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Sérgio Conceição: "Amo Portugal, mas nunca senti que fosse verdadeiramente valorizado"

Sérgio Conceição em destaque no Anorthosis
Sérgio Conceição em destaque no AnorthosisArquivo Pessoal, Flashscore
O nome Conceição carrega consigo uma história de peso, tanto no futebol nacional quanto internacional. Para aqueles que fazem parte desta linhagem, representa orgulho, responsabilidade e enorme motivação. É desta forma que o descreve Sérgio Conceição, a jogar nos cipriotas do Anorthosis, em entrevista exclusiva ao Flashscore.

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Sérgio Conceição, filho mais velho do antigo internacional português e hoje treinador de renome, também de nome Sérgio Conceição, foi o primeiro a sentir o peso do apelido. Se, por um lado, muitas vezes sentiu que não era julgado apenas por aquilo que fazia em campo, por outro, a verdade é que nada lhe foi dado de mão beijada. Chegou ao futebol profissional à custa do seu próprio trabalho.

Passou vários anos nos escalões secundários à procura da sua oportunidade. Distrital e Campeonato de Portugal. Lutou muito! Conseguiu a primeira oportunidade num clube especial como a Académica de Coimbra, mas foi no Estrela da Amadora que encontrou o seu verdadeiro espaço, vivendo dois anos de grande sucesso.

Seguiu-se uma temporada difícil e marcante no Feirense, repleta de desafios pessoais e profissionais, que o levaram a procurar uma nova oportunidade no estrangeiro. Decidiu então rumar a Chipre, em busca da valorização que sente ter-lhe faltado em Portugal.

Sérgio Conceição está feliz em Larnaca
Sérgio Conceição está feliz em LarnacaOpta by Stats Perform, Arquivo Pessoal

"Decidi sair e foi a melhor decisão que tomei"

- O Sérgio mudou-se para o Chipre no início da nova temporada. Como faz o balanço desta experiência até agora?

- Como costumo dizer a muitos amigos que não conhecem o campeonato daqui, tem sido uma experiência muito agradável. Fiquei bastante surpreendido pela positiva, tanto pelo campeonato como pelo país. Embora soubesse o básico sobre o campeonato cipriota antes de vir, as informações que recolhi antes de chegar e a minha experiência após já alguns meses aqui mostraram-me que fiz uma excelente escolha. O campeonato tem uma qualidade bastante elevada, e a prova disso são as três equipas de Chipre que este ano conseguiram chegar à fase a eliminar das provas da Europa.

- Após uma época desgastante no Feirense, com o play-off de manutenção, o que te motivou a aceitar este novo desafio? O objetivo passava mesmo por ir para o estrangeiro?

- Sinceramente, quando terminei a época, o meu principal objetivo era ir para o estrangeiro. Em Portugal, percorri todos os escalões e, sou, digamos, um dos casos raros. Agora, já surgiram mais alguns, mas continuo a ser um desses casos e orgulho-me muito disso. No entanto, senti que, no final daquela época, o que realmente queria fazer era tentar algo fora, porque, coletivamente, foi uma época extremamente desgastante e desafiadora. No entanto, individualmente, correu-me muito bem, e queria aproveitar isso para sair para o estrangeiro. Nunca senti que fosse verdadeiramente valorizado no meu próprio país. Sempre senti que fui julgado, não apenas pelo que fiz dentro das quatro linhas, mas por outros fatores. Por isso, decidi sair, para que as pessoas realmente valorizassem o meu trabalho em campo. Não me arrependo de nada, porque considero que foi a melhor decisão que tomei.

Os números de Sérgio Conceição
Os números de Sérgio ConceiçãoFlashscore

- Bom para libertar a pressão depois desse final de temporada tão intenso?

