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Os primeiros passos no mundo do futebol foram dados no Paredes, onde aos 16 anos já celebrava o título da antiga 3.ª divisão nacional. Numa carreira conquistada a pulso, Luís Machado venceu o Campeonato de Portugal e a Liga 2 antes de atingir o cume da montanha: a Liga.
Cinco épocas e mais de 100 jogos depois no principal escalão do futebol nacional, o extremo português tomou a decisão, "tardia", reconhece, de deixar Portugal para ir em busca de outros estímulos no estrangeiro. A primeira passagem foi a Índia, passou pela Polónia e vive agora "feliz" em Hong Kong, onde espera ser campeão ao serviço do Kitchee.

"O futebol asiático cativa-me muito"
- Como tem sido a adaptação a Hong Kong?
- Muito boa, fiquei muito surpreendido com o país. Não estava à espera de encontrar o que encontrei e estou a gostar bastante; a cultura é um bocado diferente daquilo a que estamos habituados (em Portugal), mas vim preparado para isso depois de ter estado na Índia. Estou bastante satisfeito com a decisão.
- Quais foram as primeiras preocupações quando chegou a proposta?
- Diria a distância. Mas o futebol asiático cativa-me muito e, quando surgiu esta oportunidade, tendo um treinador português (Edgar Cardoso), não pensei duas vezes. Era o que queria para a minha carreira, e o clube também é muito interessante; é o maior de Hong Kong, luta por títulos e joga a Champions. Este ano não estamos a jogar a prova continental, porque eles não foram campeões no ano passado, mas queremos ser campeões e qualificar-nos para a próxima edição da Liga dos Campeões.

- Muito diferente aquilo que imaginou e aquilo que encontrou?
- Não, sinceramente não. O Edgar também me passou informações do clube, e eu também pesquisei. Vim com o objetivo de ser campeão e acho que estamos alinhados nesse objetivo.
- Em Portugal conhecemos muito pouco a realidade de Hong Kong. Conte-nos como é o futebol.
- Competitivo. Claro que há equipas que são melhores: Kitchee, Lee Man, Tai Po e Eastern. São as quatro equipas que lutam pelo título; as outras estão noutro contexto. Acima de tudo, é muito competitivo. Somos nove equipas e fazemos três rondas. Não temos o público como em Portugal, mas é bastante interessante.
- E os jogadores?
- Têm algumas dificuldades a nível tático, o que acho que é natural na Ásia. Já tinha sentido o mesmo na Índia. Mas, a nível técnico, têm capacidade, e tenho aqui alguns jogadores com bastante qualidade.
- O que pode dizer sobre as infraestruturas?
- Não sei como funciona nos outros clubes, mas posso dizer com segurança que o Kitchee é o clube com melhores condições do país. Temos academia, centro de treinos com dois campos, ginásio, e dão-nos pequeno-almoço. Temos tudo ao nosso dispor. O nosso presidente faz questão de proporcionar as melhores condições aos jogadores.

- Perante todas as experiências que já viveu na carreira, onde situa este desafio em Hong Kong?
- Estou a gostar muito. Mesmo as condições fora do clube, a cidade para viver, este país tem tudo; dá todas as condições para viver uma vida tranquila. É um país caro, um dos mais caros do mundo, mas é muito seguro. A nível de futebol, motiva-me estar na luta para ser campeão.
- Como o classifica numa escala de 0 a 10?
- No global, dou uma nota entre 8 e 9. O futebol é cativante, tudo bem que não está a um nível alto, mas aqui consegues desfrutar ao máximo do futebol. A vida também é fantástica, sem preocupações de nada. O clima também é bom. Vivo aqui com a minha mulher, e é muito fácil sair e ir a um restaurante, por exemplo.
- Sentiu necessidade de adaptar o seu futebol ao que se pratica na liga local?
- Foi uma adaptação rápida. O futebol é muito de transições, embora o Kitchee ser mais organizado a nível tático, até pelo Edgar, que tem a mentalidade de trabalhar o jogador para ser respeitoso a nível tático. Somos uma equipa que gosta de jogar, gosta de ter posse e somos agressivos ofensivamente. No início, custou-me muito por causa do clima, pois a humidade é muito grande. A diferença horária também custou um bocadinho. Mas tivemos mês e meio de pré-época e deu tempo para fazer essa adaptação. O clube é muito organizado.
- Consegue ter uma relação fácil com os jogadores locais?
- Os jogadores são envergonhados, mas abertos. As pessoas em geral são muito fechadas, vivem muito para elas próprias e não querem saber muito do que passa à sua volta. Mas são simpáticas. Acham um bocado que estamos mais acima do que eles, mas isso não existe.

