o jogo e, antes de começar, ligaram-me em chamada de vídeo para me dar força. Fiquei emocionado, porque percebi que, mesmo à distância, estavam comigo.

Também é especial partilhar esta caminhada com os meus irmãos, que jogam futebol. Crescemos a jogar juntos, sempre com uma bola no pé, muito por influência do meu pai, que sempre nos incentivou. Ter esse apoio e essa ligação faz-me sentir mais forte, mesmo estando longe de casa. Nunca me deixaram cair. Tenho muito orgulho neles e quero crer que eles também têm orgulho em mim.

- Cláudio, recuando um pouco: como começou a sua relação com o futebol?

Começou tudo no Águias de Gaia, um clube do bairro. Na altura nem era federado, jogávamos torneios e o meu pai era o treinador. Juntava-se a malta do bairro, treinávamos uma vez por semana e limpávamos quase todos os torneios. Foi ali que ganhei ainda mais amor pelo futebol.

Um dia, o meu pai disse-me que ia jogar federado para o Candal, e lembro-me de sentir aquilo como ganhar a Champions. Era a minha primeira oportunidade de jogar federado e foi uma emoção enorme. No primeiro ano, fomos campeões e, depois disso, surgiu o convite para o Boavista.

Os primeiros dois anos no Boavista foram ótimos, mas no terceiro quase não joguei. Foi um choque para mim, porque vinha de épocas muito boas e, de repente, passei para o banco. O meu pai e a minha madrasta aconselharam-me a voltar ao Candal, dar um passo atrás para dar dois à frente e foi a decisão certa. Não foi fácil. Era uma criança e só pensava no que é que os meus colegas na escola podiam dizer devido a essa mudança.

Joguei uma época inteira pelos mais velhos, correu bem, e acabei por ir para o Paços de Ferreira. A experiência lá foi positiva, mas também difícil: era longe, tinha de ir de carrinha todos os dias, apanhar transportes, ser mais independente. Acabei dispensado no fim da época e só pensava que tinha de voltar de novo ao Candal. Mas, por incrível que pareça, o treinador recomendou-me ao Rio Ave. Fiquei surpreendido, porque para mim o Rio Ave até tinha mais dimensão que o Paços, e acabei por assinar.

- E no Rio Ave, como foi essa fase de transição para sénior?

O primeiro ano no Rio Ave foi muito bom. No segundo, joguei menos, mas subi à equipa B, já de seniores, e passei a atuar como ponta de lança - até então jogava como extremo. Foi ali que comecei a perceber o jogo de outra forma e a ganhar maturidade.

Depois disso, joguei no Valadares e tive mais dificuldades, porque era a minha primeira experiência real contra seniores. A seguir, fui para o Fátima, onde as coisas começaram bem, mas o clube entrou em problemas financeiros, ainda antes de aparecer a pandemia a terminar com o campeonato. Foi um choque de realidade enorme sobre o lado menos visível do futebol. Mas era jovem, não queria saber de salários.... só queria jogar.

- Acaba por ir para os Açores...

Sim, fui para o Ideal, nos Açores. Tinha jogado contra eles pelo Fátima e o treinador gostou de mim, convidou-me para ir. Foi mais um desafio importante, porque precisei de aprender a viver sozinho e a adaptar-me a um ambiente totalmente diferente, longe da família.

Desportivamente, foi um passo em frente: fiz um bom Campeonato de Portugal, individualmente senti-me em grande forma, e isso deu-me visibilidade. Depois surgiu o Vila Meã, onde também fiz uma boa época. Mas, apesar das boas prestações, percebi que as oportunidades em Portugal eram limitadas. Saí no jornal O Jogo, fiquei no 11 do ano da página Campeonato das Oportunidades e o melhor que consegui para o ano seguinte foi Campeonato de Portugal. E foi isso que me levou a arriscar e aceitar o desafio na Noruega.

Cláudio Braga jogou nos Açores
Cláudio Braga jogou nos AçoresArquivo Pessoal

A mensagem de Cláudio Braga: "Nunca desistam"

- Cláudio, com 25 anos, já passou por muitas etapas na sua carreira. Que lições o futebol lhe deu até agora? Recebeu algum conselho marcante de treinadores, colegas ou familiares que lhe tenha ficado até hoje?

Já falei sobre isso. A principal lição é simples: o futebol é eficiência. Durante muito tempo, eu queria “jogar bonito”, fazer fintas, aparecer nos highlights. Achava que estava a jogar bem só porque fazia dois ou três dribles. Mas percebi que isso não chega.

Tive uma conversa muito importante com o meu treinador no Moss, na Noruega. Estivemos uma hora à conversa e ele disse-me: 'Tens de ser mais previsível para a tua equipa e mais imprevisível para os adversários'. Pode parecer básico, mas mudou a minha forma de jogar. Passei a pensar melhor, a decidir quando arriscar e quando simplificar.

Olho para os vídeos antigos e percebo como pensava errado. Antes achava que tinha feito um grande jogo por fazer uma ou duas cuecas e não entendia porque é que, às vezes, ia para o banco. Cheguei mesmo a dizer a um treinador que não compreendia isso, que achava que tinha feito um bom jogo, quando ele pensava o contrário. O tico e o teco não batiam bem (risos). Hoje entendo que o jogo não é sobre quantas fintas fazes, mas sobre o impacto real que tens para a equipa. Aprendi a ser mais inteligente dentro de campo e isso fez toda a diferença.

Os próximos jogos do Hearts
Os próximos jogos do HeartsFlashscore

- Por fim, que mensagem deixaria aos jogadores que estão agora no Campeonato de Portugal ou na Liga 3 e sentem que as oportunidades não aparecem?

Primeiro, aquela frase que parece um clichê, mas é real: nunca desistam. No futebol, tudo pode mudar de um momento para o outro. Se uma pessoa decide baixar os braços e pensar 'não vale a pena continuar', aí é que não vai mesmo acontecer nada. Uma coisa é tentar e não dar certo, isso faz parte. Outra coisa é não tentar e aí a resposta vai ser sempre 'não'.

Também aprendi que o futebol muda muito rápido. Há seis meses, por exemplo, era impensável para mim jogar na Premier League e hoje estou aqui na Escócia e sinto que isso pode estar mais perto. Tudo depende de continuar a trabalhar, dar o máximo e acreditar, mesmo quando as coisas parecem paradas.

Outra lição importante foi aprender a lidar com o erro. Antes, se falhava um passe simples, ficava desesperado, chegava a chorar de raiva comigo próprio. Era obcecado por fazer tudo perfeito e isso só me prejudicava. Agora, percebi que errar faz parte: falhei? Passou, próxima jogada. Isso mudou completamente a minha forma de jogar e de pensar. Hoje até o meu treinador valoriza muito a minha reação rápida quando perco a bola, pois correr logo para a recuperar muitas vezes é mais apreciado do que um drible bonito.

E, por fim, é preciso equilíbrio. Quando era mais novo, não tinha esse controlo emocional e sofria por antecipação. Hoje, concentro-me em dar sempre 100% em cada treino, cada jogo, cada momento. É isso que faz a diferença. O meu caminho não foi fácil, mas cada risco, cada decisão e cada erro ajudaram-me a chegar aqui. E se cheguei, qualquer um pode chegar, desde que nunca deixe de acreditar e de trabalhar.