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Há momentos em que olhamos para dentro e percebemos que o melhor é dar um passo atrás para reorganizar as ideias. Foi exatamente isso que aconteceu com Pedro Ganchas.
Após quatro anos na formação do Benfica, o defesa optou por recusar a proposta para continuar nas águias e regressou ao ponto de partida, o 'seu' Carregado, onde, em dois anos, percebeu que aquele não era o palco que queria para o seu futuro.
O trabalho foi recompensado com a primeira chamada à seleção nacional sub-17 e, mais tarde, o telefone voltou a tocar. Era o Benfica! Ganchas concluiu a sua formação nos encarnados sem a tão desejada estreia na equipa principal, antes de seguir para o Paços de Ferreira. O presente, no entanto, encontra-se na Dinamarca, ao serviço do Silkeborg, num campeonato que o surpreendeu "muito" pela positiva.

"Fiquei muito surpreendido quando cheguei à Dinamarca"
- Como está a correr a experiência na Dinamarca?
- A nível pessoal, diria que as coisas estão a correr bastante bem. Havia algum receio quando aceitei a proposta de vir para a Dinamarca, porque não é um campeonato que se acompanhe com muita atenção em Portugal e está um pouco na periferia do futebol europeu. Por isso, existia algum desconhecimento e incerteza. Mas fiquei muito surpreendido quando cheguei.
Até à paragem de dezembro, a nível coletivo, estávamos entre os seis primeiros e nas meias-finais da Taça. Eu tinha jogado todas as partidas, por isso perspetivava-se uma época bastante interessante. No entanto, em fevereiro, quando retomámos a competição, as coisas já não correram da mesma forma e acabámos por sair dos lugares de topo.
Desde então, temos estado a tentar recuperar e o nosso objetivo agora é alcançar o 7.º lugar, que dá acesso ao playoff para as competições europeias. Faltando cerca de um mês para o fim, o balanço que faço é muito positivo — foi uma surpresa e superou as minhas expectativas.

- O que pode dizer sobre o campeonato dinamarquês?
- Acho que o que mais os diferencia é a vertente atlética. Culturalmente, são um povo muito ativo — mesmo com o frio, têm o hábito de andar de bicicleta e de correr na floresta. Isso nota-se depois em campo, refletido na intensidade do jogo.
Portugal jogou recentemente contra a Dinamarca e isso foi evidente, especialmente no primeiro jogo. Em termos de componente tática e metodologia de trabalho, talvez sejamos (nós, portugueses) dos melhores do mundo, e aqui nota-se que não há tanto foco nesse detalhe. O jogo torna-se mais rápido, partido, com muitas oportunidades de golo e, por isso, há muita emoção à volta do jogo.
- Que impacto teve no seu jogo enquanto defesa?
- Era importante para mim evoluir nesse aspeto, para conseguir estar ao nível que os jogos exigem.
- Os nórdicos são muitas vezes vistos como um povo mais reservado. Concorda com essa ideia?
- São um povo mais reservado, sim, talvez influenciado pelo clima. Durante grande parte do ano está bastante frio, e isso, tanto para dinamarqueses como para portugueses, tira um pouco a vontade de andar na rua. O clima acaba por empurrá-los mais para dentro de casa, mais virados para o ambiente familiar.
Mas, no que toca ao relacionamento com os outros, são muito abertos e sempre disponíveis para ajudar. Desde o staff aos colegas de equipa, foram impecáveis comigo e facilitaram bastante a minha integração. Fora do contexto do clube, é um pouco mais difícil socializar, mas é algo natural tendo em conta a cultura.
- Para quem não conhece, de todo, a realidade dinamarquesa, como é que o Pedro apresenta o Silkeborg? Que clube encontrou? Percebemos que existem muito poucos estrangeiros, por exemplo.
- Essa foi uma das situações que avaliei: porquê eu? Porquê um português? Tirando os suecos, que estão aqui ao lado, somos apenas dois estrangeiros no plantel. Ou seja, não é um clube com uma cultura particularmente aberta à contratação de jogadores internacionais — e isso fez-me questionar o motivo de quererem investir num jogador português.
Outra questão foi o relvado sintético. Desde os 17 anos que não jogava em sintético, e isso deixou-me de pé atrás. Mas esses receios dissiparam-se quase totalmente quando cheguei cá. Não senti qualquer problema nesse sentido.
O clube surpreendeu-me bastante pela forma como é gerido. Fazem tudo com seriedade, têm uma linha bem definida a nível de projeto e é evidente que seguem essa estratégia de forma consistente. Têm conseguido potenciar jogadores, fazer boas vendas — o que, para a realidade desta liga, é impressionante. A componente financeira, aliada à capacidade de projeção dos atletas, está muito bem trabalhada.
- Venderam o (Oliver) Sonne para o Burnley, que acabou de subir à Premier League. Isso demonstra que, embora seja um campeonato mais periférico, as pessoas estão atentas ao que se passa na Dinamarca.
- O futebol está cada vez mais globalizado e reconhece valor onde ele existe. Pelo que se tem visto nos últimos anos, a liga dinamarquesa tem ganho mais visibilidade, muito por causa das vendas que tem conseguido fazer. As cinco principais ligas estão atentas e olham cada vez mais para o campeonato dinamarquês.