- Desde muito novo, graças a Deus, habituei-me facilmente à ideia de que teria de fazer sempre um pouco mais do que os outros para ser visto de igual forma. Sempre foi assim, desde pequeno, e não seria agora que seria diferente. No campo, por exemplo, cometemos erros — não só futebolísticos, mas também relacionados com atitudes ou expressões — e eu sentia que, quando isso acontecia, a atenção que davam ao meu erro ou a uma atitude menos positiva era muito maior do que àquilo que fazia de bom dentro das quatro linhas. E, sinceramente, isso acaba por ser um bocadinho desgastante. Foi isso que senti: não tive a valorização que merecia ter tido, especialmente se olharmos para os números do ano passado: 38 jogos, 11 assistências e 6 golos.

- Esses números numa equipa que lutava para não descer…

- Uma equipa que estava a lutar para não descer enfrenta sempre uma situação muito mais difícil. Quem está lá dentro sabe bem disso, e as pessoas do futebol também sabem. Sinceramente, acho que isso não foi tão valorizado como deveria ter sido. A prova disso são, por exemplo, as declarações que fiz após o último jogo, numa semana realmente difícil a nível pessoal e profissional. Em vez de olharem para o jogo que fiz (marcou dois golos), para o que consegui dentro de campo, as pessoas focaram-se nas minhas declarações e não valorizam aquilo que fiz dentro de campo. Fui massacrado. Sinceramente, isso acaba por ser triste, porque parece que andamos sempre à procura da polémica, em vez de procurar o que realmente importa: o que é bonito, que é o futebol jogado.

Sérgio Conceição feliz com experiência em Chipre
Sérgio Conceição feliz com experiência em ChipreArquivo Pessoal

"Qualidade do campeonato cipriota é muito boa, adeptos são fanáticos"

- Com 5 golos e 9 assistências em 27 jogos, como descreve a sua adaptação à nova equipa e a um campeonato diferente?

- Fantástica! Tive a sorte de contar com três colegas portugueses na equipa (Kiko, André Teixeira e Rafael Lopes), sendo que alguns já tinham jogado em Chipre. Ou seja, tinham um conhecimento total da realidade aqui, o que facilitou imenso a adaptação. Depois, claro, o treinador (Mauro Camoranesi) fez um grande esforço para que eu viesse para cá e estarei eternamente grato pelas palavras dele. Tudo o que ele me disse, cumpriu. Entretanto, a meio da época, houve mudança de treinador e tem sido muito bom também com o atual. Ou seja, senti-me sempre muito valorizado enquanto jogador, no sistema que implementavam, no estilo de jogo que queriam e no que estavam à procura. 

- O que mais o surpreendeu?

- Sinceramente, a qualidade… A qualidade é realmente muito boa. A equipa onde estou, o Anorthosis, é o terceiro maior clube em Chipre. Embora esteja num processo de reconstrução, é um clube enorme, com uma história rica. Já conquistou vários campeonatos e taças, e foi o primeiro clube a alcançar a fase de grupos da Liga dos Campeões aqui em Chipre. Portanto, é um clube com uma enorme tradição e peso no futebol cipriota.

Cheguei a um dos grandes clubes do país e, quando aqui cheguei, o que me disseram sobre o clube correspondeu à realidade. Os adeptos são completamente fanáticos. Quando gostam de ti, adoram-te de verdade. E isso tem sido ótimo, desde a forma como fui bem recebido até à qualidade que encontrei no campeonato.

Antigamente, muitos jogadores vinham para cá já numa fase final da carreira, mas agora o mercado mudou. Hoje, muitos jogadores vêm para cá no auge da sua forma ou ainda em desenvolvimento, mas com um grande potencial. E isso é visível na disputa do campeonato, onde todos os jogos são difíceis.

- Sabemos que em Portugal, sobretudo na Liga 2, que era o contexto em que o Sérgio estava, há jogos em que não há assim tantos adeptos como o desejado. Adaptou-se bem a essa diferença?

