Reportagem Flashscore: Seleção sudanesa no exílio, o último refúgio de um povo em guerra

A seleção sudanesa no exílio, último refúgio de um povo em guerra
A seleção sudanesa no exílio, último refúgio de um povo em guerraCAF

Enquanto o Sudão atravessa uma das piores crises humanitárias da sua história, o futebol mantém-se como um refúgio coletivo. Clubes exilados no Ruanda, seleção sediada em Bengasi, jogadores espalhados pelo mundo: apesar das condições extremas, os Falcões de Jediane conquistaram a qualificação para a CAN e carregam, à distância, a esperança de um país em ruínas.

Desde abril de 2023, o Sudão está mergulhado numa guerra civil entre o exército sudanês e a milícia das Forças de Apoio Rápido. Os combates destruíram bairros inteiros, deixaram milhares de crianças à fome, deslocaram 12 milhões de pessoas e tornaram impossível qualquer vida desportiva normal.

O futebol, pilar popular da sociedade sudanesa, também não foi poupado. O campeonato nacional foi suspenso e depois totalmente transferido, já que as condições de segurança deixaram de permitir a realização de jogos em solo sudanês.

Sem estádios operacionais nem garantias mínimas, os clubes sudaneses viram-se obrigados a exilar-se para continuarem a existir, disputando as suas competições em países vizinhos ou treinando no estrangeiro, muitas vezes em condições precárias.

Al‑Hilal e Al‑Merreikh, os dois maiores clubes do Sudão, abandonaram o país em julho de 2024, para escapar à guerra civil que assola o território desde abril de 2023. Esta época, integraram a Liga 1 do Ruanda, depois de terem jogado na época anterior no país vizinho, a Mauritânia, onde o Al-Hilal terminou em primeiro lugar no campeonato, sem poder ser coroado campeão, já que o título estava reservado aos clubes locais.

"A guerra pára durante 90 minutos"

Os jogadores vivem, na sua maioria, longe das famílias, muitas vezes sem saber quando poderão regressar a casa. A própria seleção nacional constrói-se longe de Cartum, com estágios organizados fora do país, sobretudo na Líbia. Bengasi e o seu Estádio dos Mártires de Benina servem de base à equipa nacional, que disputou jogos em casa nesta cidade. Os estágios realizam-se em condições precárias, com jogadores dispersos entre campeonatos locais exilados, clubes africanos e as diásporas do Golfo ou da Ásia.

No entanto, este cenário caótico é um fator de motivação para esta seleção no exílio.

"A guerra motiva a equipa", garantiu Abdelrahman Kuku ao Guardian no ano passado.

"É uma grande fonte de motivação para nós, porque sabemos que somos praticamente a única razão que faz as pessoas felizes no Sudão. Quando jogamos, é tudo o que importa no país. A guerra pára durante 90 minutos, todos assistem ao jogo, já não há combates", acrescentou.

Um percurso heroico até à CAN com sonhos de paz

Prova disso: o Sudão qualificou-se diretamente para a CAN, algo inédito desde o início da guerra civil, num grupo exigente composto pelo Gana, Angola e o Níger. Mas os Falcões de Jediane perderam apenas dois jogos, frente a Angola e ao Níger, e até venceram o Gana por 2-0 "em casa", eliminando os Black Stars da competição continental. Um sabor de vingança para James Kwesi Appiah, atual selecionador ganês do Sudão, mas sobretudo antigo treinador do seu país, despedido pela federação em 2019.

É deste sentimento de vinganla, perante uma história e um contexto que não controlam, que se alimentam estes jogadores, quase todos nascidos no país. Isolados, longe dos seus, só podem assistir ao inferno que estes dois comandantes militares impõem ao seu povo, num cenário de influências estrangeiras. Hoje, todos sonham jogar em casa, em Cartum ou Omdurman, mas, por agora, terão de se contentar em ver os seus adeptos, também eles exilados por África, reunirem-se nas bancadas marroquinas.

Não tendo conseguido o apuramento para o Mundial, o que segundo Appiah teria "parado a guerra" no país, o Sudão quer fazer boa figura nesta CAN, apesar de um grupo exigente com a Argélia, o Burquina Faso e a Guiné Equatorial.

"Respeitamo-los, mas não os tememos", insistiu o selecionador, que sonha ver o Sudão conquistar a competição.

"Se entrarem em campo a pensar em nomes como Messi ou Ronaldo, perdem mentalmente antes de começar. A minha mensagem para os jogadores é simples: acreditem em vocês e joguem para mostrar do que o Sudão é capaz. Estamos aqui para competir, não apenas para participar", afirmou.