- E o Pedro já percebeu o que os responsáveis do Silkeborg viram em si?
- A figura do jogador de futebol é diferente em relação ao que temos em Portugal. Em Portugal, os jogadores são muitas vezes idolatrados, quase como heróis, enquanto aqui não é bem assim. Para mim, é difícil avaliar quais são as expectativas, tanto dos adeptos, do treinador, como da estrutura, mas, tendo em conta a forma como fui utilizado, diria que tenho correspondido às expectativas.
- Vive-se bem em Silkeborg?
- Sou uma pessoa pacata, não sou aquele jogador de futebol envolvido em muitas aventuras e luxos. Silkeborg é uma cidade tranquila e muito bonita. Obviamente, tem o senão da logística — o aeroporto mais próximo está a uma hora de distância e é preciso fazer escala para voar para casa. É um lugar muito envolto na natureza. Sinto falta da praia e da comida, mas não posso dizer que se vive mal aqui.
- O que espera que esta oportunidade lhe dê em termos de futuro?
- Quando saí de Portugal, aceitar este projeto foi no sentido de ganhar experiência fora do país, sem ter uma noção clara de como me poderia projetar ou não, e de perceber a realidade do futebol fora de Portugal. Estando aqui, nesta reta final de campeonato, surgem objetivos a nível pessoal, como catapultar a minha carreira para outros patamares. Os exemplos que vamos vendo reforçam a esperança de que possam surgir projetos de maior dimensão. Sem desvalorizar onde estou, qualquer jogador de futebol trabalha com isso em mente. Tenho o objetivo de continuar a subir patamares no futuro.

O próximo Harder ou Scheljderup: "Há um miúdo do Copenhaga..."
- Com jogadores como Gyökeres, Hjulmand, Harder, Dahl e Scheljderup, surpreende-o a aposta crescente no mercado nórdico por parte do futebol português?
- Além da componente física, surpreendeu-me o nível técnico deles. Não estava à espera que fosse tão alto. Em Portugal, temos a fama de termos jogadores muito evoluídos tecnicamente, o que faz com que não me espante que haja uma aposta cada vez mais forte nos campeonatos nórdicos. Depois, o fator que pode ser fundamental para determinar o sucesso nos grandes campeonatos é a adaptação tática, mas também o estilo de vida.
- Apelando ao seu olhar analítico, há por aí mais algum Harder ou Hjulmand que possa ser tido em consideração para algum clube português?
- É difícil, porque, por exemplo, o Hjulmand ainda passou pelo Lecce e o Gyökeres jogou no Championship. Ambos saíram cedo dos seus países e tiveram experiências diferentes antes de chegarem a clubes de maior dimensão. Mas, no caso de Harder e Scheljderup, o salto foi muito grande. É complicado apontar nomes, porque há vários fatores em jogo, como a idade e aquilo que já conseguiam demonstrar nas suas respetivas equipas.

No entanto, posso arriscar um ou dois nomes… Há um miúdo do Copenhaga, Victor Froholdt, que está a destacar-se e foi convocado para a seleção principal. Também há um jovem do Aalborg, o número 8 (Melker Widell) e outro que joga no Lyngby e veste o número 22 (Peter Langhoff). São miúdos com muito potencial, mas é difícil prever, porque tudo depende do que os clubes querem projetar e da forma como pretendem ajudá-los a crescer.
- Olhando para outro aspeto muito importante no futebol: os adeptos. Vive-se muito o fenómeno na Dinamarca?
- Há uma grande diferença para Portugal. Em Portugal, vive-se muito para os clubes grandes, é difícil encontrar um adepto que seja apenas do Estoril, por exemplo, sem ser também de outro grande clube. Isso aqui não acontece. Há uma grande competitividade, e as pessoas apoiam muito o clube da sua terra. Existe uma cultura mais humanística, com mais respeito. (...) O Silkeborg tem capacidade para 10 mil pessoas, e a nossa média é de 7 a 8 mil — uma média bastante elevada. Há uma cultura muito forte em torno do futebol em todos os estádios. Mesmo em jogos das equipas que estão no fundo da tabela, vive-se o futebol com muito bom espírito.
- O próximo jogo é contra o Brondby, para as meias-finais da Taça. É possível seguir para a final e discutir o troféu?
- Acho que é possível. O ano passado, o Silkeborg ganhou a Taça, e temos todas as hipóteses de conseguir chegar à final. A eliminatória é a duas mãos, com o segundo jogo em casa, o que traz uma expectativa alargada. O Brøndby é uma equipa grande, em crescendo, mas acho que, se fizermos as coisas bem, temos condições para chegar à final.

