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Exclusivo com Nuno Campos: "Clubes húngaros estão a dar passos importantes para o futuro"

Nuno Campos é o treinador do FC Zalaegerszeg
Nuno Campos é o treinador do FC ZalaegerszegZTE FC Zalaegerszeg

Nuno Campos, treinador de 50 anos, começou a carreira de treinador-adjunto ao lado de Paulo Fonseca nos juniores do Estrela da Amadora. Num trajeto de 15 anos que o levou até aos grandes palcos portugueses e europeus, destaca-se também o facto de ter lançado Diogo Jota como sénior, antes de iniciar a carreira a solo no Santa Clara e Tondela. No ano passado orientou os sub-20 do Flamengo que ainda há poucos meses se sagraram campeões mundiais e, esta temporada, foi escolhido como novo timoneiro do quase impronunciável FC Zalaegerszeg, da primeira divisão da Hungria.

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Ao fim de uma década como jogador profissional (Campomaiorense, Farense, etc), Nuno Campos pousou as botas e começou por ser o número dois de Paulo Fonseca nos juniores do Estrela da Amadora. Nove anos depois deram o salto para o FC Porto após uma excelente temporada no Paços de Ferreira, para onde voltaram, até novo salto para o SC Braga. A aventura nos minhotos durou uma época, seguindo-se os primeiros projetos internacionais: Shakhtar Donetsk e, três anos depois, a Roma.

Foi no final da segunda época em Itália que Nuno Campos decidiu abrir asas e começar a carreira de treinador principal com duas curtas passagens pelo Santa Clara e o Tondela. Em 2023/24, acompanhou Renato Paiva como adjunto principal no Toluca, do México. Em 2025, voltou a ser treinador principal da equipa sub-20 do Flamengo e esta temporada surgiu o desafio de treinar na Hungria, num projeto à sua imagem: formar jogadores para o futuro.

Em conversa com Marco Domingos, o treinador do FC Zalaegerszeg abriu o livro ao Flashscore sobre o passado, presente e futuro de uma carreira que conta com uma pequena medalha: lançar Diogo Jota no futebol profissional. Ao mesmo tempo, o técnico levanta o véu sobre as forças dos futebolistas húngaros, cuja seleção nacional acolhe Portugal na terça-feira, na segunda jornada do Grupo F do apuramento para o Mundial-2026.

- Nuno Campos é o convidado Flashscore para esta semana. Está agora na Hungria, a trabalhar numa equipa com um nome bastante difícil de pronunciar para os portugueses, Zalaegerszeg. Desde já, Nuno Campos: por que a Hungria nesta altura da carreira?

O projeto que me apresentaram foi muito claro, criar algo de raiz, apostar em jovens, valorizá-los e fazendo uma equipa competitiva. Isso seduziu-me, porque gosto de construir, não apenas de gerir. O que mais me seduziu também foi a clareza de ideias e a ambição de quem lidera o projeto. O Dáminho é o nosso presidente e temos o Andréz, que é o nosso diretor desportivo, e colocaram as coisas de forma determinante para aceitar este desafio, o entusiasmo deles pelo projeto, a forma como estruturaram a equipa, a ideia do seu modelo de jogo, que era claramente para ter a bola e valorizar os jogadores. Isso deixou-me entusiasmado e deram uma confiança para podermos iniciar algo que vai ser difícil do ponto de vista de resultados, porque é uma equipa muito jovem, com muitos reforços muito novos, mas que também tem um acréscimo de valorização desses jogadores depois, para um dia também podermos deixar um legado. Também encontrei um clube muito aberto às ideias, com vontade de crescer, de se afirmar. Então, este desafio motivou-me desde o início, desde o primeiro dia.

- Esse desafio vem até um pouco no seguimento daquilo que estava a acontecer no Brasil com a equipa de sub-20 do Flamengo, não é? Também com essa missão de trabalhar com gente muito jovem.

