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Exclusivo com André Moreira: "Ninguém pode negar que a liga saudita é altamente atrativa"

André Moreira cumpre primeira temporada no Al-Raed
André Moreira cumpre primeira temporada no Al-RaedAl-Raed, Flashscore

Aos 29 anos, André Moreira vive uma etapa diferente da carreira, longe da Europa mas mais próximo de si próprio. Com passagens por clubes como Atlético de Madrid, Belenenses, Grasshoppers ou Aston Villa, o guarda-redes português fala com a maturidade de quem já percebeu que no futebol — como na vida — poucas coisas são certas. Nesta conversa com o Flashscore, recorda os ídolos de infância, reflete sobre decisões passadas, fala da experiência na Arábia Saudita e da liberdade que encontrou ao voltar a jogar “como um menino na rua”.

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"Na Suíça redescobri o prazer puro do futebol"

- André, antes de mais, obrigado por aceitar o convite do Flashscore. É um prazer tê-lo connosco. Como é que surgiu e como viveu esta mudança para um país tão distante como a Arábia Saudita?

- A possibilidade de vir para cá surgiu um pouco do nada. Para ser sincero, eu não estava à espera. Porquê? Porque passei por momentos complicados em Portugal, sobretudo na minha última época no Belenenses. Depois disso, senti que tinha perdido algum crédito no futebol português. Seria difícil conseguir outra oportunidade por cá.

Acabei por ir para a Suíça e, como costumo dizer, voltei a sentir-me um menino a jogar na rua — a redescobrir o prazer puro do futebol. Voltei a desfrutar do jogo, a treinar com gosto, sem estar tão afetado por tudo o que envolve o futebol profissional e que, naquela fase no Belenenses, me estava a perturbar.

André Moreira explica ida para a Arábia Saudita
André Moreira explica ida para a Arábia SauditaOpta by Stats Perform, Al-Raed

As coisas correram bastante bem na Suíça. Quando terminou o meu contrato com o Grasshoppers, já sabia que não iria continuar. A minha ideia era tentar dar o salto para o mercado italiano ou alemão, onde há boas ligações com o futebol suíço. Esperei até ao último momento por uma oportunidade, mas acabou por não acontecer.

No final de julho, início de agosto, surgiu a hipótese de vir para cá. E, sinceramente, estaria a mentir se dissesse que a questão financeira não teve peso. Mas também estaria a mentir se dissesse que foi só isso. Há algo que muita gente ignora ou critica sem pensar: aqui tenho a possibilidade de jogar contra atletas com quem, em circunstâncias normais, nunca jogaria.

Estou a falar do Cristiano Ronaldo, do Benzema ou do Mahrez. É um nível competitivo que provavelmente não atingiria de outra forma na minha carreira. Isso também pesou bastante na decisão.

- É exatamente por aí que eu queria ir: esses grandes nomes, alguns já numa fase mais avançada da carreira, outros ainda em plena forma, acabam também por tornar este desafio mais aliciante para um jogador do seu nível, certo? É uma forma de se sentir mais realizado, mais valorizado?

- Sem dúvida nenhuma. Desengane-se quem acha que, para um jogador de futebol, isto não é apelativo ou motivador. Como lhe disse, desde que estou cá, já joguei contra equipas com trios de ataque como Sadio Mané, Talisca e Cristiano Ronaldo. Noutra, estavam Fabinho, N'Golo Kanté e Benzema. Noutra ainda, Firmino e Mahrez.

Estamos a falar da nata do futebol da última década — ou até dos últimos quinze, vinte anos, no caso do Cristiano. E isto só para falar desses nomes mais sonantes. Posso também falar do nível dos guarda-redes ou de outros jogadores menos conhecidos, mas igualmente muito bons.

Por isso, acho que não há nenhum jogador que possa dizer: “Isto não é apelativo, não é uma realidade que me interessa.” Claro que estamos num país com uma cultura muito diferente da europeia, com hábitos e rotinas aos quais não estamos habituados. Mas no cômputo geral, ninguém pode negar que esta liga é altamente atrativa. Isso é certo.

Os números de André Moreira
Os números de André MoreiraFlashscore

- Para um europeu, é fácil adaptar-se ao estilo de vida num país como a Arábia Saudita?

- Olhe, eu costumo dizer que isso depende muito de cada pessoa. Conheço jogadores portugueses que não conseguiram adaptar-se à vida em Espanha — um país com uma cultura e estilo de vida bastante próximos do nosso. Por isso, tudo depende da pessoa. Também conheço quem tenha vindo para cá e esteja completamente à vontade, como se estivesse em casa, sem grandes dificuldades de adaptação.

Agora, se me perguntar se há diferenças, claro que sim. Há muitas coisas que mudam, e é preciso um período de adaptação. Foi o meu caso também — e eu até sou uma pessoa que, normalmente, não tem dificuldades nesse aspeto. Adapto-me com facilidade, até porque gosto de conhecer novas culturas e perceber como tudo funciona. Mas a verdade é que isto é quase como passar do oito para o oitenta, tanto na vida quotidiana como no futebol.

André Moreira sente-se bem na Arábia Saudita
André Moreira sente-se bem na Arábia SauditaAl-Raed

"Não acho que tenha ido demasiado cedo para o Atlético Madrid"

- André, permita-me provocá-lo um pouco: foi identificado muito cedo como um talento pelo Atlético de Madrid, mas acabou por nunca se conseguir impor na equipa principal. Acha que o "problema" foi ter tido Jan Oblak à sua frente na baliza durante todos esses anos?

