Acompanhe o Lion City Sailors no Flashscore
Rui Pires saiu de uma pequena aldeia de Mirandela para se juntar ao FC Porto com apenas 11 anos. “Tudo o que sei e tudo o que sou hoje, a nível de futebol, devo à escola do FC Porto”, afirma.
Depois de quase uma época ao serviço dos dragões, o médio decidiu dar um novo rumo à carreira e transferiu-se para o Troyes, em França, antes de regressar a Portugal, onde representou o Paços de Ferreira durante duas épocas.
No entanto, em julho de 2023, abriu-se a porta para um novo mundo: os Lion City Sailors, de Singapura. É por lá que anda a fazer história, tendo contribuído para a chegada da equipa à final da Liga dos Campeões Asiática 2.

"As condições são fantásticas"
- Como surgiu a possibilidade de ir para Singapura?
- Estive no Paços de Ferreira durante dois anos, sendo que o último foi particularmente difícil. Embora tenha jogado praticamente todos os jogos, passámos por uma fase complicada, com várias mudanças de treinadores, o que acabou por resultar na nossa descida à segunda liga. Nesse momento, tive de tomar uma decisão. Recebi várias propostas, pois, ao jogar na Liga, surgem muitas oportunidades para sair. Foi quando apareceu esta proposta, que inicialmente me causou alguma estranheza, pois nunca tinha ouvido falar do clube. No entanto, como é habitual, comecei a conversar com algumas pessoas. Fui-me inteirando do projeto e gostei bastante do que me apresentaram. Além disso, o Diego Lopes e o Pedro Henrique, que já tinham estado em Portugal, falaram-me muito bem do clube e tudo aconteceu de forma muito natural. Claro que a parte financeira também teve o seu peso, porque é evidente que, quando se vai para a Ásia, isso é sempre um fator importante. No entanto, o que me atraiu mesmo foi o projeto, pois as condições do clube são fantásticas.
- Qual foi o primeiro impacto?
- Quando cheguei, tinha algumas expectativas, claro, mas falando apenas do clube, sem considerar a cidade, não senti uma grande diferença em termos de condições. Na verdade, até achei que as condições eram muito semelhantes às que estava habituado em Portugal, inclusive no FC Porto. O clube construiu um centro de treinos novo, e as instalações são todas bastante recentes, com três ou quatro anos. Além disso, a equipa que trabalha no clube é praticamente toda europeia – fisioterapeutas, preparadores físicos, treinadores, diretores, entre outros. Por isso, não senti aquele impacto grande de adaptação. Quando cheguei, o Pedro e o Diego, que já estavam aqui, acolheram-me muito bem na primeira semana, e senti-me logo em casa. Acredito que, por exemplo, o Diego, que chegou em 2020, deve ter enfrentado mais dificuldades, já que o clube estava a ser criado e não tinha ainda instalações próprias, e os jogadores treinavam em campos do governo. No entanto, atualmente a situação já é muito diferente. Quando eu cheguei, a regra para os estrangeiros era de três mais um – podiam ser inscritos três estrangeiros mais um asiático. Este ano, a regra passou para quatro mais um, ou seja, quatro europeus, um asiático e um sub-21. Portanto, já podemos ter seis jogadores estrangeiros em campo. E, com o bom desempenho que estamos a ter, o clube, a liga e o país têm ganho muita visibilidade, o que é ótimo para todos.

