O triunfo no Catar, o futebol e a vida no Médio Oriente. E, claro, a possibilidade de voltar a treinar na Europa. Depois de vencer a Taça da Ásia, Tintín Márquez - a quem chamam "Mister López" em Doha - olha para o futuro, mas sem esquecer o passado.
"Imediatamente após a vitória, toda a gente me escreveu. Todas as pessoas que me conhecem e que sabem que estive longe de casa durante quase 13 anos, durante os quais tive desilusões e alegrias. Mas nenhuma alegria se compara à de ganhar a Taça Asiática", garantiu.
- Comecemos pelo passado: que tipo de jogador foi Tintín Márquez?
- Eu era um jogador de qualidade, mas com pouca rodagem.
- Gostarias de ter treinado alguém como tu?
- Sim, porque marcava muitos golos. Eu era um médio ofensivo que trabalhava pouco na defesa (risos).
- E, além disso, como dizia Charlie Rexach, correr é para os cobardes, certo?
- Sim, claro (risos)-
- Teve as suas primeiras experiências como treinador em Barcelona, mas depois teve de ir procurar a sua sorte no estrangeiro.
- Sim, fiz toda a minha carreira de futebolista em Barcelona e depois comecei a treinar uma equipa da terceira divisão, o Europa, com a qual tivemos a sorte de ganhar a Taça da Catalunha contra o Barça. Só depois regressei ao Espanyol porque não tinha o curso de treinador e pensei que seria bom consegui-lo a trabalhar lá. Comecei nas camadas jovens e cheguei até à equipa principal, mas as coisas não correram bem. Despediram-me e tive de sair. Fui para o Castellón. Foi uma má experiência, de facto.
- E depois o Catar.
- Fui para o Catar pela primeira vez em 2011, mas depois de comprar uma equipa profissional na Bélgica, mandaram-me para lá com um projeto chamado Football Dreams, que consistia em recrutar jogadores em África, diretamente nos seus países. Passei quatro anos lá.
- Até ao telefonema do Iraque
- Chamaram-me para ajudar o seu treinador a preparar-se para os Jogos Olímpicos de 2016. Fizemos três meses de preparação e fomos ao Rio, mas só estive com eles durante esse período. Depois de voltar ao St. Truiden, na Bélgica, regressei ao Catar.
- Porquê o Catar?
- Porque me chamaram de uma equipa importante (Al-Wakrah) que estava a atravessar um período muito mau na segunda divisão e eu podia dar-lhes uma ajuda. Bem, tivemos a sorte de ser promovidos. Eles estão lá há seis anos e conseguimos qualificar-nos entre os três últimos da Liga dos Campeões. Fizemos um bom trabalho.
- Tão bom que a chamaram para dirigir a seleção nacional quando Carlos Queiroz saiu. A 6 de dezembro nomearam-np treinador, na véspera de Natal fez o primeiro treino e a 10 de fevereiro ganhou a Taça da Ásia. Quando é que se apercebeu que podia realmente ganhar a Taça?
- Bem, para ser sincero, em nenhum momento, porque é muito difícil ganhar com o Qatar. O que o Félix Sánchez conseguiu fazer foi uma coisa incrível. Ganhar com o Catar contra seleções como o Japão, a Coreia, a Austrália, o Irão, em suma, equipas muito fortes, era quase impensável. Jogámos jogo a jogo, com entusiasmo, superando ronda após ronda. Talvez quando defrontámos o Irão nas meias-finais tenhamos começado a pensar que podíamos vencer a Jordânia, porque tínhamos jogado um amigável contra eles antes do início do torneio e pareciam ser uma boa equipa, mas podíamos vencê-los. Sim, nesse momento alguém começou a pensar que podíamos ganhar.
- Primeiro Pep Guardiola, depois Xavi Hernández e Félix Sánchez e agora Tintin Márquez. Porque é que eles têm esta predileção pelo futebol catalão no Qatar?