- É assim, obviamente, as equipas que lutam para não descer não têm tantos adeptos como as grandes equipas, ou aquelas que lutam pelo campeonato ou por grandes objetivos. No entanto, eu, por exemplo, tive jogos, na fase regular do campeonato — porque aqui o campeonato é dividido em duas partes —, em que, mesmo em jogos fora, mais de metade do estádio estava azul e branco, as cores do Anorthosis.

É incrível jogar tanto em casa como fora, porque a pressão e a exigência são grandes. Mas, sinceramente, era isso que eu procurava. Queria um projeto que exigisse o máximo de mim todos os dias, e foi exatamente isso que encontrei aqui. E quero mais. Quero mais nesse sentido, porque, sinceramente, já disse isto a várias pessoas: as últimas duas semanas da época passada, durante o play-off, foram as que me fizeram realmente sentir o que é ser um jogador de futebol.

A pressão é intensa. É desgastante e difícil, mas quando terminei o segundo jogo, percebi: "É isto que eu quero viver." A pressão de ganhar, a pressão de lutar pela bola como se fosse a última. Não é que eu não faça isso em outros jogos, porque as minhas características exigem isso, mas estar no máximo da performance era exatamente o que eu queria. Aqui encontrei um clube com uma exigência muito grande, e estou muito feliz com a decisão que tomei, porque sinto que foi a escolha certa, que vai de encontro ao que eu procurava como jogador de futebol.

A forma recente do Anorthosis
A forma recente do AnorthosisFlashscore

- Sentiu necessidade de adaptar o seu estilo de jogo ou encaixou na perfeição com o futebol cipriota?

- Eu acho que encaixou perfeitamente. Nos últimos dois ou três jogos temos jogado com uma linha de 4. No entanto, começámos a jogar com uma linha de 3, e o treinador, quando falou comigo sobre a minha vinda, explicou-me que a ideia era ter dois laterais a atuar como alas no ataque, mas também a defender como defesas, tanto à esquerda como à direita. E isso é exatamente o que eu procurava.

Acredito que é o sistema onde melhor me encaixo, e claro, a forma de jogar também tem um papel importante. Mesmo quando o primeiro treinador saiu, a filosofia do novo treinador, embora um pouco menos focada na posse e mais na intensidade, encaixa perfeitamente nas minhas características. Isso contribuiu para que tivesse alguma preponderância nos resultados positivos da equipa.

- E como tem sido viver em Larnaca?

- A qualidade de vida aqui é incrível. Muito sol, temperaturas fantásticas… E claro, quando as coisas correm bem, especialmente a nível individual, tudo parece ainda melhor e mais perfeito. Sem dúvida que a qualidade de vida aqui é excelente. Há de tudo para nos distrair, mas, no final, somos nós que temos de ser muito fortes psicologicamente para não nos deixar levar pelas distrações (risos).

- O que é que mais sente falta de Portugal?

- Sinto falta de tudo. Sou o típico português, amo o meu país. Mas, sem dúvida, o que mais sinto falta são a minha família, os meus amigos e, claro, a minha namorada. Apesar de vir até cá várias vezes por mês, ela não está aqui a viver o dia-a-dia comigo, e isso, obviamente, é o que mais me faz falta. São as pessoas ao meu lado que neste momento não tenho.

No entanto, penso que, para se ter sucesso na vida, é sempre preciso fazer algum sacrifício. Se tudo fosse perfeito, provavelmente não estaríamos no lugar certo.

Sérgio Conceição destacou-se no Estrela da Amadora
Sérgio Conceição destacou-se no Estrela da AmadoraNurPhoto via AFP

"Até aos 17 anos mudei 13 vezes de cidade"

- O Sérgio tem uma carreira conquistada a pulso. Andou pela distrital e passou alguns anos no Campeonato de Portugal até chegar aos escalões profissionais. Foi difícil o caminho até aqui?

