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Exclusivo com Juan Barbas sobre o bis à Roma: "A comemoração antecipada motivou-nos"

Juan Barbas com a camisola do Lecce
Juan Barbas com a camisola do LecceCalciopedia
O argentino, que marcou dois gols na histórica partida entre Roma e Lecce (2-3), em abril de 1986, que inesperadamente interrompeu a corrida dos Giallorossi rumo ao terceiro Scudetto, falou com exclusividade ao Flashscore para nos contar sobre aquele jogo incrível. Hoje, em Salento, uma terra que ele ama, ele também será um espetador interessado do que é atualmente um confronto de salvação

20 de abril de 1986. Roma e Juventus estão empatadas no topo da tabela a apenas duas jornadas do fim do campeonato. Os giallorossi, no entanto, enfrentaram um Lecce despromovido em casa naquele dia, enquanto os bianconeri tiveram de receber um AC Milan feroz. Uma situação que, graças à inércia positiva da equipa da Capitolina, os levou a esperar um terceiro Scudetto. Nada poderia ser mais enganador, dada a vitória dos Salentini no Olimpico, num jogo histórico em que o trequartista argentino Juan Barbas marcou dois golos.

- Barbas, hoje é dia de Roma contra Lecce...

- Já faz muito tempo, mas foi um jogo tão histórico que é impossível esquecer. Nesse ano, só tinha marcado dois golos até à penúltima jornada, e aí marquei outros tantos em menos de um quarto de hora.

- Aquela equipa da Roma parecia estar a caminho do Scudetto. Tu, por outro lado, já estavas na Série B.

- Para nós, era um jogo como outro qualquer, sinceramente. Já estávamos rebaixados e em muitos jogos não colhemos o que plantamos. Mas entrámos em campo para dar uma recompensa aos adeptos do Lecce, apesar da despromoção.

- No entanto, a Roma vinha de um momento muito bom e estava numa tendência positiva.

- Antes do pontapé de saída, quando entrámos no relvado para ver as chuteiras a utilizar, vimos o presidente Dino Viola e o presidente da Câmara da altura (Nicola Signorello) a passear pelo estádio. Já estavam a festejar. Posso dizer, em retrospetiva, que assistir a tudo aquilo nos motivou de alguma forma a dar o nosso melhor. De alguma forma, para estragar a anunciada festa da Roma.

- E conseguiram-no. Mesmo que tenha começado mal.

- Aos sete minutos, Graziani já tinha marcado. E nós pensámos: "é isso, agora marcaram dez". Eles tinham Boniek, Giannini, uma série de jogadores fantásticos. Depois, Di Chiara empatou e, alguns minutos mais tarde, Pasculli marcou um penálti. Fui bater com toda a calma do mundo e marquei.

- O que é que sentiu nesse momento?

- Foi relativamente fácil para mim rematar. Não estávamos a jogar nada e entrámos em campo com calma e tranquilidade. Mas quando marquei o golo vi o contraste entre um estádio que só parou por um segundo e depois continuou a aplaudir os jogadores. Estes, pelo contrário, tinham congelado. Começaram a ficar realmente assustados. De facto, não percebiam nada.

- Depois, na segunda parte, surge outro golo seu.

- Foi novamente Pasculli que criou perigo, colocando a bola no meio. Eu fui rápido a apanhá-la e a passar por Tancredi, e depois marquei. Foi sem dúvida o golo mais decisivo da minha carreira. A Roma reduziu a diferença no final, mas já era tarde demais. Eles estavam totalmente em choque. Não conseguiam acreditar que lhes tínhamos tirado o Scudetto.

- Tudo isto sempre no Olímpico, onde dois anos antes tinham perdido a final da Taça dos Campeões Europeus para o Liverpool. O seu nome estava praticamente associado ao de Grobbelaar....

- (risos). Não tinha sido um jogo da Liga dos Campeões, mas compreendo a comparação. O futebol é assim, é inacreditável.

Na edição de segunda-feira seguinte da Gazzetta
Na edição de segunda-feira seguinte da GazzettaGazzetta dello Sport

- Houve rumores sobre uma possível motivação com o prémio monetário da Juventus.

- Disseram-nos todo o tipo de coisas, que queriam subornar-nos com dinheiro, etc... Nada podia ser mais falso. Só tínhamos entrado em campo para representar o Lecce e o Salento numa época infeliz. Não digo que tirar o Scudetto à Roma tenha sido uma compensação, mas nesse ano fomos derrotados em alguns dos jogos que devíamos ter ganho. Esse dia, porém, foi histórico. E, sinceramente, tive a sorte de fazer parte dele como protagonista.

- Havia adeptos do Lecce no Olímpico nesse dia?

- Se havia, nunca os ouvi, porque o barulho dos adeptos locais era demasiado alto. O estádio estava todo amarelo e vermelho, mas com um tom romanista.

- Recebeu alguma ameaça depois do que aconteceu?

- Não, mas é verdade que passámos mais de uma hora no balneário antes de sair do Olímpico, obviamente escoltados pela polícia. Foi uma situação surrealista, a cidade estava vestida a rigor e nós tínhamos estragado tudo. Também foi estranho para nós termos feito tudo aquilo quando estávamos a ser despromovidos.

- Ainda hoje me lembro desses dois golos, metade dos que foram marcados nessa época.

- E antes do Roma vs Lecce chamaram-me, tal como tu (risos). Mas posso garantir que, enquanto jogava, estava em transe competitivo e, depois do golo do 1-3, nem me apercebi de que estávamos a matar o sonho da Roma. Joguei pela minha equipa e nada mais. O facto de estarmos a jogar sem pressão fez com que fizéssemos o melhor jogo possível.

- O que é que Barbas faz hoje?

- Trabalho no Atlético Racale, uma equipa da Eccellenza. Queria regressar a Salento e aqui estou. Regressei a Salento vindo da Argentina há dois anos porque adoro este lugar. Eu gostaria de ter ido para o Lecce, mas eles nunca quiseram me dar uma oportunidade.

- No entanto, de acordo com uma sondagem dos adeptos, tu e o Ernesto Chevanton são os melhores jogadores de sempre do clube de Salento.

- Fico feliz com este reconhecimento. E na rua há pessoas adultas que me cumprimentam e recordam com carinho, enquanto os jovens não sabem quem eu sou. E isso é normal. Também vejo isso com os rapazes que treino.

- O jogo de hoje, entre a Roma e o Lecce, opõe duas equipas com 13 pontos. É praticamente um confronto de salvação.

A Roma, no entanto, foi construída para ir à Europa, enquanto o Lecce tem sempre o objetivo de se salvar. Claro que, se olharmos agora para a classificação, tudo parece incrível, como naquela tarde de maio de 1986.

- Como vês o Lecce este ano?

- Gostei do Gotti como treinador, considero-o uma pessoa séria e com princípios, mas sabemos como é o futebol, onde os resultados imperam. Não conheço o Giampaolo, mas dizem que é um bom treinador que teve azar no Milan. Contra a Juventus, o Lecce conseguiu um excelente empate. Espero sinceramente que se salvem este ano com mais tranquilidade.

- Há algum jogador da equipa atual em que se reveja?

- Não, até porque o futebol mudou. Tive a sorte de jogar na Série A com Maradona, Platini, Zico, Boniek. Hoje é diferente. Quando eu jogava, era uma liga de elite.