"Da primeira vez que saí do Al Hilal, foi para ir para um clube, mas não aconteceu. Que clube? Era o Benfica. O presidente Luís Filipe Vieira queria-me, mas não deu e depois tive de ir para o Brasil", revelou Jorge Jesus.
"E ainda bem que assim aconteceu, porque foi um ano espetacular. O Flamengo foi o maior clube que eu treinei, nisso não há hipóteses. Depois do Flamengo, aí sim, voltei ao Benfica", acrescentou o treinador português, que regressou à Arábia Saudita para ser novamente campeão, num campeonato que diz estar muito mais forte.
"Não há comparação possível entre a Liga Portuguesa e a Liga Saudita. Comparar as grandes equipas portuguesas com as grandes equipas sauditas? Isso nem é possível. Basta ver os melhores jogadores do Al Hilal, do Al Nassr, do Al Ittihad e ver o que há em Portugal. Nem há conversa", defendeu Jorge Jesus.
"O Sporting, o Benfica e o FC Porto iam ter muitas dificuldades, mas mesmo muitas dificuldades na Liga Saudita. Na minha opinião, os três grandes perderam qualidade nos últimos anos. E perderam qualidade pelas questões financeiras. Há cinco ou dez anos, os clubes portugueses compravam bons jogadores no Brasil ou na Argentina e faziam desses jogadores, grandes jogadores. Hoje os maiores campeonatos já perceberam como se faz e começaram eles a ir ao Brasil e à Argentina. De vez em quando aparece um Gyokeres ou volta um Di Maria, mas só isso. Principalmente do Benfica, acho que só o Di Maria jogava na minha equipa", acrescentou o treinador do Al Hilal, confrontado sobre a falta de intensidade de jogo no campeonato saudita.
"É uma falsa questão. O que é que dá intensidade à bola? Duas coisas, a qualidade do jogador e a qualidade do relvado. Se tens grandes jogadores, seja na Arábia Saudita ou onde for, e bons relvados, a intensidade do jogo aumenta. Depois pode baixar a intensidade do jogo, por causa da temporada, por fazer muito calor, e o desgaste do jogador é muito mais rápido do que por exemplo em Inglaterra, onde seja frio, portanto mantém-se mais tempo, mas não porque o jogo não tenha intensidade porque não há qualidade. É o contrário. Se no país tens grandes jogadores como é que podes dizer que o nível de Portugal é melhor do que na liga saudita, não há comparação possível", explicou Jorge Jesus.
"Isto vai ser o futuro para muitos profissionais. Até ao Campeonato do Mundo de 2034 não vai parar de crescer. É um país culturalmente diferente. Eu sou emigrante e reconheço as regras. Quando fiz o meu contrato de trabalho está escrito o que tenho que respeitar. Se não respeitares metem-te no avião e vais embora. Não é como na Europa, que bateu no fundo. Sinto que me respeitam e que estou seguro pelo contrato de trabalho", acrescentou o treinador português, que falou ainda dos jogadores do seu plantel que passagem pelo campeonato português.
Marcos Leonardo, Kaio César, Quenda, Cancelo e Galeno
"Marcos Leonardo? Não sei se foi mal aproveitado. É um jovem, ainda tem muito que crescer. Tem sido muito importante para nós. Com a lesão do Mitrovic tem sido o nosso abono de família. Tem 12 golos, só o Cristiano Ronaldo está à frente dele. Como o Kaio César... acompanhava-o em Portugal. Não havia muitos jogadores, havia o miúdo do Sporting, o Quenda, o miúdo do Sp. Braga, o Roger. É mais fácil convenceres os jovens jogadores do que os antigos porque estão no princípio de vida. Oferece cinco ou seis vezes mais... como podem rejeitar?", questionou Jorge Jesus, antes de falar de João Cancelo.
"Talvez seja o jogador português que jogou em melhores equipas da Europa. Como precisávamos de um lateral... foi tudo um pouco surpreendente. Precisavamos de um lateral direito. O nome que me indicaram... eu disse que não queria. Falei no nome do João e o presidente contratou-o. É um jogador especial e tem um feitio especial. Hoje sou um treinador diferente. Sei que esta nova geração não tem a mesma forma de pensar do que as outras. Eles gostam de saber porque se faz as coisas. Valorizam quem sabe ou não sabe. Se perceberem que não sabe, não compram a ideia", explicou o técnico português, que viu Wanderson Galeno trocar o FC Porto pelo Al Ahli.
"Jogadores com aqueles números não há muitos. Vamos imaginar: eu queria trazer o Galeno para o Al Hilal, mas há um departamento do futebol saudita que autoriza o jogador ou não a vir. Quem manda são eles", revelou Jorge Jesus, que também contratou Kaio César ao Vitória SC, ma sestava de olho em Quenda, do Sporting.
"O Kaio César, dentro daquele limite com jogadores dessa idade (21 anos), não havia muitos. Havia ele, o miúdo do Sporting, o Quenda, o do SC Braga, o Roger Fernandes, portanto havia outras soluções fora de Portugal que também procurámos, mas achámos que o Kaio era o jogador ideal. Acho que o presidente fez um ótimo negócio", explicou o técnico do Al Hilal.
Neymar e Cristiano Ronaldo
Jorge Jesus abordou igualmente a polémica com Neymar, que rescindiu com o Al Hilal, regressou ao Santos e assumiu ter ficado chateado com o treinador português pelo facto deste ter falado da sua condição física.