- Foi extremamente difícil… Muito difícil. Primeiro, pela minha formação enquanto jogador. Cheguei a um ponto em que, a cada 6 meses, estava a mudar de cidade e de equipa. Recordo-me que, até aos 17 anos, mudei 13 vezes de cidade. Isso diz muito sobre a minha infância e adolescência. Nunca consegui afirmar-me onde quer que fosse, porque estava sempre a sair. Depois, aos 18 anos, quando cheguei ao futebol sénior, não havia as oportunidades que existem hoje em dia. Foi complicado. O primeiro ano no CNS (Campeonato de Portugal) foi difícil... Eu queria jogar e tive a consciência de que precisava de me afirmar, por isso desci para o nível distrital e passei lá uma época inteira.

Depois, fui para o Espinho, mas praticamente não joguei. Estive quase todo o ano lesionado. A uma semana de começar o campeonato, rebentei o tornozelo esquerdo. E, no meio da recuperação, ainda tive uma apendicite. Foi um ano para esquecer. Consegui ir a seguir para o Cesarense, onde estive seis meses e joguei bem, e surgiu a oportunidade de ir para a equipa B do Chaves. A nível de jogos e exibições, foi uma época positiva. Fiz algumas assistências e até marquei um ou dois golos.

E depois apareceu a oportunidade de cumprir o sonho da minha família, especialmente do meu pai, que sempre sonhou em jogar na Académica como sénior. Cumprir esse sonho do meu pai foi incrível para mim. Infelizmente, a época não correu como esperava, e voltei a dar um passo atrás. Surgiu a oportunidade no Estrela, que me deu toda a confiança e as condições necessárias que eu precisava. Foram dois anos incríveis, e até hoje, o Estrela é talvez o clube que mais me marcou.

- Podemos assumir que o Estrela da Amadora foi o clique para a sua afirmação?

- Eu acho que faço um ano muito positivo na equipa B do Chaves, no Campeonato de Portugal, sinceramente, para um miúdo de 21 anos. Pensava que, depois indo para a Académica, seria a minha estrada evolutiva em Portugal, mas as coisas não correram bem. Há que assumir isso e eu assumo. Dei o máximo de mim, mas há decisões no futebol que não controlamos. Inclusive na Académica, pedia ao treinador para, quando não fosse convocado, me deixar jogar nos sub-23, porque queria estar 100% disponível quando surgisse uma oportunidade na equipa principal. Lembro-me que essa oportunidade só apareceu em dezembro. Foi a minha estreia, e a do Moura, que agora está no FC Porto. Mas no jogo seguinte fui para o banco, enquanto o Moura continuou como titular. Nunca mais tive oportunidade de jogar. São situações que acontecem no futebol, e temos que aprender com elas.

Admito que, depois desse ano na Académica, com a Covid e tudo, foi muito difícil para mim. Estive 6 meses sem jogar, de fevereiro a agosto, sem perspetivas. Não sabia para onde iria, o que ia fazer… E foi aí que o Estrela apareceu, estendeu a mão num momento muito difícil, e eu pensei: "É o tudo ou nada, a minha última oportunidade." As coisas correram de uma maneira maravilhosa. Ninguém dava nada por nós, mas conseguimos subir de divisão, e ser capitão do Estrela aos 23/24 anos foi incrível. Foi um período maravilhoso, tanto a nível desportivo como pelas amizades que fiz lá.

Sérgio Conceição subiu da distrital até aos campeonatos profissionais
Sérgio Conceição subiu da distrital até aos campeonatos profissionaisOpta by Stats Perform, Arquivo Pessoal

- A ideia que passava era a de que as pessoas gostavam muito de si na Amadora.

- No primeiro ano, já era o 3.º capitão, com o plantel reestruturado, e conseguimos subir de divisão. No ano seguinte, fui o primeiro capitão logo na Liga 2, no campeonato profissional. Correu tudo bem. Fizemos um campeonato bastante regular, foi um ano muito importante para a minha afirmação no futebol profissional. Foi essa estabilidade e evolução que me levaram para a Primeira Divisão da Bélgica.