"Olhando para trás, podia ter saído mais cedo de Portugal"
- O Luís é o único português a jogar em Hong Kong. Sente o peso desse papel?
- Acho que é a primeira vez que acontece. É uma porta para outros portugueses que possam vir para aqui. Hoje em dia vês muita gente a querer sair de Portugal, porque é uma possibilidade muito melhor a nível financeiro. Podem pensar que é muito longe e não conhecem o futebol, mas vão adaptar-se muito bem. Com a qualidade dos jogadores portugueses, adaptam-se facilmente a qualquer sítio. E aqui conseguem abrir portas para o mercado asiático.
- Hong Kong é muito conhecido pelos inúmeros arranha-céus e também pelo espetáculo de luzes e som (Symphony of Lights). Como é viver aí?
- Temos a parte de Hong Kong e a ilha; a parte da ilha é mais comercial. Eles fazem o show das luzes, que é fantástico. Mas eu sou muito caseiro. O meu dia a dia é muito: treino, casa, ginásio, algumas vezes jantar fora com a minha mulher e/ou com a malta daqui. No início, era normal sair mais vezes para conhecer a cidade e perceber como funciona.
Aqui nós só andamos de metro, porque é impossível andar de carro. É muito simples e muito mais fácil do que andar de carro devido ao trânsito. Faço todos os dias 25 minutos de metro e saio em frente ao nosso centro de treinos, depois no regresso saio e estou a dois minutos de casa.
- As pessoas gostam de futebol? Reconhecem o Luís, por exemplo, nessas viagens de metro?
- Não, é super tranquilo. Ficam malucos com isso. Gostam de futebol quando há jogos entre equipas top, é normal haver mais gente, mas, de resto, não sinto aquele fervor de irem e encherem o estádio. Falam sempre do Ronaldo e respeitam muito o jogador estrangeiro. Mas aqui o desporto-rei é a corrida de cavalos. Comparado com a Polónia e a Índia, aqui é muito menos atrativo nesse aspeto.

- O Luís saiu de Portugal em 2020. Olhando para trás, foi a decisão certa?
- Tardia. Olhando para trás, podia ter saído mais cedo. Mas no futebol não controlamos tudo. Se calhar, veio na altura certa. Calhou a Índia, a Ásia era um continente que eu queria e aceitei muito bem. Correu bem e abriu portas para ser bem-vindo em Hong Kong.
- Por falar nisso, como foi essa aventura na Índia?
- Difícil por causa do COVID. Eles fecharam o campeonato em Goa. Cada equipa no seu hotel e jogos de 3-4 dias. Ficámos 7 meses no hotel, a minha mulher foi comigo e ficou fechada esses 7 meses…
- Nem houve a possibilidade de desfrutar do apoio dos fervorosos adeptos. Uma pena...
- Nada, nada. Ninguém podia ir aos estádios. Tinha falado com o Crivellaro e ele tinha dito que era incrível com adeptos no estádio, com 30-40 mil. Eles dedicam-se ao futebol. Fiquei com pena de não sentir esse bichinho.
- Mas acredito que tenha sentido o apoio nas redes sociais.
- Muito, muito mesmo. São mesmo muito fervorosos.
- Seguiu-se a Polónia. Como recorda essa passagem?
- Foi bom, boa experiência. Campeonato muito bom mesmo e muito competitivo. Tens visto muitos portugueses lá. Estava no Radomiak, um clube que em 3 anos subiu à primeira liga. Gostei muito do futebol. Muito físico, muito direto, e a vida lá é muito boa também.

"Sinto-me feliz com a minha carreira"
- Olhando em retrospectiva para a sua carreira, qual o balanço?
- Acho que fiz uma carreira bastante positiva. Comecei no Paredes, na minha terra, e com 16 anos era campeão da 3.ª divisão. Tive uma carreira constante, não foi de muitos altos e baixos. Posso não ter sido um jogador de topo, mas fui constante na minha carreira. Sinto-me feliz por isso. Podes dizer que podia ter feito melhor, mas estou bastante feliz e continuo feliz.
- Muitas pessoas não percebem porque é que um jogador troca a primeira liga em Portugal por Hong Kong, Roménia, Índia, Indonésia, etc. O que pode dizer a essas pessoas?
- O problema das pessoas... A carreira de um jogador é muito curta. As pessoas não percebem que o jogador português quer ir para fora para ter uma melhor capacidade financeira, porque em Portugal é muito difícil. E também pela questão de o jogador português não ser muito valorizado em Portugal. É muito diferente aqui fora. Sinto que somos muito valorizados no estrangeiro e mais aproveitados. Perdem-se muitas carreiras de jogadores portugueses e jogadores de qualidade...
- Nestes 4-5 anos nunca sentiu vontade de voltar a Portugal?
- Não, sinto-me bem cá fora, muito bem recebido. Se surgir uma oportunidade, irei pensar, claro, mas sinto-me acarinhado e não penso muito em voltar a Portugal.

- O que espera que esta aventura lhe dê?
- Espero continuar por aqui, estou a gostar muito e o clube tem as condições que vão ao encontro do que eu gosto. Vou trabalhar para continuar aqui, num clube que luta por títulos e pela Champions. Tenho o objetivo de jogar em competições ao mais alto nível. Essa possibilidade pode surgir aqui e gostava de ficar mais um ano, pelo menos.
- Continua a acompanhar o campeonato português? Sente que mudou muito nestes anos em que tem estado fora? Ou acha que continua tudo igual?
- Acho que continua igual. Tens os 3 grandes que fazem sempre a diferença. Aqui é difícil acompanhar os jogos, mas tenho visto alguns jogos da Primeira e da Segunda Liga. O futebol continua igual, não há muito que dizer.
- Por fim, o que diria a um jogador que esteja na dúvida sobre uma possível ida para Hong Kong, por exemplo?
- Aconselhava mesmo, é um país muito bom para se viver, principalmente para vir para o Kitchee. É sempre bom ter mais portugueses (risos). Já tive alguns jogadores a perguntar como funciona aqui. Só posso dizer que seria uma boa oportunidade para eles.
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