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O desporto sempre fez parte da vida de Ana Dias. Começou no voleibol, mas quis o destino que fosse no futebol que encontrasse o seu verdadeiro palco. Rússia, Estados Unidos, México e, agora, Turquia: a avançada portuguesa tem levado o seu talento pelos quatro cantos do mundo e é hoje uma das maiores bandeiras nacionais além-fronteiras, reconhecida pela sua qualidade e consistência.
Com uma relação especial com o golo, Ana trabalha todos os dias com a mesma determinação de sempre, movida pela vontade de deixar os “seus” orgulhosos e de continuar a crescer. E não esquece a Seleção: "Representar Portugal é um orgulho e algo que nunca deixará de ser importante para mim. Do que depender do meu trabalho e da minha dedicação, farei tudo para continuar a ser chamada".
Há cinco anos a jogar fora de Portugal, a avançada do Fomget acompanha de perto o futebol português, sobretudo por causa da irmã Rita, que representa o Famalicão. E apesar de estar focada na experiência na Turquia, admite que voltar a casa já não lhe parece assim tão distante.

Do voleibol federado às memórias na casa dos avós: "Tive uma infância muito feliz"
- Quando pensa nas suas primeiras memórias relacionadas com o futebol, o que é que lhe vem à cabeça?
Sempre fui muito ligada ao desporto, desde pequena. Acho que está nos genes, uma vez que a minha mãe e o meu pai jogaram futsal. Sempre tive esse “bichinho” pelo desporto. No fundo, eu sabia que o meu futuro teria de estar ligado a isso.
Lembro-me que, no recreio da escola, era muito “Maria-rapaz”, super enérgica e ativa. Jogava futebol com os rapazes e também com a minha família, e guardo ótimas memórias desses momentos.
Curiosamente, o futebol não era algo que eu esperava seguir, porque na altura jogava voleibol. Fiz todo o ensino básico e secundário a jogar voleibol federado. No último ano, como já jogava nas escalões acima, houve aquela transição do 12.º ano para a universidade e deixámos de ter equipa federada, porque não havia jogadoras suficientes. Ficámos apenas com o desporto escolar, com um treino por semana.

Como sempre fui muito ativa, não conseguia treinar só uma vez por semana. Precisava de fazer mais alguma coisa. Na minha terra, em Vagos, havia torneios de verão e eu participava sempre. Acabavam por me convidar para integrar uma equipa feminina de futebol de sete.
Naquela altura o futebol feminino ainda era pouco valorizado, mas aceitei o convite. Falei com o treinador e comecei a treinar, de um treino por semana passei para quatro. No início era apenas um hobby, uma forma de me manter em forma, nada mais.
Mas tudo aconteceu muito depressa. No ano seguinte, com 16 ou 17 anos, recebi uma proposta para jogar na Liga, pelo Cadima, em futebol de onze. Pouco depois fui chamada ao meu primeiro estágio pela Seleção Sub-19 e, a partir daí, foi sempre a crescer.
Comecei a pensar: “Ok, Ana, se calhar conseguimos fazer coisas giras aqui. Pode ser um caminho interessante.” Continuei a estudar, porque o plano A era terminar os estudos e o futebol era o plano B. Mas o futebol feminino começou a evoluir muito e pensei: “Já tenho os estudos feitos, sei que tenho qualidade e posso chegar mais longe.” Então decidi focar-me no futebol... e o resto é história. Posso dizer que está a correr bem.
- Mesmo nos estudos, nunca quis afastar-se do desporto, pois não?
Não! (risos) Desde que estava na barriga da minha mãe que sou obcecada pelo desporto. Sempre soube que, de uma forma ou de outra, o que viesse a fazer teria de estar ligado ao desporto, fosse como professora de educação física ou noutra área relacionada.