- O não ter medo de dar um passo atrás também revela muito da sua personalidade. Sente orgulho pela forma como tem sido o seu percurso?

- Eu costumo dizer que o caminho mais fácil seria ter desistido ou simplesmente estar a jogar por lazer. Sem dúvida que não me faltaria comida nem teto para viver, mas não me sentiria realizado nem contente comigo mesmo, e muito menos dormiria com a consciência tranquila. Sempre dei tudo de mim. Tudo! As pessoas muitas vezes não têm noção de como é difícil, sendo filho de quem sou, com muito orgulho. Mas descer patamares e ter de provar, através do futebol, o nosso valor como jogador é muito, muito difícil.

Com todo o respeito pelos jogadores que começaram de baixo e conseguiram chegar à Liga, Premier League ou Liga Italiana, o peso que eu tinha nos ombros e o que consegui fazer é o que me deixa mais orgulhoso hoje. E poder, desde que fui para o Estrela, ser completamente independente, fazer a minha vida de forma autónoma, isso é algo de que me orgulho muito, sinceramente.

- O rendimento traduzido em números é a melhor resposta que pode dar às pessoas que sempre olharam mais para si por causa do seu apelido?

- Eu acho que, para subir de patamar, sempre tive que provar que era, no mínimo, um dos melhores na minha posição no escalão em que estava. Foi sempre assim, e é assim que consegui chegar onde estou. É muito difícil, especialmente a nível mental, dar um passo atrás quando já estamos num patamar superior. Mas quando se tem uma grande vontade de singrar, uma grande ambição de ser alguém na nossa profissão, as coisas acabam por acontecer para quem trabalha todos os dias e não desiste. Sei que, muitas vezes, as condições de trabalho nos clubes das divisões inferiores em Portugal não são as melhores, mas isso não pode ser uma desculpa para não dar o nosso melhor.

Lembro-me que até aos 21 anos, os meus pais sempre me disseram: "Enquanto estiveres em nossa casa, estudas." Então, até sair de casa deles, tive que estudar. Fui para a faculdade, estudei até aos 21, 22 anos, que foi quando fui para Chaves. A partir daí, comecei a viver sozinho e fui totalmente independente. Por exemplo, quando as aulas eram de manhã e o treino era à noite, eu saía das aulas, ia treinar sozinho com um programa específico e depois ia para o treino da equipa. Podia ter dado a desculpa de que tinha aulas pela manhã, mas nunca fiz isso.

Depois, com o tempo, a nutrição e o desenvolvimento do corpo humano são fundamentais. Eu mesmo especializei-me em várias áreas, porque hoje não sou o mesmo jogador que era há 10 anos, e muito disso se deve ao trabalho que fiz fora dos treinos, ao meu esforço e dedicação.

Sérgio Conceição cumpre primeira época no Anorthosis
Sérgio Conceição cumpre primeira época no AnorthosisArquivo Pessoal

"Sempre senti uma grande motivação interna para provar que era bom no que fazia"

- Como foi crescer com o peso do nome Conceição e o impacto do seu background familiar? Que tipo de exigência e mentalidade é que lhe passaram, especialmente no contexto de uma vida com o futebol tão presente?

- Foi fantástico. Eu e os meus irmãos crescemos num ambiente em que nunca fomos forçados a nada. O grande problema éramos nós mesmos, pois havia sempre grandes discussões para ir jantar, porque só queríamos jogar futebol o dia todo. Era até à hora de jantar, era impressionante. E lembro-me que os meus pais nunca nos impuseram nada, sempre fomos nós a decidir. Adorávamos brincar, jogar e, acima de tudo, jogar futebol. Nada nos foi imposto; as coisas aconteceram naturalmente, pois sempre tivemos uma grande paixão por este desporto.