De Vitinha e João Félix a Nico Gaitán: "Foi um privilégio"
- Puxemos a fita atrás. Como foi o seu caminho até chegar a profissional?
- O caminho é sempre diferente para cada um, e o meu não fugiu à regra. Comecei a jogar futebol no clube da minha terra, o Carregado. Aos 9 anos, fui para o Benfica, nos pupilos do Exército, onde fiz 4 anos, sendo os dois últimos no Seixal. No último ano de iniciados, não tive muitas oportunidades com a minha geração. No final dessa época, decidi sair. Apesar de achar que ia ser dispensado, convidaram-me para ficar, mas senti que não ia ter as oportunidades que queria. Foi voltar à estaca zero, com o futebol no último plano, e voltei ao Carregado. No ano seguinte, fui para o Sacavenense, num nível diferente. As coisas correram bem e acabei por ser convocado para a seleção sub-17. Nessa altura, apareceu novamente o Benfica e o SC Braga, e optei por voltar ao Benfica.
Foram mais cinco a seis anos até chegar à equipa B, conseguindo a minha afirmação dentro do próprio clube. No último ano, tive o privilégio de ser capitão da equipa B, e depois saí para o Paços de Ferreira, para a Liga. Tive algumas situações complicadas com pubalgia, que foi difícil de resolver. Acabei por conseguir ultrapassar tudo no ano em que a equipa desceu, mas praticamente não tive minutos, o que fez com que ficasse na Liga 2.
No final da época passada, surgiu a oportunidade de sair de Portugal e viver uma experiência diferente, num clube que apostou em mim. A vertente financeira também foi importante para o Paços, o que filtrou as opções disponíveis. O Silkeborg manifestou interesse e acabou por acontecer.