- Temos uma boa relação com os cataris porque o carácter espanhol se adapta muito bem ao deles. Além disso, gostam da nossa filosofia de jogo: tentar manter o controlo da bola e ser ofensivos. Bem, nem todos os treinadores espanhóis são iguais. Mas a ideia que se espalhou depois do Campeonato do Mundo que ganhámos em 2010 e dos Campeonatos da Europa de 2008 e 2012 foi a de que em Espanha se joga um futebol ofensivo.
- Que tipo de treinador é que todas estas experiências pelo mundo o tornaram? Quem é Tintin Márquez hoje?
- A verdade é que continuo a ter a mesma ideia de futebol que tinha no Barcelona. Tenho, sem dúvida, um pouco mais de experiência e, por isso, lido com algumas situações com mais calma, mas continuo a desenvolver a mesma ideia que levei para onde quer que tenha treinado. Em alguns sítios correu bem, noutros nem por isso. Nesta última aventura no Catar, porém, diria que foi fantástico.
- Qual é a situação do futebol no Médio Oriente?
- O Catar deu um passo em frente incrível. Nos últimos anos, os jogadores são muito mais profissionais em termos de responsabilidade, horários, assiduidade nos treinos e compreensão do jogo. Melhoraram muito, muito mesmo. É claro que, se compararmos com a Europa, não digo com as grandes equipas, mas mesmo com as moderadamente boas, ainda estamos um pouco longe. Dito isto, o Catar ocupa atualmente a melhor posição da sua história, está em 34.º lugar no ranking da Fifa, o que significa que já está num nível elevado, porque os jogadores melhoraram muito.
- Gostaria de regressar à Europa para treinar uma equipa de topo?
- Não, não. Depois do Catar, vou regressar a casa. A minha intenção é que, quando terminar o meu trabalho aqui, diga basta.
- Depois do último Campeonato do Mundo no Catar, em 2034 o Campeonato do Mundo regressa à Península Arábica, à Arábia. Até que ponto o futebol está no Médio Oriente?
"Bem, aqui eles são loucos por futebol. Sabem tudo sobre a liga espanhola, a liga inglesa.... Vêem muito futebol, muito futebol. Gostam muito de futebol, gostam muito de desporto. O Catar investe muito no desporto, mas não só no futebol. Promove para tudo. Para a natação, o basquetebol, o atletismo, o andebol, todos os desportos que existem. E depois investe muito em instalações. Tem instalações impressionantes. Impressionantes em tudo, para o futebol de formação, para aqueles que começam a competir no Aspire. Uma coisa é certa. A verdade é que eles investem muito no desporto. Gostam muito de desporto, especialmente o emir, o irmão. Gostam muito de desporto e investem muito no desporto, muito.
- Se um jovem futebolista europeu, digamos um Gabri Veiga ou um campeão já consagrado, lhe telefonasse a pedir conselhos sobre se deve ou não vir para a Arábia Saudita ou para qualquer liga do Médio Oriente, o que diria?
- Bem, está a chegar agora. Por exemplo, temos muitos jovens, como disse o Gabri Veiga. Bem, nós, por exemplo, temos um projeto no Catar onde estão a recrutar jogadores de 17, 18 anos. De Espanha temos o Juca, um rapaz que teve um projeto para a equipa principal espanhola. Bem, o conselho é que o futebol é futebol em todo o lado, que se compete, se treina bem, é futebol profissional e talvez a vantagem seja que se ganha mais aqui do que na Europa.
O Campeonato do Mundo de Futebol no Catar foi alvo de muitas críticas relacionadas com os direitos humanos, as condições dos trabalhadores e outras questões. Acha que são justificadas ou que a realidade na Europa ainda não é bem conhecida?
- São 100 por cento injustificadas. Digo sempre a mesma coisa, quem diz estas coisas devia apanhar um avião da Qatar Airways, vir ao Catar, ficar 15 dias e depois repetir a sua opinião, para ver o que pensa. São preconceitos que resultam de uma ignorância total.