"Não tive sorte nenhuma, nem eu nem ele. Esteve no Al Hilal com uma lesão muito grave. Foi o melhor com quem trabalhei desde que sou treinador. Não tivemos tanto tempo assim para demonstrar tudo o que tem. Bom profissional, bom amigo, não tem nada de vedeta. Mas a verdade é que as coisas não ligaram. Às vezes, a falar sozinho, frustrado, até penso 'como é que não consegui que este jogador, que é um super craque, ter dado certo?' mas pronto. Foram coisas que aconteceram. A sair tinha que ser para o Brasil. Vai ajudar muito a seleção", disse Jorge Jesus.
"Se saiu triste? Saiu, principalmente comigo. Ainda hoje me custa porque ele é um craque. É fora da caixa", elogiou o treinador português.
Na mesma entrevista, Jorge Jesus falou dos encontros com Cristiano Ronaldo no futebol árabe e revelou que, apesar de estar mais perto do avançado... raramente o encontra fora dos relvados.
"Não temos tempo para nos encontrarmos na Arábia. Já eramos amigos em Portugal. Encontrei-me mais vezes com ele em Portugal do que na Arábia. Ele é uma referência, o orgulho dos portugueses. A primeira vez que cheguei aqui, eles conheciam era o Ronaldo, não era Portugal. Os outdoors no meio da cidade era só Ronaldo, isto há seis anos. Em Portugal não o valorizam muito para a imagem que traz. Trabalhar com ele? Acho que já não vai ser possível. É um exemplo com 40 anos. Num dos últimos jogos que fizemos, eu dizia ' como é que ele corre tanto com 39 anos, é rápido e está super motivado?' Não lhe falta nada. Desportivamente ganhou tudo, só não foi campeão do Mundo na seleção e ainda não ganhou nada na Arábia Saudita (risos)", admitiu Jorge Jesus.
A mágoa com Sérgio Conceição
O treinador do Al Hilal confessou ainda, nesta mesma entrevista, uma mágoa: não ter ainda reatado a relação que tinha com Sérgio Conceição e que terminou após uma discussão muito feia que os dois tiveram no fim de um FC Porto-Benfica, no Estádio do Dragão.
"Eu tinha uma relação quase familiar com o Sérgio Conceição, mas tivemos um episódio parvo, que acontece entre treinadores, sobretudo no fim do jogo, e nunca mais reatámos a relação. Hoje vejo as coisas de forma diferente e tenho pena. A vida hoje não dá para as pessoas se chatearem. O Sérgio Conceição tem 50 anos e leva as coisas de uma forma muito intensa, como eu levava com a idade dele. Eu já tenho uma idade diferente e olho para as coisas de forma diferente", explicou Jorge Jesus, elogiando o trabalho do atual treinador do AC Milan no FC Porto.
"O Sérgio Conceição fez milagres no FC Porto, num clube muito difícil porque tem de ganhar sempre. Acho que ele vai ter sucesso no AC Milan, mas hoje os jogadores são muito complicados. Se calhar ele não vai poder ter uma relação com os jogadores do AC Milan como tinha com os jogadores do FC Porto. Hoje não se pode ter um comportamento muito duro", acrescentou.
"Ruben Amorim? Eu não tive coragem"
Falando de treinadores portugueses, Jorge Jesus elogiou ainda Ruben Amorim e revelou que não teve tanta coragem como o agora treinador do Manchester United, embora tendo recebido um convite que era o sonho da sua vida.
"Percebo-o perfeitamente. Eu este ano tive o sonho da minha vida e não tive coragem porque sou muito bem tratado aqui.... ele teve. Qual era? Fica comigo... Seleção ou clube? Não quero falar, está nos segredos dos deuses. Ele teve coragem, era o sonho dele. Arriscado? Arriscado é. Quando queremos dar passos com mais sentido de responsabilidade... não é que o Sporting não seja um grande clube, mas foi para um clube que tem um estatuto completamente diferente. Tem outro pedigree. Foi para um clube, não digo o top, mas próximo disso", referiu Jorge Jesus, antes de abordar as dificuldades de Ruben Amorim no Manchester United.
"Vai demorar. Há muitas equipas a jogar naquele sistema, mas não é um sistema fácil. É mais fácil o que fez no Sporting porque foi ele que escolheu os jogadores. Ali quer implementar o sistema com os jogadores que tem. Demora mais tempo. Gosto dele. Foi o jogador que mais tempo trabalhou comigo, deu-me cabo da cabeça várias vezes. Os jogadores são todos iguais quando não jogam. Não gostam. Às vezes aguentam-se e outras vezes não e fazem coisas que não devem. Hoje são treinadores, no caso do Ruben, ele sabe do que falo e diz 'epá, hoje não gostava que me fizessem isso'", acrescentou.
"Varandas foi corajoso"
Jorge Jesus passou pelo Sporting, onde trabalhou de perto com Frederico Varandas, na altura líder do departamento médico e que agora, como presidente dos leões, mereceu elogios do treinador.
"Há uma franja de adeptos, sendo a minoria, consegue controlar a maioria. O Sporting, o FC Porto e o Benfica vivem com esse drama. No Sporting acabou. O Varandas está a fazer um trabalho espetacular, foi corajoso. Essa minoria consegue desestabilizar, o Vítor Bruno sofreu como sofrem todos. O Sporting tem jogadores que podem ajudar o treinador coletivamente a ganhar os jogos quando as coisas estão difíceis", afirmou Jorge Jesus.