Recorde as incidências da partida
Chegou sem grande alarido e quase como um desconhecido para os adeptos brasileiros. Hoje, em Belém do Pará, o seu nome já ecoa nas ruas.
João Pedro é o "portuga" que assinou a reviravolta do Remo diante do Goiás (3-1), vitória que devolveu o clube ao Brasileirão após longos 31 anos de espera. Ou seja, o avançado português ainda não era sequer nascido na altura em que o Remo pisou os grandes palcos do futebol brasileiro pela última vez.
Em conversa exclusiva com o Flashscore, o camisola 45 recordou a campanha histórica que devolveu o orgulho aos remistas e os seus planos para o futuro.

"Era exatamente o tipo de projeto que procurava"
- O João Pedro tinha terminado o campeonato no Vietname e, não sei se do nada, apareceu esta possibilidade de ir para o Brasil. Como é que surgiu?
Essa oportunidade surgiu no mercado de verão. Eu estava jogador livre e apareceram algumas propostas. Uma delas era do Brasil - aliás, tinha duas propostas do Brasil. Depois, quando fui informar-me sobre o clube, percebi que o treinador era português (António Oliveira) e o Marcos Braz foi quem entrou em contacto comigo e com o meu representante. Achei que as condições eram perfeitas e que era exatamente o tipo de projeto que procurava há cerca de dois anos: algo com paixão, com emoção. E o Brasil… toda a gente sabe como é o futebol lá. Não tinha como dizer que não.
- O Remo terminou o campeonato com a subida de divisão depois de uma reta final de campeonato absolutamente competitiva. Foi fácil manter a calma nos últimos jogos?
Acho que foi dos campeonatos mais competitivos em que participei. Havia ali, talvez, sete equipas muito próximas na tabela desde o momento em que cheguei. Aquilo mudava constantemente e todos os pontos eram preciosos. Pela experiência que tenho e pelo trabalho que faço, acho que isso também me ajudou a manter a calma, pelos campeonatos em que já joguei, pelos jogadores com quem já partilhei balneário, tudo isso conta. Foi muito importante nesta reta final acreditar no processo e confiar que as coisas iam correr bem.
- Chega ao Brasil e poucos o conheciam, até porque tinha estado a jogar no Vietname. Olhou para isso de forma positiva? Do género: “Ok, eles não me conhecem, mas vão ficar a conhecer”?
Exatamente! Eu não sou o tipo de pessoa que chega a um sítio novo a viver do que fez antes ou das coisas boas que já conquistou. Claro que o passado importa, mas não acho que seja o mais importante. Em todos os clubes onde vou, tento sempre escrever uma história diferente, sempre para melhor, o melhor possível. E foi isso que levei comigo. O que eu acho é que tenho de corresponder dentro de campo e aí, sim, as coisas mudam.

- O Remo estava com algumas carências do ponto de vista ofensivo. Foi isso que o Braz lhe disse no primeiro contacto?
Não, não diretamente por parte dele, mas percebi que no clube havia essa necessidade e os adeptos também sentiam que faltava algo nesse aspeto. Mas isso é normal. Mesmo eu exijo golos de mim próprio. Sei que vai haver momentos em que eles não aparecem, mas continuo a exigir golos, assistências, jogar bem, ajudar a equipa… acho que isso é o mais importante.
Ele tentou ajudar-me ao máximo, ficou supercontente por eu corresponder às expectativas e eu ainda quero corresponder mais. Acho que está tudo bem encaminhado para que isso continue a acontecer.