Se perguntassem a mim e aos meus irmãos, quando éramos pequenos, o que queríamos ser, 100% de nós diríamos "jogador de futebol". Foi sempre isso que quisemos. Agora, pode-se nascer com jeito ou não, com talento ou sem talento, isso é outra história. No entanto, acredito que temos um gene familiar para o futebol, com cada um de nós com um talento mais ou menos pronunciado, mas o importante é que gostamos muito de jogar. E, hoje em dia, graças a Deus, todos nós fazemos aquilo que amamos.

- Mais pressão ou mais motivação pelo nome de família?

- Sempre senti uma grande motivação interna para provar que era bom no que fazia. Claro que há sempre pressão, isso é normal, mas o que predominava em mim era a vontade de demonstrar que eu era bom no que fazia.

Se olharmos para mim e para os meus irmãos, todos somos diferentes, mesmo dentro do contexto familiar. O Francisco, por exemplo, é pé-esquerdo e joga de forma completamente diferente do meu pai. O Moisés, por sua vez, joga numa posição mais parecida com a do meu pai e tem algumas semelhanças. Eu e o Rodrigo, por outro lado, somos laterais, o que já nos distingue bastante. Por mais que as pessoas tentassem fazer comparações, não havia muitas formas de comparar-nos, mas pelo facto de sermos filhos de quem somos, era natural que isso acontecesse.

No entanto, para mim e para os meus irmãos, sempre foi importante mostrar que éramos bons não por sermos filhos de quem somos, mas sim pelo nosso próprio mérito e pelo que realmente fazíamos em campo. A pressão existia, mas foi a motivação de provar o nosso valor que nos levou a seguir em frente. Se tivéssemos cedido à pressão, dificilmente algum de nós teria chegado a um nível profissional.

- Falta falar do José, que é o mais novo com 10 anos. Vai dar craque? (risos)

- (risos) O José tem a mesma vontade que nós tínhamos de jogar futebol. Agora, não sei o que o futuro lhe reserva, mas o que mais quero é que ele seja muito feliz e que sinta um orgulho imenso nos irmãos, não por sermos jogadores de futebol, mas por sermos as pessoas que somos. Eu adoro quando ele vem ter comigo e diz que adorou brincar comigo ou fazer qualquer coisa juntos, em vez de me dizer que fiz um bom jogo, porque, aliás, ele nunca me diz isso. Para o Zé, eu nunca faço um bom jogo.

Mas ele diz isso para me picar, e é isso que realmente importa para mim. O mais importante é que ele seja feliz. Quanto à vontade, ele tem muita, tem muita vontade de seguir esse caminho. E os meus pais, coitados, pensavam que já se tinham livrado dos treinos, mas parece que vai ser difícil para eles também.

Sérgio Conceição ao serviço do Anorthosis
Sérgio Conceição ao serviço do AnorthosisFlashscore

Regresso a Portugal: "Não penso muito nisso, sinceramente"

- Tem contrato por mais uma época. Como espera que seja o futuro?

- Eu acho que, acima de tudo, agora tenho que desfrutar do momento. Sinceramente, acredito que o meu pico de forma ainda está por vir. Tenho certeza de que ainda posso melhorar e me tornar um jogador melhor, e é para isso que trabalho todos os dias. Mas, no fundo, o que eu realmente quero é estar presente em momentos decisivos no campeonato e ter a oportunidade de jogar em competições europeias.

Quanto ao futuro, não penso muito nele. Tenho mais um ano de contrato aqui, mas, honestamente, eu foco no presente. O mais importante agora é terminar bem esta época, dar o meu melhor e depois ver o que o verão reserva. O clube está numa fase de reestruturação, e acredito que é um clube incrível, com grande potencial. Merece lutar por títulos nos próximos anos, sem dúvida.