- Num campeonato com apenas nove equipas, encontrou muitas diferenças do ponto de vista estrutural?
- Há coisas aqui que são muito complicadas, especialmente no que diz respeito à organização. Não é no nosso clube, porque o nosso clube é totalmente profissional e bem organizado. O problema está fora do clube. Vou dar-te um exemplo recente: tínhamos a primeira mão da meia-final da Taça marcada para terça-feira passada, e a segunda mão estava marcada para um mês depois, ou seja, dois ou três dias antes da final, caso passássemos. De um dia para o outro, eles cancelam o jogo e transferem-no para o mês seguinte. E, para piorar, os três próximos jogos que tínhamos marcados para os fins de semana seguintes, vão ser jogados em outro campo, porque vão ocorrer eleições. Ou seja, retiram-nos o nosso campo e vamos jogar num campo aleatório que já não é usado há mais de um ano.
Outra diferença grande que vejo são os estádios. Este ano, temos apenas três estádios: um com relvado e dois sintéticos. Todos os estádios são do governo, ninguém tem estádio próprio, porque construir um estádio aqui não é barato. E o problema não é tanto o dinheiro, mas sim o espaço.
- E onde é que fazem os treinos regularmente? É nesses estádios?
- Nós temos o nosso próprio centro de treinos. O nosso clube é muito bem organizado e altamente profissional, ao nível das melhores equipas da Europa. Já fora do nosso clube, a realidade das outras equipas é bem diferente.
- Já tivemos a oportunidade de falar com outros jogadores portugueses que atuam na Ásia, e todos mencionam que o jogo nesses campeonatos tende a ser mais partido, com uma certa falta de cultura tática. O Rui concorda com essa visão?
- Isso chocou-me um pouco. Nos primeiros jogos, estava de fora e pensava: 'Meu Deus, o que é isto?' Mas uma coisa é estar de fora, outra é estar lá dentro, a tentar fazer as coisas e perceber o quão difícil é. Tentamos não sofrer golos, mas quase todos os jogos... Acontece sempre acontece alguma coisa. Há sempre um penálti, alguém que não segue a marcação. Há sempre algo que falha em todos os jogos.
Por melhor que o jogador local seja, há uma grande diferença, especialmente a nível tático. Estamos habituados a uma cultura de trabalho intensa, com pré-treinos e pós-treinos, algo que aqui não é tão comum. Pequenas coisas táticas que para nós são simples, para eles não são, porque nunca lhes foram ensinadas. Ou seja, eles não têm culpa. Por isso, não podemos esperar mudar tudo de uma vez; isso leva tempo.
Muito da nossa vinda para cá tem a ver com a direção do clube, que procura jogadores com a nossa mentalidade de trabalho, para conseguirmos impor a nossa posição no campo e fora dele. E, assim, os jogadores locais percebem que a diferença é grande.
- Como é o ambiente no balneário?
- A malta local é muito tranquila, damos-nos todos bem. Mas não há aquela cultura de balneário que temos no nosso país. Em Portugal, por exemplo, tínhamos almoços de equipa todas as semanas, que muitas vezes acabavam em jantares. Aqui, essa cultura não existe tanto, mas, claro, temos de perceber onde estamos e respeitar a cultura local.
- Sei que há aí um fenómeno muito curioso relacionado com... trovoadas.
- (risos) Já me aconteceu várias vezes começarmos o treino, fazermos o aquecimento e, quando está na hora de iniciar, depois de um ou dois minutos, temos de interromper pelo risco de trovoada. O sistema do edifício tem sensores, e mal deteta essa possibilidade, começa a apitar como um alarme de incêndio e uma voz a avisar para sairmos do campo. É algo que acontece frequentemente, e a espera é obrigatória. Temos que ficar parados por meia hora, e se o alerta continuar, temos que esperar mais meia hora. Não é nada fácil. Já houve vezes em que tivemos de ir para casa ou esperar mais de uma hora, dependendo da disposição do treinador.
- E em jogo, já aconteceu alguma vez?
- Aconteceu há duas ou três semanas, foi a primeira vez em dois anos. Aos quinze minutos de treino, começou a trovejar e tivemos de sair. Fomos esperar no balneário durante meia hora e, depois desse tempo, voltámos ao campo. Mas é muito estranho... É uma situação caricata que, honestamente, nunca pensei que fosse viver. Mas, como te disse, é questão de hábito. Já estamos habituados, por isso já não nos incomoda tanto.

"Estou num clube de topo e vou de transportes públicos para o treino"
- Gostava de saber como é a relação dos adeptos com o futebol, se eles realmente vibram com os jogos e como é que o futebol é vivido aí?
- É muito estranho, porque os adeptos vibram, mas, na minha opinião, como a liga local não é tão forte, eles não apoiam tanto a competição nacional. São completamente viciados na Premier League. Por exemplo, todos são fãs do Manchester City, Manchester United, Liverpool, Arsenal... A razão para isso, acredito, é que a liga inglesa é a única que eles conseguem acompanhar em tempo real, porque os jogos começam à hora de almoço, no horário europeu, o que permite ver os jogos aqui à noite.
No ano passado, o Liverpool esteve aqui para uma pré-época, e também o Tottenham e o Bayern Munique. Nós tivemos jogo contra o Tottenham e estavam cerca de 20 a 30 mil pessoas. Depois fui ver o Liverpool contra o Bayern Munique, e o estádio estava cheio, com mais de 50 mil pessoas. E eu pensei: 'Uau, os nossos jogos também devem estar cheios!' Mas na liga local, não é nada disso. Temos adeptos, mas não é algo comparável. No entanto, agora com a Champions, o estádio enche praticamente por completo, o que é ótimo, pois a campanha que estamos a fazer tem sido muito boa. As pessoas estão a começar a seguir mais a equipa. E a final da Champions vai ser aqui, por isso teremos outra casa cheia, o que vai ser excelente. Acho que o nosso bom desempenho, mesmo fora de casa, atrai mais atenção das pessoas, porque a cultura de futebol local não é tão forte. Aqui, ando na rua como se nada se passasse.