- Quando entra no Cadima, tinha 16, 17 anos, numa fase em que o futebol feminino em Portugal ainda estava a crescer para aquilo que conhecemos hoje, antes mesmo do Europeu de 2017 e da chegada de clubes como o Sporting e o SC Braga. Nessa altura, como é que via o futebol feminino? Tinha a noção de que podia fazer carreira no mundo do futebol?
Nunca na vida. Nessa altura, no Cadima, a realidade era completamente diferente da de hoje. Eu não pensava: “Daqui a dez anos vou viver do futebol.” Nem por isso. A minha mãe sempre dizia: “O futebol é secundário, primeiro acabam os estudos.”
Na minha geração era até mais fácil conciliar os estudos com o desporto. Quando jogava no A-dos-Francos, treinava com os rapazes durante a semana em Coimbra e só viajava à sexta-feira para jogar ao domingo. Hoje isso já não seria possível. Eu estava focada em terminar os estudos e trabalhar na minha área, não no futebol. E, na altura, nem sequer acompanhava muito o futebol feminino - jogava, mas não imaginava de todo que iria tornar-se o que é hoje.
- Quando é que se deu o clique e pensou: “Calma, isto afinal vai dar, posso ser profissional e viver disto”? Porque imagino que no Cadima ou no A-dos-Francos fosse difícil viver só do futebol, certo?
Acho que senti isso quando assinei o meu primeiro contrato profissional, com o Amora. O período lá foi curto - quatro ou cinco meses -, até porque coincidiu com a altura da Covid. Mas foi a partir daí que comecei a acreditar mais. Depois surgiu o Zénit e pensei: “Ok, isto vai mesmo dar.” Foi aí que se deu o clique, quando fui para o estrangeiro.
- Eu pedi à sua irmã (n.d.r. Rita Dias, jogadora do Famalicão) para deixar algumas perguntas para eu fazer à Ana e esta é a primeira: Tem alguma memória de infância que lhe dê força ou motivação nos dias mais difíceis?
Somos muito ligadas à família, e lembro-me dos convívios com os primos, os tios… Tive uma infância muito feliz. Guardo com muito carinho as memórias de ir a casa dos meus avós, brincar, jogar às escondidas. Essa criança feliz é alguém que eu não quero desiludir. Quando estou em momentos difíceis, penso muito nisso. Gostava de poder voltar atrás e reviver esses momentos.
- Sendo uma pessoa tão ligada à família, como têm sido todos estes anos longe de casa?
É difícil, para mim e para eles. Mas tenho um lema: quando queremos muito uma coisa, temos de abrir mão de outras. E eu tenho a certeza de que este é o meu mundo - o mundo do futebol - e vou fazer tudo para continuar nele. As conquistas que tenho alcançado no estrangeiro e o orgulho que a minha família sente em mim, pela mulher que me tornei, são o que me motiva a continuar.
- A Ana já teve a oportunidade de dizer que tem tido uma história muito bonita no futebol. É um percurso invulgar, pois tem o seu primeiro contrato profissional em plena pandemia, depois Rússia, Estados Unidos, México e agora Turquia. O que é que faz com que esta trajetória seja tão marcante?
Torna-se especial porque só eu sei o que sinto e o quanto tem sido difícil. Foi, e continua a ser, uma caminhada super desafiante, apesar de todas as conquistas. Mas, sinceramente, o que mais me toca é a simpatia e o reconhecimento das pessoas.
No fundo, o nosso trabalho só faz sentido por elas e para elas. Ver a admiração, o carinho e o respeito que demonstram dá-me um enorme alento e muita força. Acho que é isso que torna tudo tão especial. Não poderia pedir mais do que isso. Sentir essa admiração genuína é o que faz com que tudo valha a pena.