- A decisão de sair do Benfica revela muita maturidade. Gostava de perceber quando é que percebe que dava para ser jogador profissional?
- Há duas fases. Na primeira, quando saí, muitas pessoas não compreenderam a minha decisão. Estava num lugar onde muitos gostariam de estar, e estavam a perguntar-se como é que eu iria abdicar disso. Mas, naquele momento, não estava confortável e não me arrependo nada. Foi a decisão certa. Depois, houve a fase em que voltei à estaca zero e percebi que, na altura, aquilo não era para mim e queria voltar ao outro nível em que tinha estado. Foi uma mudança de mentalidade para perceber o que precisava de fazer para voltar a atingir aquele patamar. Foram dois anos importantes. Quando voltei ao Benfica, já tinha um contrato profissional e passei a encarar as coisas de uma maneira diferente.
Agora, diria que foi no segundo ano de sub-23 que comecei a acreditar sinceramente que dava para viver do futebol. Aí senti que as coisas estavam a correr bem e que conseguia chegar à equipa B. Fica sempre aquela mágoa de não ter chegado à equipa A, mas, nessa altura, a oportunidade era muito reduzida.
- Durante esse trajeto partilhou balneário com centenas de jogadores. Algum que o tenha surpreendido logo no ínicio?
- Com 13 ou 14 anos, via alguns que dizia que era impossível não serem o próximo Cristiano Ronaldo. Depois, com o passar das etapas, alguns perderam-se um pouco, e alguns deles já nem jogam. Agora, numa fase mais tardia, acho que o João Félix é o nome maior da formação do Benfica nos últimos anos. Alargando para a Seleção, diria que era inevitável falar do Fábio Vieira e do Vitinha. Não enganam. O Gonçalo Ramos era outro, percebia-se pela forma como trabalhava e se destacava. Depois, há outros nomes que estão a fazer um percurso mais discreto, mas que acredito que ainda possam chegar, como o Tomás Tavares, o (Tiago) Dantas e o Romário Baró… são muitos. O João Félix e o Jota (Celtic), por exemplo, eram dois nomes a destacar. O Jota, aos 13-14 anos, já mostrava que ia dar certo e o Félix era pura magia. Também posso dizer o Florentino e o Nuno Santos, do Vitória SC.
E, no caso do Fábio Vieira, do Vitinha e do João, o "perfume" era diferente.
- O Luis Enrique (treinador do Paris SG) disse recentemente que não conhecia um ou dois médios melhores do que o Vitinha. A verdade é que ele não teve um trajeto inicial assim tão fácil, como por exemplo com aquele empréstimo ao Wolverhampton... Diz muito sobre a sua mentalidade?
- Acho que o Vitinha sempre teve a personalidade de acreditar no potencial dele. Ainda agora o Marçal veio falar sobre isso. O que ele disse define muito bem o que é o Vitinha: ele acredita muito em si próprio e, no momento certo, ia demonstrar tudo o que sabe. Mas é difícil dizer que a mentalidade é tudo, ou que o talento é tudo. É preciso conjugar os dois. O Vitinha era excelente em ambos, combinado com o talento. Isso é a perfeição em dois parâmetros muito importantes. Para mim, é de longe o melhor médio do mundo.
- Por falar em talentos, o Pedro cruza-se com o Nico Gaitán no Paços de Ferreira, um jogador que estava habituado a ver na equipa principal do Benfica quando andava pela formação. Como foi essa experiência?
- O Nico é uma pessoa muito particular. Com a dimensão que tem e o impacto que teve, ainda mais em Portugal, chega ao Paços e cumprimenta: 'Prazer, sou o Nico'. E tu pensas: 'Não precisas de dizer isso, sou eu quem tem de dizer que sou o Pedro'. Não precisas de dizer que és o Nico, porque toda a gente sabe quem tu és e o que representas. Mas isso revela muito da pessoa que ele é. Ele é humilde de uma forma única. E, quando vai para dentro de campo, a entrega e a qualidade dele eram diferenciadas. Só dava para ver algumas "luzinhas" no treino, mas quando estava bem, era outro nível. Para mim, foi incrível. Crescer no Benfica e ele ser um expoente máximo do plantel, e depois, passados oito anos, estar a partilhar balneário com ele e a beber a experiência dele, com a disponibilidade dele para ensinar, foi um privilégio.
- Mas não só de jogadores se fez o seu trajeto. Acredito que também tenha sido marcado por alguns treinadores: Renato Paiva, Jorge Maciel, Luís Nascimento, Luís Castro…
- Isso reflete bem a qualidade do treino em Portugal. É engraçado, porque todos eles marcam o meu trajeto de forma diferente. O Luís Nascimento, por exemplo, foi o treinador no ano em que saí, não tive muitas oportunidades com ele. O Jorge Maciel e o Luís Castro ainda mantenho contacto próximo e são seres humanos extraordinários, além de treinadores de nível muito alto. O Jorge Maciel fez meia época connosco e foi para o Lille, depois o Luís Castro veio substituir e acabou por ganhar a Youth League no Benfica. Tenho muito carinho por eles. Depois, o mister Renato Paiva foi a pessoa que apostou em mim no meu regresso ao Benfica, tanto nos juniores como na equipa B. Foi com ele que me tornei profissional. Todos foram muito importantes para o meu crescimento, e todos eles têm um conhecimento do jogo fora de série, com uma vertente humana incrível. Guardo todos com muito carinho.

"Não me vejo a voltar a Portugal num futuro próximo"
- Desde que se mudou para a Dinamarca, mudou muito a perceção que tem sobre o futebol português?
- A percepção mantém-se a mesma, não posso dizer que tenha mudado. Em Portugal, pratica-se um futebol de muito boa qualidade. Talvez fizesse falta um pouco da intensidade que encontrei aqui. O Silkeborg, por exemplo, vai a Copenhaga e não vai jogar para não perder, mas para ganhar. Em Portugal, há equipas que vão jogar para o ponto, com um bloco mais baixo, e aqui isso não acontece tanto, o que favorece o espetáculo. Continuo a acompanhar e a gostar do que vejo, embora haja sempre coisas a melhorar.
- Uma chamada com o indicativo de Portugal iria sempre mexer consigo?
- O facto de ser o meu país é o que pesa mais, pela questão da vida além do futebol, pela proximidade familiar, o clima e a comida. Agora, não me vejo a voltar a Portugal num futuro próximo, a não ser que seja para uma das equipas grandes. Não digo que nunca vá acontecer, mas tem de ser um projeto com sustentabilidade. Gostaria de continuar a ter experiência fora de Portugal.

- Pedro, o que gostaria que dissessem sobre si no dia em que decidir terminar a carreira?
- Já me debati sobre isso. Acima de tudo, quero que reconheçam o Pedro enquanto ser humano que foi dentro do futebol. É um mundo muito competitivo, com muitas coisas a acontecer. Acho que, no fim da linha, quero ser reconhecido como um ser humano que foi sempre profissional, que nunca faltou o respeito a ninguém, que tudo o que conquistou foi por mérito próprio e pela sua capacidade de trabalho. E, se puderem dizer que era um jogador fantástico tecnicamente e teve uma carreira bonita, subindo a pulso, graças à sua profissionalidade, capacidade de trabalho e personalidade, acho que dormiria descansado e com a consciência tranquila.