- O Rui joga numa equipa grande de Singapura, que luta por títulos, mas já mencionou em entrevistas anteriores que vai para os treinos de autocarro. Algo impensável em Portugal.
- Sim, imagina o nível (risos). Estou aqui num clube de topo, como se fosse o FC Porto ou o Benfica, mas, no meu dia a dia, sou completamente desconhecido. Às vezes vou para os jogos já equipado, e ninguém me reconhece. Só tive duas ou três abordagens nestes dois anos, fora do clube, como no supermercado ou uma vez numa pastelaria, onde me pediram para tirar uma foto, e eu fiquei: 'Uau, isso é estranho.' Não têm a mesma paixão pelo futebol que nós temos. Portanto, vou de transportes públicos para o treino e é tudo muito tranquilo.
- Por falar nisso, como é viver em Singapura, um país com uma densidade populacional elevadíssima?
- É outro mundo! Costumo dizer que é um bocado o Mónaco da Ásia. É um país super pequenino, consegues atravessá-lo de uma ponta à outra, talvez em uma hora de carro, por aí. Tem, penso eu, cerca de seis milhões de habitantes.
- Impressionante.
- É um país muito caro, especialmente nas rendas. Os locais, por exemplo, costumam comer em hawker centres, que são mercados de comida, e lá conseguem refeições baratas, algo que em Portugal já é difícil de encontrar. (...) A qualidade de vida é excelente, embora o país seja estupidamente caro. E, como estamos perto do Sudeste Asiático, já consegui visitar quase todos os países à volta.
- Quais países é que já teve a oportunidade de visitar?
- Já percorri todos os países à volta: Japão, Coreia, Hong Kong, China, Vietname, Filipinas, Indonésia, Tailândia... Já consegui visitar tudo. Estamos a aproveitar enquanto estamos deste lado do mundo, porque não sabemos quando voltaremos no futuro, e é uma ótima oportunidade para conhecer novas culturas.