- Acho que esse foi o meu problema do Miguel Moiá, do Juan Musso — que está lá agora — do Axel Werner… Só para nomear alguns dos guarda-redes que foram suplentes dele. Brincadeiras à parte, o Jan (Oblak) já criou um legado no clube — e bem. É um guarda-redes de nível mundial, continua a sê-lo, é dos melhores do mundo. E isso, inevitavelmente, torna-se um problema para quem chega e tem de ser suplente dele.

Agora, sinceramente, não acho que tenha ido demasiado cedo para o Atlético (Madrid). Quando assinei, eu era ainda um projeto de jogador. Era um miúdo de 17 anos a jogar na Segunda B, já a competir a nível sénior, ao contrário da maioria dos meus colegas da seleção sub-19 e sub-20, que ainda estavam nos juniores ou em equipas sub-23.

Na altura, eu era dos poucos — se não o único — a jogar com seniores. E sendo guarda-redes, uma posição que exige muita maturidade e estabilidade emocional, isso chamou a atenção. Por isso, foi um processo natural. Uma equipa maior reconheceu esse valor e apostou em mim. Mas eu tinha plena consciência de que os primeiros dois ou três anos seriam de aprendizagem, para ganhar minutos e experiência. Sempre soube isso e fui realista desde o início.

Se me perguntar o que mudaria, talvez o erro tenha sido ter saído do Atlético ao fim de um ano. Essa foi, provavelmente, a decisão de que mais me arrependo na minha carreira. Não tanto a ida para lá, nem a idade com que fui — acho sinceramente que aconteceu quando tinha de acontecer, num momento certo e com lógica. O erro foi mesmo o momento da saída.

A tabela classificativa da liga saudita
A tabela classificativa da liga sauditaFlashscore

- Agora que está com 29 anos — e sendo guarda-redes, com muitos anos ainda pela frente — falamos de alguém que desde cedo demonstrou responsabilidade e profissionalismo, que sabe cuidar da carreira. O que é que o André projeta para o futuro? Pretende continuar por essas paragens durante mais tempo ou vê com bons olhos, por exemplo, um regresso à Europa? Lembro-me do caso do Rui Silva, que passou quase toda a carreira em Espanha e agora regressou a Portugal para representar um grande.

- Se há algo que o futebol me ensinou — entre tantas outras coisas — é que é muito difícil perspetivar o que pode acontecer num espaço de um, dois ou três anos. A verdade é que, sendo guarda-redes, ainda sou novo. Acredito que ainda tenho bons anos nas pernas… e nos braços, digamos assim (risos).

Mas, honestamente, não posso fechar nenhuma porta. O que posso dizer é que, neste momento, estou a desfrutar muito desta experiência. Estou a gostar do impacto cultural, das diferenças de mentalidade, e do que tudo isso me tem trazido enquanto jogador e enquanto pessoa.

Sinto-me bem aqui. Sinto que sou valorizado — tanto pela minha qualidade profissional como pelo meu lado humano — e isso conta muito. Seria mentira dizer que estou ansioso por voltar à Europa ou por regressar já a Portugal. Neste momento, não é o caso.

Estou focado nesta etapa e o meu objetivo, para já, é continuar por aqui.

André Moreira cumpre segunda época no futebol saudita
André Moreira cumpre segunda época no futebol sauditaAl-Raed

A camisola de Dida e as referências Oblak e Neuer

- André, para terminar, gostava de lhe fazer uma pergunta mais pessoal: que referências teve ao longo da sua vida como guarda-redes? Quem foram os nomes que mais o marcaram?

- Olhe, para mim isso é muito fácil. Quando era mesmo miúdo — tinha uns cinco, seis, sete anos — lembro-me perfeitamente de uma viagem de negócios que o meu pai fez ao Brasil. Na altura, ele trouxe-me uma camisola do Mundial de 2002. Era uma camisola do Dida, o guarda-redes brasileiro.

Nessa altura, eu já gostava de ser guarda-redes — aliás, sempre fui para a baliza — e essa camisola marcou-me. Quando me perguntam qual é a minha memória mais antiga ligada ao futebol, é essa. Está associada ao Dida, que acabou por se tornar o meu primeiro ídolo.

Fisicamente talvez até tenhamos algumas semelhanças, mas tecnicamente não temos estilos parecidos. Ainda assim, quando era miúdo, identificava-me muito com ele — era grande, muito ágil, saltava imenso… e isso fascinava-me.

Os próximos jogos do Al-Raed
Os próximos jogos do Al-RaedFlashscore

Mais tarde, ao longo da minha carreira, as minhas principais influências foram o Manuel Neuer e o Jan Oblak — especialmente depois de o ter conhecido e de ter tido a oportunidade de o ver treinar de perto. Por isso, diria que esses três marcaram mais o meu percurso.

- E o Ederson? Esteve precisamente no Ribeirão, onde o André também começou. Que memórias tem dessa altura?

- Exatamente, é uma história engraçada. Quando eu era miúdo, devia ter uns 14 ou 15 anos, o Ederson era o guarda-redes titular do Ribeirão. Eu ia ver praticamente todos os jogos da equipa e tive a sorte de o acompanhar nessa fase muito inicial da carreira.

Na altura, ele ainda era um talento por lapidar — um diamante em bruto, digamos assim — mas já se percebia que havia ali algo especial. Mesmo sendo tão novo, notava-se que estava ali um guarda-redes com um futuro enorme pela frente. Foi marcante poder assistir a isso tão de perto.