Segredo para o topo: "É preciso ter a mentalidade certa"
- Olhando para o seu trajeto, acaba por ir para um país enorme como a Rússia, num clube que, embora estivesse a começar o projeto do futebol feminino, é um gigante. Depois passa pelos Estados Unidos, uma das melhores ligas do mundo, e mais tarde pelo Tigres, outro clube de enorme dimensão. Às vezes é fácil chegar ao topo, mas o mais difícil é manter-se lá, mostrando rendimento e consistência em contextos diferentes. Que valores é que sente que a levaram até esse nível e o que é que acha que tem feito com que continue a manter-se entre as melhores?
Acho que o que levo sempre comigo, para onde quer que vá, é a seriedade, a disponibilidade e o querer muito. Porque não é fácil se não tiveres essa vontade. É preciso ter a mentalidade certa. Se não fores com o desejo real de fazer as coisas acontecerem e acreditar que é possível fazer algo bonito, é meio caminho andado para perder o foco.
Para me manter no topo, o mais importante tem sido a minha base. Sinto-me uma privilegiada por ter a família que tenho, o apoio constante, e um círculo de pessoas à minha volta que nunca me deixa cair. Tenho também um agente que sempre acreditou em mim e nunca me deixou desistir. Sem eles, nada disto seria possível. Claro que o meu trabalho é fundamental, eu sei o que dou, mas sem esse suporte por trás não conseguiria manter-me estável e com a mentalidade certa para continuar no topo.
- Acredito que possa ser difícil falar sobre si própria, mas como é que acha que a Ana pessoa e a Ana jogadora se complementam?
Acho que é algo indissociável. A minha disponibilidade física e emocional está ligada à minha essência desde pequena, sempre ligada ao desporto. Os valores que tenho como pessoa também estão muito presentes no meu lado profissional. Ser resiliente, aceitar que nem tudo corre como queremos e ter paciência com o tempo. A seriedade também é uma parte importante. Muitas pessoas olham para mim e dizem que pareço muito séria, e acho que isso vem da forma como encaro tudo o que faço.
- Jogou na Rússia, nos Estados Unidos, no México e agora na Turquia. O que é que cada um destes países lhe deu, não só como jogadora, mas também como pessoa? São contextos completamente diferentes, até culturalmente. Como é que é hoje a Ana, comparando com a de 2020?
Acho que o que mais retiro de cada experiência é a maturidade emocional. Quando fui para a Rússia era praticamente uma miúda, tinha 22 ou 23 anos. Era a minha primeira experiência fora e num país enorme, com uma cultura muito diferente. Não foi fácil.
Mas foi aí que comecei a perceber que nem tudo acontece como queremos e que é preciso ser paciente com o tempo, não adianta lutar contra a maré. Hoje, estando na Turquia, sinto que consigo lidar muito melhor com o dia a dia, especialmente quando as coisas não estão a correr bem. Todas essas experiências foram aprendizagens constantes e ajudaram-me a viver de forma mais leve, a deixar que as coisas fluam naturalmente.
- Consegue recordar um momento da sua carreira ao qual voltaria sempre? Aquele em que pensa: “Se pudesse, vivia isto a minha vida toda”?
Sim, há um jogo que guardo muito vivo na memória. Foi no meu último ano no Zenit, quando já sabia que não ia renovar. Tínhamos passado por um período agitado e esse era o último jogo da época, o jogo da consagração. Precisávamos pelo menos de empatar para sermos campeãs.
Não tinha jogado na partida anterior, então entrei com tudo. Dei o meu máximo, joguei muito bem e marquei o golo da vitória que nos deu o título. Foi especial porque senti que saí pela porta grande. Foi, sem dúvida, o jogo em que vivi mais emoções e nervos. Era o meu último jogo num país que marcou profundamente a minha carreira e a minha vida.