"Final não pode ser jogada em nossa casa por causa de um concerto da Lady Gaga"
- Um dos grandes destaques desta temporada do Lion City Sailors foi a chegada à final da Liga dos Campeões da Ásia 2. Como explica este feito?
- Passar a fase de grupos já seria um feito histórico, mas as coisas começaram a correr muito bem. Tivemos duas vitórias e um empate nos primeiros três jogos, num grupo muito difícil. Depois, no último jogo em casa, precisávamos de vencer para passar. Estávamos a ganhar 2-0, mas os adversários empataram em cinco minutos e acabámos por ganhar 5-2. Foi um feito histórico para o país e para o clube. Nos oitavos, enfrentámos uma equipa tailandesa e vencemos. Na eliminatória seguinte, jogámos contra os japoneses (Sanfrecce Hiroshima), que estavam muito melhor classificados – nós em mil e tal no ranking, e eles em cerca de cem – e acabámos por perder 6-1. No entanto, algo inacreditável aconteceu a este nível: utilizaram o Valère Germain (ex-Mónaco e Marselha) de forma irregular e foram penalizados, perdendo 3-0. Depois, no nosso campo, que é sintético e onde somos muito fortes, conseguimos o empate. Avançámos para as meias-finais contra o Sydney...
- Também difícil.
- Foi também muito difícil. Eles têm estrangeiros de grande qualidade, alguns que já jogaram na Premier League, na Liga Italiana... Em casa, ganhámos 2-0, fizemos um grande jogo, e depois conseguimos confirmar a passagem para a final na casa deles.
- O presidente do clube deve ter ficado eufórico...
- Sim, sim, sim, sim... Só para tu pensares, o clube existe há apenas cinco anos, e se alguém tivesse dito ao dono que, passados cinco anos, estaríamos numa final ao nível da Liga Europa, ninguém acreditaria. Acho que, mesmo este ano, ninguém tem noção do feito que conseguimos para o futebol de Singapura. Foi realmente um feito enorme. E agora, estamos na final e vamos ver como corre, porque vai ser aqui em Singapura também.
- Vi um comunicado do clube sobre o local da final. Não queriam que a final fosse em Singapura? Afinal, o que se passou?
- Já tinha sido decidido que a final da Liga dos Campeões 1 seria na zona Este da Ásia, entre Arábia Saudita, Catar e Dubai. Na Liga dos Campeões 2, ficou estabelecido que seria no país do vencedor da meia-final entre nós e o Sydney. No entanto, surgiu um pequeno problema (risos). Em Singapura, temos o Estádio Nacional, que é um estádio excelente, onde joga a seleção, o único com condições incríveis, e a final está marcada para o dia 18 de maio. Mas, nesse dia exato, haverá um concerto da Lady Gaga, que ficará por aqui durante quatro ou cinco dias, o que torna impossível utilizá-lo para a final. Uma situação um pouco caricata (risos).
Então, pediram autorização para realizar a final no nosso estádio, o sintético, mas o Al Sharjah, que é a equipa dos Emirados, não aceitou. Este tipo de situação envolve até questões do governo. Ter uma final que poderia ser organizada no teu próprio país e enfrentar este tipo de problema não seria bom para ninguém. Mas já arranjaram uma solução. No entanto, terão de aumentar a capacidade desse estádio, colocando bancadas atrás da baliza e do lado oposto. Além disso, será necessário fazer várias alterações, como aumentar a capacidade VIP, reforçar a segurança, alterar os balneários e outras mudanças. Mas, ao dia de hoje, parece que será possível realizar a final em Singapura.
- Ou seja, ninguém contava que vocês chegassem à final...
- Sim, sim... Isso era a última coisa possível (risos).
- Como estão a viver esse momento dentro do clube?
- Apesar de ser um feito muito histórico, também sentimos uma certa pressão para ganhar. Não é que nos tenham colocado pressão, mas, pessoalmente, sinto essa responsabilidade, principalmente depois da fase de grupos. Sinto que podemos e devemos chegar longe. Foi uma caminhada muito interessante e agora estamos na final, algo completamente histórico e inesperado. Não sei se vai acontecer novamente nos próximos anos, mas é um momento único. Temos de aproveitar, porque não é todos os dias que se joga uma final destas. Agora é desfrutar e tentar ganhar, já que chegámos até aqui.
- E notou mais entusiasmo do lado dos adeptos?
- Sim, sim... O estádio teve lotação esgotada no jogo da primeira mão da meia-final. Foi a primeira vez que isso aconteceu. Agora, para a final, vai encher num instante. Além disso, tivemos muitos adeptos a viajar connosco para Sydney, o que mostra que há cada vez mais interesse. E isso é algo muito bom para o futebol local, porque eles têm toda a capacidade para crescer.

"Portugal? Adoraria continuar na Ásia"
- Dois anos em Singapura... Sente que houve uma transformação no seu percurso como jogador e como pessoa?
- Tenho dito à minha esposa que foi, até agora, a melhor decisão das nossas vidas. Quem diria que, há dois anos, eu viajaria pela Ásia, não só em férias, mas também com o clube? As experiências que já vivi são únicas e estou muito grato por estar aqui, pois isso abre portas para outros países também. Muitos jogadores gostariam de ter a oportunidade de vir para a Ásia, e, apesar de parecer fácil, não é qualquer jogador que consegue.
O país é super tranquilo, com uma qualidade de vida incrível. Vivemos em um condomínio fechado, onde as crianças podem brincar à vontade, sem preocupações. (...) Aqui, a segurança é excelente: não há assaltos, a criminalidade é mínima, não há sem-abrigos e as mulheres podem andar sozinhas à noite sem qualquer problema. O único problema é ser muito longe de Portugal (risos). Mas estamos a gostar muito e veremos o que o futuro nos reserva.

- Por falar em futuro, quais são as suas expectativas? O objetivo é continuar ou, em algum momento, tem a intenção de voltar a Portugal?
- Bem, o meu contrato termina em junho deste ano, por isso estou aberto a todas as possibilidades. Gosto muito de estar aqui e adoraria continuar na Ásia, como já expliquei, pela cultura e pelas condições, que são muito superiores às de Portugal, fora dos três grandes. Mas, no futebol, nunca sabemos o que pode acontecer. Embora a nossa liga (portuguesa) seja muito competitiva e uma vitrine importante para jovens jogadores, estou sempre aberto a novas oportunidades. Se me perguntasses, eu gostaria muito de continuar por aqui, porque estou a adorar a experiência e, claro, é também muito bom para o meu futuro e para a minha família.
- Quando se vai para fora é que se percebe o verdadeiro nível que existe em Portugal?
- Sinto que o nível de treino aqui é um pouco diferente. A escola de treinadores portugueses é muito forte, tanto taticamente quanto na maneira como se comunicam com os jogadores. Eu fui formado no FC Porto, onde tive treinadores muito exigentes e estou habituado a um estilo de jogo mais controlado, com pausas e a gestão dos ritmos da partida. Cada treinador tem a sua abordagem, mas sinto falta dessa escola portuguesa. Para mim, não há nada igual, pelo menos com o que já experienciei. Claro que sinto saudades disso, mas continuo a aprender. Tive uma boa experiência em França, e acredito que em qualquer lugar há sempre algo a aprender.