- O Sérgio teve a oportunidade de jogar na Liga portuguesa, mas faltou regularidade. Ainda é um objetivo para si afirmar-se no principal escalão do futebol português?

- Se me perguntasses quando estava na Bélgica, eu diria que sim, mas hoje em dia não penso dessa forma. Pelo que vivi e pela experiência que adquiri, acho que esse objetivo já não está no meu radar. O que tiver que acontecer no futuro, acontecerá. Não fico a pensar no fim da minha carreira, espero que ela dure ainda muitos anos, porque acredito que ainda tenho muito a melhorar como jogador, e posso alcançar números e feitos melhores. Por isso, o meu foco agora está no presente.

Quanto a Portugal, sinceramente, não é algo que eu idealize ou que tenha como objetivo. Se surgir uma oportunidade, claro que pensarei nela, mas não é algo que esteja a procurar. Amo muito o meu país, tenho um carinho imenso por Portugal, mas sinto que o valor que sempre me deram aí nunca foi exatamente o que eu merecia.

Acho que, mesmo voltando, isso não mudaria. O cenário provavelmente seria o mesmo. Mas, claro, o futebol é imprevisível, e quem sabe, imagina que daqui a três meses estou a assinar com um clube em Portugal... Pode acontecer, como pode não acontecer. Não podemos prever, mas neste momento, sinceramente, não é uma coisa que eu busque, sinceramente.

Os próximos jogos do Anorthosis
Os próximos jogos do AnorthosisFlashscore

- Para finalizar, a ideia que tem do futebol português mudou muito desde que foi para fora?

- Não, a minha opinião sobre o futebol português continua exatamente a mesma. Não precisei de sair do país para reconhecer o que está bem ou mal. Sempre vi o futebol português da mesma forma. Sinceramente, temos uma qualidade inacreditável. O talento em Portugal é impressionante, somos muito, muito fortes. As equipas têm imensa qualidade.

É normal que em Portugal se olhe muito para as ligas do top 5 da Europa. Isso faz parte. Acredito que estamos logo a seguir, mas há outras ligas que também são extremamente competitivas, como a belga, a neerlandesa e até a turca, que muitas vezes têm orçamentos superiores aos clubes portugueses. E a qualidade também está lá.

Ainda assim, Portugal tem um talento enorme e um trabalho de formação muito bem feito, que tem beneficiado a nossa Seleção Nacional. Hoje, olhamos para a Seleção e vemos várias opções de enorme qualidade para cada posição. A nível de talento, diria que somos das melhores seleções do mundo, capazes de competir com qualquer país. Portugal tem tudo para continuar a crescer no futebol.

- Como gostaria de ser lembrado quando terminar a sua carreira?

- Acima de tudo, gostaria de ser lembrado como um jogador que trabalhava imenso, que dava tudo o que tinha e até o que não tinha, e que tinha uma ambição enorme de vencer. Quanto à qualidade, se era muita ou pouca, isso acaba por ser irrelevante. O mais importante, para mim, é a imagem da pessoa que somos. Obviamente, aquilo que fazemos dentro de campo é o que fica na memória das pessoas. Quero ser lembrado pelas coisas boas que fiz dentro de campo, por ser alguém que sempre deu o seu máximo e trabalhou arduamente, e também por ser alguém com um grande desejo de vencer no clube onde estava.

Pai de Sérgio Conceição treina o AC Milan
Pai de Sérgio Conceição treina o AC MilanNurPhoto via AFP

Um olhar para a família Conceição em Itália

- Apelando ao seu espírito de analista, como avalia o trabalho do seu pai, Sérgio Conceição, no AC Milan?

- Ele já conquistou um título, e isso, por si só, já coloca o seu nome na história do clube. No entanto, só no final da época poderemos realmente avaliar a temporada do meu pai. Espero que tudo termine da melhor forma e que ele alcance os objetivos que traçou.