"O Fomget acredita muito em mim e eu só quero corresponder dentro de campo"
- O Zenit foi realmente um clube que a marcou muito, não é verdade? E sabemos todos o contexto em que isso aconteceu, longe da família, longe de tudo.
Foi muito marcante. Como disse, eu ainda era uma miúda e o Zenit foi um clube que sempre cumpriu tudo o que prometeu, nos bons e nos maus momentos. Mesmo durante a situação da guerra, quando saiu aquela lei da FIFA, houve alguma tensão entre mim, as pessoas que gerem a minha carreira e o clube, mas eles nunca me falharam em nada. Deram-me sempre apoio e carinho.
A nível médico também passei por momentos complicados e nunca me deixaram cair. Guardo um carinho enorme por todos no Zenit. Conheci pessoas lá que sei que são para a vida. Foi mesmo uma casa para mim. O clube e as pessoas que fazem parte dele ficam num lugar muito especial no meu coração.
- E como avalia o seu percurso até aqui? Há algo que acha que poderia ter sido diferente?
Honestamente, não mudaria absolutamente nada. Tudo isto tem sido inesperado. Quando entrei no futebol, nunca pensei em ser campeã, melhor jogadora ou melhor marcadora. Nunca tive essas ambições concretas. Olho para trás e só sinto orgulho. Orgulho no caminho, nas conquistas e no que aprendi. E ainda tenho muito por conquistar. Quero continuar a jogar durante mais alguns anos, porque sinto-me bem, com ambição e vontade de trabalhar. Acredito que ainda posso alcançar muitas coisas.
- No último defeso acaba por mudar de rumo: acaba por sair do México e regressar à Europa, agora para a Turquia. Como é que encara este novo desafio?
O Fomget, que é a equipa onde estou neste momento, já tinha mostrado interesse em mim há bastante tempo. Já tinham feito propostas em outras ocasiões. Foi um período em que a equipa técnica do Tigres ia manter-se, mas eu sentia que precisava de algo diferente. Queria estar mais perto de casa e surgiu a oportunidade de jogar a Liga dos Campeões, algo que nunca tinha feito. Voltar à Europa fazia sentido. Financeiramente também era uma opção estável e o projeto era muito ambicioso, numa liga que está a crescer. Por isso, foi uma decisão equilibrada. Mas, acima de tudo, o que pesou foi mesmo a vontade de estar mais próxima da família.
- E como tem sido esta experiência na Turquia?
- Tem sido diferente. A liga está a crescer e tem jogadoras com muita qualidade, embora o contexto seja distinto daquele em que estava. O clube acredita muito em mim, a aposta tem sido grande e eu só quero corresponder dentro de campo, dando sempre o meu máximo.
- O futebol de alto rendimento é muito exigente e já falámos um pouco sobre a parte mental, que é cada vez mais importante. Como é que a Ana lida com a pressão e com as expectativas?
Acredito que sentir pressão é, na verdade, um bom sinal, pois significa que as pessoas esperam algo de ti. Agora, colocar essa pressão sobre mim mesma é algo que tento evitar. Deixo as coisas fluir.
Procuro manter-me humilde e sempre disponível para trabalhar. Quando é assim, as coisas acabam por acontecer naturalmente, e foi o que tem acontecido. Claro que sou ambiciosa e muito exigente comigo, mas tento não me sobrecarregar. Vivo o dia a dia, desfruto de cada treino, de cada jogo. Sou feliz aqui porque sei do que sou capaz. A pressão existe, mas não deixo que me consuma.
- Acho que podemos assumir que as coisas lhe têm corrido bem e tem estado em bons projetos. Como é que olha para o futebol enquanto indústria? Porque a verdade é que o futebol hoje não depende apenas do que se faz dentro de campo. Há também a exposição, a comunicação, as redes sociais... E a Ana disse há pouco que é uma pessoa reservada, que não gosta muito de dar entrevistas.
Gosto de trabalhar no silêncio e acredito que o meu trabalho tem falado por mim. Claro que é importante dar entrevistas, sobretudo para as pessoas que me acompanham saberem como estou e o que sinto. Mas, sinceramente, não sou o tipo de pessoa que gosta de estar constantemente a dar entrevistas ou a expor-se nas redes sociais. Acho que isso tem muito a ver com a personalidade de cada um. No meu caso, prefiro deixar o campo falar. É ali que me sinto realmente eu.