"Aprendi tudo no FC Porto, passei lá os melhores anos da minha vida"
- O que é que o FC Porto lhe deu ao longo dos anos, tanto em termos de desenvolvimento como jogador, com tantos bons jogadores e treinadores ao seu lado, quanto a nível pessoal? Passou lá muitos anos e essa convivência certamente teve um impacto importante na tua formação.
- Assinei com o FC Porto com 11 anos e estive lá até aos 20. Tudo o que sei e o que sou hoje, a nível de futebol, devo à escola do FC Porto. Vim de uma aldeia muito pequena, em Mirandela, e sair para o FC Porto, para a casa do Dragão, foi um grande desafio. Com apenas 13 anos, foi difícil deixar a minha família e adaptar-me a uma cidade grande, mas ao mesmo tempo foi uma grande experiência de crescimento. As amizades que fiz nessa altura são as que tenho até hoje. Passei os melhores anos da minha vida no FC Porto, tive momentos incríveis de aprendizagem, mas também difíceis, que me moldaram tanto como jogador quanto como pessoa. Foi ali que aprendi tudo.
- O que acha que fez a diferença no seu caso para ter conseguido atingir o patamar de profissional?
- Sinceramente, nunca fui aquele jogador com qualidades superdotadas, mas sempre fui muito trabalhador, com uma boa leitura do jogo, respeitador e um líder tanto dentro de campo quanto no balneário. Acho que essas são as minhas principais características, e talvez tenham sido elas que me ajudaram a tornar-me profissional de futebol, porque, como te disse, não é fácil. Todos os miúdos na formação sonham em ser jogadores profissionais, mas a realidade é bem diferente. Muitos veem o Cristiano Ronaldo e têm a ilusão de que é fácil, mas na verdade, a carreira de um jogador em Portugal nem sempre é financeiramente tranquila.
A carreira de futebol é curta, e é preciso aproveitar o tempo para garantir um futuro melhor para nós e para a nossa família. Esse foi um dos fatores que me motivaram. Quando cheguei ao FC Porto, com 12 ou 13 anos, vi muitos jogadores com muito mais talento, mas continuei a trabalhar e, com o tempo, fui crescendo. Tive a sorte de ser capitão na formação e de jogar constantemente, e isso fez com que as coisas acabassem por correr bem.

- Ficou a faltar a estreia na equipa principal do FC Porto. Foi difícil lidar com isso?
- Eu podia ter ficado no FC Porto, na equipa B, esperando mais um ou dois anos para ver se surgia uma oportunidade na equipa A, mas essa oportunidade não apareceu. Então, precisei tomar uma decisão, porque já estava demasiado estável na equipa B, onde era capitão e jogava todos os jogos. Eu queria mais para a minha carreira. Foi quando surgiu a possibilidade de ir para a França (Troyes), e, felizmente, correu bem, porque conseguimos a subida à primeira divisão, que era o objetivo.
Claro que fiquei triste por nunca ter chegado à equipa A do FC Porto, que era o clube do meu coração. Mas o futebol é assim, há muitos jogadores que também não conseguiram e fizeram carreira fora. No meu caso, foi essa a minha trajetória e, sinceramente, não tenho arrependimentos pelas decisões que tomei até agora.
- Guarda alguma palavra e/ou conselho de um colega ou treinador que recorde até hoje?
- O que guardo de mais valioso são as palavras dos meus pais, que sempre me ensinaram a ser trabalhador e respeitador.
- Rui, o que gostaria que dissessem sobre si no dia em que decidir terminar a carreira?
- Em todos os clubes por onde passei, fiz grandes amizades. O que mais valorizei sempre foi saber que, onde quer que trabalhasse, ninguém teria algo negativo a apontar. A maior alegria para mim é ouvir as pessoas falarem bem do meu trabalho, da minha personalidade e da minha atitude, tanto nos treinos quanto no dia a dia. No final, acho que o que me caracteriza é a humildade, o trabalho árduo e a minha personalidade.
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