Neste momento, estamos numa fase decisiva em todos os campeonatos, e não seria justo fazer uma análise definitiva agora. O que posso dizer é que ele já deixou a sua marca com um título e que trabalha 24 horas por dia para ter sucesso num clube gigante do futebol europeu. Espero sinceramente que alcance o sucesso que merece, não apenas por ser meu pai, mas pelo esforço e dedicação que demonstra diariamente.

Os últimos resultados do AC Milan
Os últimos resultados do AC MilanFlashscore

- Ele teve muito sucesso no passado.

- Sim, já mostrou. Mas no futebol, as pessoas esquecem-se muito rápido. Faz parte. É exatamente aquilo que falei sobre a pressão: o que fizeste ontem já não conta, o que importa é o que fazes hoje. É isso que define os grandes clubes e os grandes momentos de decisão. No fundo, essa adrenalina constante é o que nos faz sentir realmente vivos e úteis na nossa profissão.

- Ou seja, ninguém quer ter mais sucesso no AC Milan do que ele, não é verdade?

- Isso é impossível. Aliás, acho que está mais do que claro o quanto ele trabalha e se dedica. Ele faz tudo o que está ao seu alcance para ter sucesso e trabalha arduamente para o conseguir.

- O seu irmão Francisco também está em Itália, na Juventus. Como tem visto a evolução dele?

- Estou, obviamente, muito feliz pelo Francisco, assim como estou pelo Rodrigo e pelo Moisés. Mas, em específico, o Francisco está a fazer uma excelente época na Juventus. É o primeiro ano dele em Itália e todos sabemos que o campeonato italiano é extremamente competitivo e difícil. A verdade é que as coisas lhe estão a correr muito bem. Como irmão, fico muito feliz. Como devem imaginar, vejo todos os jogos do AC Milan, da Juventus, do Zurique e do Anadia. Para mim, é sagrado acompanhar esses jogos.

No caso do Francisco, fico especialmente contente porque ele está a corresponder às expectativas que as pessoas tinham sobre ele. E isso é muito importante. Espero que continue a demonstrar todo o talento e qualidade que tem até ao final da época. Pelo que ele me diz, as pessoas no clube estão muito satisfeitas com ele. Tem pena de ter sido eliminado das outras competições tão cedo, porque queria conquistar um título pela Juventus já este ano. Mas o futebol é assim. Agora, o foco é terminar a época da melhor forma, e ele tem estado a fazer isso muito bem.

Um dos irmãos de Sérgio joga na Juventus
Um dos irmãos de Sérgio joga na JuventusOpta by Stats Perform, Juventus

- Até onde é que o Francisco pode chegar?

- Jogava para sempre nos melhores clubes do mundo! (risos) Se ele continuar a trabalhar arduamente, como tem feito, pode alcançar tudo o que quiser no futebol. Ele tem de perceber que, no fim de contas, só depende dele. Claro que há fatores externos, como a sorte e aquela estrelinha nos momentos certos, que muitas vezes fazem a diferença entre um jogador chegar a um nível ou a outro. Às vezes, dois jogadores trabalham da mesma forma, têm a mesma qualidade, mas um deles teve a sorte de estar no lugar certo à hora certa. O futebol é assim.

Mas acredito que, se ele mantiver esta mentalidade, continuar a jogar ao nível que tem demonstrado e a ter o rendimento que está a ter, pode atingir todos os objetivos que desejar. Agora, ele tem de perceber que só depende dele, pelo menos no que toca ao trabalho.

- Como são as reuniões familiares no verão, agora que estão quase todos fora? Muitas discussões sobre futebol?

- No que toca a futebol, temos opiniões bastante parecidas. Normalmente, até estamos de acordo nas discussões. O problema é quando chegam as peladinhas... Aí, a história já é outra! As coisas complicam-se um bocadinho, porque a vontade de ganhar é enorme. E, claro, ninguém gosta de perder. Não é fácil, não é fácil, mesmo! (risos).