O tema Seleção: "O meu trabalho nunca será questionável"
- Gostava de falar sobre um tema que sabemos que é sensível: a Seleção...
Sei que a seleção é o expoente máximo para qualquer jogadora, o grande sonho de quem joga futebol: representar o seu país. O meu sentimento não muda. Sempre que vejo o símbolo na camisola, sinto um orgulho enorme.
Já nem sei se encaro como uma meta, é mais do que isso. É uma ambição que está sempre presente. Nunca direi “não” à Seleção. Representar Portugal é um sentimento inexplicável, só quem lá está é que sabe. É o espaço da elite, das melhores entre as melhores, e é natural que toda a gente queira pertencer a esse grupo. Por isso, o que posso dizer é que continuo a trabalhar todos os dias para me manter nesses espaços e continuar a merecer as convocatórias.

- Apesar da desilusão que acredito que tenha sentido de não ter ido ao Europeu, o regresso à Seleção continua a ser um objetivo pessoal?
É e sempre será um objetivo meu. Representar Portugal é um orgulho e algo que nunca deixará de ser importante para mim. Do que depender do meu trabalho e da minha dedicação, farei tudo para continuar a ser chamada e voltar a vestir a camisola da Seleção.
- E sente que, da sua parte, tem feito tudo o que está ao seu alcance para isso?
Sim, sem dúvida. O meu trabalho nunca será questionável. Sei o quanto me esforço e o quanto trabalho para estar lá.
- Para rematar o assunto: lembra-se da primeira vez que jogou pela Seleção?
Lembro-me perfeitamente. Foi contra a Rússia, no playoff de apuramento para o Europeu. Empatámos o primeiro jogo e depois perdemos por 1-0. A Rússia acabou por seguir em frente e gozaram comigo durante uns dias, porque eu jogava lá (no Zenit) na altura.
Curiosamente, algum tempo depois, deu-se a situação da guerra e Portugal acabou por ser convidado para ocupar o lugar da Rússia no torneio. Foi um sentimento indescritível. Tremia de nervos antes do jogo, mas também foi um dos momentos mais bonitos da minha carreira. Jogar contra o país onde estava a atuar e, ao mesmo tempo, representar Portugal foi algo muito especial. Só quem lá está sabe o que é sentir o Hino, vestir aquela camisola e perceber que pertence àquele grupo.

Os elogios à Liga portuguesa: "O meu regresso já esteve mais longe"
- A Ana está fora de Portugal há cinco ou seis anos. Como é que tem visto a evolução do futebol feminino português nesse período?
Tenho acompanhado mais a Liga recentemente, muito também por causa da Rita. Pelo que vejo e pelo que ela me conta, a evolução tem sido constante. Acho que é das poucas ligas, se não a única, que já tem vídeo-árbitro, e isso mostra um salto importante.
Os relvados estão melhores, há mais transmissões e mais visibilidade. É uma liga cada vez mais competitiva. Quando eu estava aí, era quase impossível ganhar ao Benfica, ao Sporting ou ao SC Braga. Agora sinto que os jogos estão mais equilibrados, há menos disparidade.
Claro que ainda há muito por melhorar, mas vejo muito potencial. Com o investimento certo, a liga portuguesa pode tornar-se uma das melhores. Nota-se que as jogadoras estão cada vez mais preparadas, até a nível físico. Só é preciso que o investimento acompanhe esse crescimento, porque o futebol feminino português tem tudo para continuar a evoluir.
- Imagina-se um dia a regressar a Portugal?
Sim, sinceramente, acho que esse regresso já esteve mais longe. Tenho contrato de dois anos na Turquia e neste momento estou focada aqui, mas voltar a Portugal é uma possibilidade e gostava muito que acontecesse.

