Transmitida em seis episódios, "Saudi Pro League: Kickoff" foi lançada apenas três semanas antes da votação de quarta-feira pelo Congresso da Federação Internacional de Futebol (FIFA), que deve validar a candidatura da Arábia Saudita, única candidata, para organizar a prestigiada competição.
A votação é uma etapa crucial na estratégia do príncipe herdeiro Mohammed bin Salmane, o governante de facto do reino, que utiliza o desporto como alavanca para reforçar a influência da Arábia Saudita e melhorar a imagem do gigante petrolífero na cena internacional.
O futebol está no centro desta estratégia e a série acompanha a transformação da Saudi Pro League, graças à chegada de estrelas do futebol como Cristiano Ronaldo, Neymar e Karim Benzema, que desempenham um papel central no programa.
Segundo um comentador, a série sublinha também a "paixão histórica" dos sauditas pelo futebol, evocando clubes fundados há quase um século e rivalidades quase tão antigas.
Numa cena, Talal Haji, de 17 anos, avançado do Al-Ittihad, passeia pela cidade velha de Jeddah com um thobe, o longo traje branco usado pelos sauditas, e declara: "Estou muito orgulhoso do meu futuro. Daqui a dez anos, estarei a jogar o Campeonato do Mundo no nosso país".
Mudança de perceção
Embora a política permaneça discreta na série, Mohammed ben Salmane aparece brevemente para entregar um troféu ao clube Al-Hilal, vencedor da Taça do Rei contra a equipa Al-Nassr de Cristiano Ronaldo.
O astro português disse à câmara que a sua aventura na Arábia Saudita é sobretudo desportiva: "Não estou aqui pelo dinheiro... Estou aqui para ganhar".
Mas, segundo Danyel Reiche, investigador da Universidade de Georgetown, no Catar, as estrelas estrangeiras "não estão aqui apenas pelo futebol. Fazem parte de uma missão mais alargada para normalizar a imagem da Arábia Saudita e transformar as perceções internacionais".
Para além do futebol, Riade tem acolhido torneios de ténis de alto nível, combates de boxe de pesos pesados e corridas de Fórmula 1. Estes eventos têm sido frequentemente criticados como "lavagem desportiva", desviando a atenção das violações dos direitos humanos, como o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018 e a prisão de dissidentes.
O príncipe herdeiro rejeitou estas acusações, dizendo à Fox News: "Se isso ajudar a economia saudita a crescer, continuarei a fazer sportswashing". É provável que estas críticas persistam, sobretudo se a candidatura saudita ao Campeonato do Mundo for bem sucedida.
"É pouco provável que a série mude a opinião dos críticos mais virulentos, que vêem estas iniciativas através do prisma do sportswashing. Parece ser mais dirigida a um público curioso para compreender as ambições sauditas no futebol", diz Kristian Coates Ulrichsen, do Instituto Baker da Universidade de Rice, nos EUA. As autoridades sauditas não responderam aos pedidos de informação daAFP sobre a série.
Altos e baixos
De acordo com a Saudi Pro League, a história foi concebida pela Netflix, que manteve, portanto, o controlo editorial total sobre o documentário, que também destaca os desafios enfrentados pela segunda liga com mais dinheiro, depois da Premier League, no verão de 2023.
"A chegada de jogadores estrangeiros tem impactos positivos e negativos", admite Abdulrahman Ghareeb, um extremo saudita do Al-Nassr que perdeu tempo de jogo.
Apesar das imagens de adeptos a agitar bandeiras nos estádios, a assistência continua a ser limitada: a média para a época 2023/24 é de 8.158 espectadores, contra 9.701 no ano anterior. E, apesar da presença de estrelas, o interesse dos media internacionais, nomeadamente na Europa, parece ter esmorecido.
Algumas das estrelas também têm dificuldade em adaptar-se às condições locais, que se caraterizam por um calor intenso durante uma parte do ano, obrigando os jogos a serem disputados à noite.
Jordan Henderson trocou o Al-Ettifaq pelo Ajax ao fim de apenas seis meses, e Neymar esteve quase um ano afastado devido a uma lesão no joelho, antes de regressar no final de outubro.
No entanto, essas ausências permitiram que alguns dos jogadores da casa brilhassem. "O meu objetivo é que qualquer jogador saudita possa superar uma estrela estrangeira", diz o avançado do Al-Ahli, Feras al-Brikan.
Para muitos, a transformação do futebol saudita continua a ser um projeto a longo prazo. "No futebol, o que conta não é como começa, mas como termina", diz o técnico do Al-Hilal, Jorge Jesus.