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Reconhecimento facial nos estádios como um travão à violência no futebol

Reconhecimento facial no estádio do Palmeiras
Reconhecimento facial no estádio do PalmeirasMIGUEL SCHINCARIOL / AFP

Numa enésima tragédia no futebol sul-americano, uma jovem de 23 anos morreu devido ao impacto de uma garrafa de vidro lançada durante uma rixa entre adeptos do Palmeiras e do Flamengo no exterior do estádio em São Paulo.

O culpado foi detido em poucas horas, graças ao recente sistema de reconhecimento facial no Brasil. Os controlos biométricos - com impressão digital ou reconhecimento facial - em estádios com mais de 20.000 lugares são obrigatórios por lei no gigante sul-americano desde julho, como medida para reforçar a segurança.

A iniciativa é pioneira na América do Sul, embora clubes como o River Plate, da Argentina, apostem nesta tecnologia, muito eficiente também para combater a revenda de bilhetes.

O Palmeiras foi o primeiro no Brasil: o acesso ao Allianz Parque passou a ser 100% via reconhecimento facial em 2023. O adepto regista o seu rosto e dados pessoais via internet. Já não precisa de bilhete.

"Sabemos exatamente quem está em cada cadeira", diz à AFP Oswaldo Basile, responsável pela auditoria interna do clube_ "Podemos estabelecer responsabilidades se houver problemas".

No caso da morte de Gabriela Anelli, em julho de 2023, o Palmeiras determinou, através das câmaras, em que momento a garrafa foi lançada nas proximidades de um dos portões do estádio. As informações de todas as pessoas que entraram pelo portão foram cruzadas com vídeos na rua para identificar o agressor.

O reconhecimento facial foi testado em estádios de futebol na Europa, embora as leis de proteção de dados limitem a sua aplicação, devido ao risco de fugas de dados pessoais ou erros.

Nos Estados Unidos, equipas das ligas de basquetebol (NBA), basebol (MLB) e futebol americano (NFL) implementaram a identificação biométrica, também com controvérsia.

Os clubes brasileiros devem manter por lei a confidencialidade dos dados pessoais.

"Mais seguro"

Tironi Paz Ortiz, CEO da Imply, empresa de sistemas biométricos que trabalha com clubes e seleções de vários países sul-americanos, afirma à AFP que a legislação que obriga ao uso desta tecnologia representa "um grande avanço" na "prevenção" da violência.

Em maio, destaca, na véspera de um jogo entre o Fortaleza e o Colo Colo da Taça Libertadores, o sistema da Arena Castelão bloqueou cerca de 500 tentativas de compra de bilhetes por adeptos chilenos proibidos por infrações de segurança.

O encontro entre ambas as equipas em Santiago, no mês anterior, tinha sido suspenso após uma avalanche de adeptos que resultou em dois mortos, dois jovens de 13 e 18 anos.

O Palmeiras dá ainda conta de foragidos da justiça identificados e detidos pelas autoridades no seu estádio, num acordo com a polícia de São Paulo. Mais de 200 fugitivos foram detidos, incluindo traficantes de droga e homicidas, segundo o clube.

Antes de entrar no Allianz Parque, Lucas Lagonegro, um adepto com um casaco do Palmeiras, diz sentir-se "mais seguro". "Há mais crianças, mais mulheres, mais famílias", considera este advogado de 32 anos.

Dirigentes consultados pela AFP confirmaram que a medida incentivou mais famílias a irem ao estádio. A assistência aos estádios mantém-se estável, com uma média de mais de 26.000 espectadores por jogo no Brasileirão 2025.

Custos

Um sistema próprio de reconhecimento facial pode custar 1,5 milhões de dólares (1,29 milhões de euros), dependendo do estádio, segundo a Imply. O valor é inalcançável para a maioria dos clubes sul-americanos.

Assim, o Internacional de Porto Alegre prefere alugá-lo por cerca de 4.500 dólares mensais para o Beira-Rio.

"Sendo um estádio que recebeu o Mundial (em 2014), tinha numerosas câmaras, por isso conseguíamos identificar rostos de infratores (...), mas era difícil saber os seus nomes", indica André Dalto, vice-presidente de administração do clube. Hoje, declara à AFP, consegue-se "facilmente".

No entanto, os especialistas consideram fundamental a coordenação com as autoridades.

As autoridades de segurança argentinas, por exemplo, foram responsabilizadas por não terem atuado a tempo na descomunal batalha campal entre adeptos do Independiente e da Universidad do Chile em Avellaneda num jogo da Taça Sul-Americana em agosto.

A batalha campal, uma das piores dos últimos anos na região, resultou em 19 feridos, dois com gravidade, e mais de cem detidos.

O reconhecimento facial "pode ser útil desde que o resto dos componentes (da segurança) seja eficiente: a polícia, a justiça", diz à AFP o sociólogo colombiano Germán Gómez, autor do livro 'Fútbol y barras bravas, um fenómeno urbano'. E sublinha a necessidade de ir além do punitivo, com campanhas "pedagógicas" de prevenção.