- Porquê? O que é que sente em relação a essa possibilidade?
Acho que a chegada do FC Porto e de outros clubes grandes vai tornar a liga ainda mais competitiva. Pode ser um incentivo para muitas jogadoras que estão no estrangeiro pensarem em regressar. E sim, confesso que sinto cada vez mais o “bichinho” de voltar, de estar mais perto de casa e de viver novamente esse ambiente.
- E esse desejo de regressar passa também por mostrar em Portugal o rendimento que tem tido lá fora? Porque, como disse, há muita gente que talvez não a tenha acompanhado tanto nestes últimos anos.
Sinto que é mais por aí, sim, por querer triunfar em Portugal, no meu país, do que propriamente por provar algo a alguém. Sinto que estou num momento em que já não tenha nada a provar a ninguém. Se tiver de provar alguma coisa, será a mim própria e à minha família. Aos outros, não.
- Quais são os seus objetivos a curto e médio prazo?
O meu foco agora é o clube. Quero ajudar a equipa ao máximo, contribuir com golos e com o meu trabalho para conquistarmos o campeonato. É esse o objetivo principal. Não gosto muito de fazer planos, prefiro viver um dia de cada vez. As pequenas conquistas - os golos, as vitórias - vêm como consequência. A Seleção também entra nessa lógica: se fizer um bom trabalho no clube, o resto virá naturalmente. Por isso, neste momento, o meu foco é dar o melhor de mim no Fomget e continuar a crescer.

"A Rita é o amor da minha vida, merece tudo"
- Já que continuamos a falar de Portugal, queria partilhar algo consigo. Quando entrevistei a Rita, ela disse-me que um dos sonhos dela era jogar consigo. Disse que era o seu exemplo máximo, o ídolo dela, e que gostava de um dia poder jogar com a Ana. Partilha desse sonho?
A Rita é o amor da minha vida. Aquela miúda é tudo. Torna a minha vida mais bonita, sinceramente. Já falámos várias vezes sobre o sonho de jogarmos juntas, porque temos características completamente diferentes e acho que nos íamos complementar muito bem.
Ela é uma jogadora incrível. Para mim, ter a Rita atrás de mim, a alimentar o ataque, seria o sonho de qualquer avançada. Estou ansiosa por ver o que o futuro lhe reserva, porque será certamente brilhante. Ela quer muito isto, tem a mentalidade certa e vai dar o salto. Um dia vai jogar fora, tenho a certeza.
Falamos muitas vezes sobre isso e acredito mesmo que vai acontecer. A Rita merece tudo o que de bom vier. É a pessoa mais humilde que conheço e a vida tem de sorrir para ela.
- Olhando para tudo o que conquistou, que mensagem gostarias de deixar às jovens jogadoras que, como a Rita, olham para si como uma referência?
Que sejam felizes e que, se têm o sonho de jogar futebol, se dediquem ao máximo. O tempo passa depressa, mas nunca devem desistir. Se têm um sonho, lutem por ele. Nós, mulheres, conseguimos tudo.

- E, por fim, uma pergunta que costumo fazer sempre. Não sabemos como será o futuro, mas podemos influenciar o caminho com o que fazemos no presente. Como gostarias de ser recordada quando alguém perguntar “como foi a Ana”?
Quero ser lembrada não pelo que conquistei, mas por aquilo que fiz as pessoas sentirem. Quero que digam: “A Ana fez-me bem, inspirou-me, tocou-me de alguma forma.” Quero ser lembrada pela pessoa que fui e não apenas pela jogadora. As conquistas e os resultados acabam por ser esquecidos, mas a forma como fazemos alguém sentir nunca se esquece. É isso que quero deixar.
- Quando esse momento chegar, quando terminar a carreira, e alguém lhe perguntar: “Ana, o que foi o futebol na tua vida?”, o que responderia?
O futebol, para mim, foi tudo. E sejamos honestos: tudo o que tenho hoje devo muito a ele. É a minha paixão, a minha vida, onde me sinto feliz e realizada. Espero poder continuar neste mundo por muito tempo, porque é uma das melhores coisas que a vida me deu.