As emoções da última jornada: "Uma coisa de loucos"
- Vamos até 23 de novembro, dia da última jornada… recordar tudo: como é que foi para os adeptos e como é que vocês viveram o dia?
O caminho do hotel até ao estádio… a cidade pára, literalmente. Dou-vos um exemplo: os adeptos fazem a escolta a pé. Há um trajeto que, de autocarro, se faz em dois minutos, mas naquele dia demorou vinte, vinte e cinco minutos, porque são os adeptos a cantar o caminho inteiro. Muitas vezes rezam, fica toda a gente ali, numa multidão, a orar por nós, a rezar o Pai-Nosso… uma coisa de loucos. Foguetes, batem no autocarro, algo que eu nunca tinha visto. Na Turquia também vivi adeptos muito apaixonados, mas assim… uma coisa mesmo de loucos.
Havia aquele friozinho na barriga, era um jogo super importante - a equipa não ia para a Serie A há trinta e um anos. Mas acho que era aquela pressão boa, e é para isso que nós jogamos. Pelo menos eu gosto disso: gosto destes jogos, destes campeonatos fortes, dessa emoção. E fiz tudo - fizemos todos - para que desse certo e para que fosse um dia incrível.
- Era um jogo importantíssimo, não dependiam só de vocês, sofrem logo aos sete minutos... Como viveram todas essas emoções?
O facto é que a equipa entrou muito bem no jogo. Só que, num lance, eles vão lá e fazem o golo. Mas nós mantivemo-nos motivados e acho que os adeptos nos ajudaram imenso. Muitas vezes, como são tão emotivos, podem ficar chateados e começar a gritar, mas naquele jogo foi… incrível. Continuaram sempre a apoiar-nos.
A equipa continuou a jogar muito bem, a praticar bom futebol, e estávamos a criar muitas oportunidades. E até que, perto do final da primeira parte, conseguimos a reviravolta.
- Eu vi um vídeo do seu pai a dizer que você tinha dito: “Eu vou ficar na história do Remo.” E a verdade é que ficou... Faz dois golos nesse jogo. Estava mesmo confiante de que isso ia acontecer?
Eu estava confiante, mas claro que não estava à espera que fossem dois golos. Mas estava confiante de que ia fazer um grande jogo e de que íamos ganhar. Os meus pais estavam presentes, e os dois já não viam um jogo meu juntos há alguns anos, por isso foi… perfeito. A minha confiança vinha muito dessa motivação, era aquilo que eu sentia. Normalmente, aquilo que se diz é para se fazer e, graças a Deus, consegui fazer mais uma vez e deu certo.
- Por tudo isso, foi o melhor jogo da sua carreira? Ou é difícil assumir isso?
É difícil dizer, porque há muitos jogos que foram importantes e que me marcaram. Até houve jogos que não correram tão bem, mas nos quais cresci e aprendi muito. Mas sim, pode dizer-se que foi um dos momentos mais bonitos que vivi.

"Alguns adeptos dizem que vão dar o meu nome aos filhos"
- E depois do jogo, como é que foi essa alegria, essa comunhão com os adeptos? O telemóvel, se calhar, ficou sem bateria rapidamente…
Por um lado, ainda bem que ficou sem bateria, porque assim consegui aproveitar o momento da melhor maneira. Mas foi… incrível. Tive os meus familiares e amigos a enviarem mensagens, supercontentes, porque eles também vivem o meu sonho.
A festa foi algo de outro mundo - a cidade inteira, uma multidão enorme. E depois, a parte mais calma, no restaurante com os meus familiares… foi tudo muito bonito. Foi mesmo muito bom.
- Quando chega poucos o conheciam, mas acredito que agora já todos saibam quem é o João Pedro...
Agora já sabem, sim. Até há histórias caricatas: dizem que vão dar o meu nome e o nome do melhor marcador da nossa equipa, o Pedro Rocha, aos filhos: “João Pedro Rocha” (risos). São coisas engraçadas que ficam. Claro que é bom ser reconhecido, mas o essencial é que tudo correu bem e conseguimos subir à Serie A.
- O povo brasileiro vive muito o futebol e algumas pessoas esquecem as dificuldades do dia a dia no jogo. O calor humano foi aquilo que mais o surpreendeu?
Eu já acompanhava o futebol brasileiro, mas acho que só quando estamos lá, de perto, é que percebemos verdadeiramente. Nota-se mesmo a emoção, o amor que eles têm pelo futebol. E é algo que não tem explicação, porque aquilo é a alegria deles. Acho que, se o futebol não corre bem, a vida deles também não corre bem... é ali que, como disseste, vão buscar felicidade.

"O maior património do Remo são os adeptos"
- O que é que podemos esperar do futuro do Remo e também do João Pedro?
Agora uma etapa já está ultrapassada, está feita, está conquistada. Agora é olhar para mais e continuar a escrever uma história bonita. Essa é a minha intenção e é para isso que vou trabalhar.
- Ficou surpreendido com o projeto do Remo?
Fiquei, fiquei. Pelas ideias e pelas intenções que têm para os próximos anos. Acho que é um clube que vai crescer muito, se as coisas correrem bem, e tem tudo para dar certo: a cidade, o envolvimento com os adeptos, tudo. E há algo muito especial: eles são realmente apaixonados pelo futebol. Acho que o maior património do Remo são mesmo os adeptos, e isso é uma grande vantagem para entrar na Serie A.

- Para finalizar: que mensagem gostaria de deixar aos adeptos do Remo? É seguro que continua no clube na próxima época?
É seguro, é seguro. No futebol nunca dá para pôr tudo a cem por cento, mas diria que é praticamente garantido que vou continuar.
A mensagem que deixo é que vamos continuar a escrever uma história linda - uma história incrível - juntos, e que seja feita de muitas conquistas. Não vai dar para ganhar sempre, mas esperamos conseguir vencer a maior parte das vezes. É para isso que vamos trabalhar, e acredito que tudo vai correr bem.
