A Federação Dinamarquesa de Futebol introduziu, na semana passada, uma série de alterações às regras de transferência de jogadores de futebol infantil e juvenil, que entraram em vigor a 1 de julho. Até agora, os clubes só estavam autorizados a contactar outros emblemas para recrutar jogadores a partir do escalão de sub-13, mas a nova regulamentação permite que este contacto seja feito já a partir dos sub-10.
"Temos consciência de que o recrutamento precoce de jogadores pode ser um processo delicado e, enquanto as crianças se sentirem bem no ambiente local, o ideal é que permaneçam no clube de origem. No entanto, se os clubes continuarem a optar pelo recrutamento, as novas regras garantem maior protecção e segurança para que a mudança seja realmente benéfica para as crianças", explicou a Federação Dinamarquesa de Futebol em comunicado.
Federação dinamarquesa está a ir contra os seus próprios princípios
As novas regras implementadas pela Federação Dinamarquesa de Futebol (DBU) geraram indignação entre figuras proeminentes do desporto dinamarquês, entre as quais Michael Andersen, antigo diretor executivo do instituto nacional de desporto de elite, Team Danmark.
Em declarações ao Flashscore, Michael Andersen não escondeu a sua insatisfação com as alterações, que permitem o recrutamento de jogadores a partir dos sub-10: "Historicamente, a Federação Dinamarquesa foi uma das primeiras a analisar os conceitos de treino adaptados à idade, com base nas necessidades específicas das crianças em cada fase do seu desenvolvimento. Considero inacreditável que, agora, a federação introduza regras que vão totalmente contra os princípios defendidos pela Dansk Idræts Forbund (Associação Dinamarquesa de Desportos), que sempre defendeu que as crianças devem permanecer nos seus clubes locais, onde se sentem bem", criticou.
Michael Andersen alertou ainda para o impacto que esta mudança poderá ter no futebol jovem: "A tendência é que os clubes recruten os jogadores cada vez mais cedo, para cumprir a regra do 'jogador formado localmente', e já existem casos de jogadores que são contratados antes mesmo de se estrearem na Superliga dinamarquesa. A Federação Dinamarquesa deveria ser responsável por estabelecer regras que protejam o bem-estar das crianças no futebol em todo o país. Com esta proposta, estão apenas a servir os interesses financeiros dos clubes da Superliga."

Crianças correm o risco de perder a alegria do futebol
De acordo com a nova regulamentação da Federação Dinamarquesa de Futebol, sempre que um clube recrutar um jogador entre os escalões de sub-10 e sub-12, deverá comprometer-se a garantir treinos e jogos na equipa principal até o atleta atingir o escalão de sub-15. No entanto, esta medida tem sido alvo de fortes críticas, nomeadamente por parte de Michael Andersen, antigo director executivo do Team Danmark.
"A federação afirma que os clubes se comprometem a dar treinos e jogos aos jogadores até aos sub-15, mas quem vai fiscalizar isso? Não faz sentido nenhum", criticou Andersen em declarações ao Flashscore.
Para o antigo responsável pelo desporto de elite dinamarquês, o essencial é preservar o prazer de jogar futebol, sobretudo nas idades mais jovens: "O mais importante é que as crianças mantenham a alegria de jogar futebol. Num jogo só há espaço para 11 jogadores e há estudos que mostram que é praticamente impossível prever, tão cedo, quem terá sucesso a longo prazo. Estamos a correr o risco de afastar muitas crianças que tentam, não são seleccionadas e acabam por desistir", alertou.
Michael Andersen considera ainda que as novas regras podem ter efeitos perversos no comportamento dos pais: "Esta política acaba por alterar o comportamento das famílias. Indiretamente, aumenta a pressão sobre o desempenho das crianças. Algumas conseguem lidar com isso, mas, a longo prazo, mesmo os jovens mais talentosos podem perder a alegria pelo jogo se o sistema se tornar demasiado exigente, demasiado cedo."
As preocupações de Andersen encontram eco noutros nomes do futebol dinamarquês, como William Kvist. O antigo capitão da seleção publicou no LinkedIn uma crítica à crescente comercialização do futebol juvenil, alertando que essa tendência está a avançar à custa do bem-estar das crianças.

"Esquecemo-nos de 99% da população"
"Na Dinamarca, criámos uma cultura futebolística em que tudo se resume a encontrar o 1% de jogadores que chegará à seleção nacional e aos grandes clubes internacionais. Mas esquecemo-nos de algo fundamental pelo caminho: os outros 99%", sublinhou Kvist.
Para o ex-jogador, o futebol de formação está a perder a sua essência: "Quando tudo se resume a identificar aquele jogador suficientemente bom para vestir a camisola da seleção, o desporto infantil transforma-se num ambiente de pressão, expectativas e seleção precoce, em vez de ser um espaço de jogo, de comunidade e de experiências positivas", lamentou.
As novas regras também mereceram duras críticas do Ministro da Cultura da Dinamarca, Jakob Engel-Schmidt, que expressou o seu ceticismo quanto à decisão da Federação Dinamarquesa de Futebol (DBU): "Devo dizer que estou muito cético em relação às novas regras que foram agora introduzidas. Parece que a federação desistiu completamente de regular o recrutamento, ao aprovar estas medidas", afirmou.
O governante reforçou a importância de proteger a infância dos jovens atletas: "As crianças devem poder ser crianças. E devem poder sê-lo durante muito tempo. A idade mínima de 13 anos para o recrutamento nunca deveria ter sido alterada."
Perante a onda de críticas, a Federação Dinamarquesa de Futebol já fez saber que está disponível para dialogar com o Ministro da Cultura sobre as novas regras e o impacto que estas podem ter no futuro do futebol jovem no país.