Exatamente. Embora, o Brasil como experiência foi muito, muito enriquecedora. Trabalhar com jovens num clube daquela dimensão, para além do orgulho, também me reforçou a convicção de que eu gosto muito de formar jogadores, ajudá-los a crescer, a dar o salto. Um pouco como dizia antes, treinar jovens é também preparar o futuro. O treinador também tem a obrigação de deixar um legado. E o Flamengo, é um colosso do futebol mundial e tem uma estrutura muito organizada, muito profissional. Terminaram agora de ganhar o Mundial de Clubes de sub-20 e foi de facto algo que eu senti que tenho ali um grãozinho de areia e foi muito positivo. Foi engraçado receber muitas mensagens das pessoas que trabalharam comigo, a dizer-me que eu também faço um pouquinho de parte dessa conquista deles. E isso deixou-me muito feliz, porque foi sinal de que deixamos alguma coisa por onde passámos.

- E dessa equipa do Flamengo sub-20, que nomes é que vamos ouvir falar muito em breve aqui na Europa?

O Diogo Gonçalves acho que é um jogador já conceituado dentro da sua juventude. O Lorran, o Rayan Lucas, que foi para o Sporting, é um jogador que vai aparecer no futebol europeu mais tarde ou mais cedo, vai-se afirmar pela sua qualidade. Tem o Iago Teodoro, capitão da seleção de sub-20 do Brasil, é um jogador já com uma maturidade fora do vulgar. Tem o João Victor Souza, que é mais novo e já está na equipa profissional a jogar algumas vezes e que tem um futuro brilhante pela frente. Não faltam nomes nessa equipa. Não quero ser injusto também com alguns que não refira, porque realmente têm muita qualidade nessa equipa.

- Já agora, em termos da formação no Brasil, quais são as principais diferenças ainda, apesar de existir uma base de recrutamento gigantesca? E quais são as grandes diferenças para o trabalho que é feito pelos europeus na formação?

O talento do jogador brasileiro é inato e o que se pode melhorar é a sua capacidade de aprimorar alguns detalhes, sobretudo os táticos, em relação ao futebol europeu. Quando esses jogadores estão disponíveis para trabalhar dentro dessa regra de melhorar em termos táticos, e quando colocam em campo a sua qualidade técnica, juntamente com a parte que evoluem, eventualmente com os treinadores europeus, que é a parte tática, tornam-se dos melhores do mundo na sua categoria. O que acabamos por ver é o Flamengo, também o Palmeiras, sobretudo estes dois, mas também mais clubes que formam bem no Brasil, de repente darem jogadores para as melhores equipas do mundo, de forma que parece surpreendente, mas não é. E não é pelo seu talento e pela sua capacidade de improviso individual, em que quando entram dentro do coletivo e aprendem a fazer a parte tática, como se calhar os europeus aí já são mais evoluídos, ficam jogadores muito mais completos. E quando são jogadores mais perto de estarem completos, são melhores que os outros pelo seu talento individual, pela sua capacidade de improvisação, do um contra um, de serem um jogador que resolve os jogos sozinho. E essa parte tem que entrar dentro de um coletivo, quando eles o conseguem fazer, destacam-se claramente.

- Há pouco o Nuno falava do Zalaegerszeg como uma equipa que tem na génese do projeto, formação de talentos, preparação desses jogadores para outros voos. Podemos comparar esse projeto com alguns clubes em Portugal neste momento? Fora dos três grandes?

Eu creio que os clubes portugueses estão um passo à frente, em termos de formação, da Hungria. O futebol húngaro está a evoluir, nota-se nos clubes e na própria seleção, mas de qualquer forma ainda há muito para fazer de forma a evoluir, sobretudo, os jogadores da formação. As condições de trabalho são muito boas, não só aqui, mas também de uma forma geral nos clubes húngaros. Penso que essa parte foi um passo importante para que os clubes húngaros possam formar melhor, mas há um trabalho que leva muitos anos a ser feito e que Portugal já o faz há muitos anos e de forma fantástica - e por isso tem tantos jogadores ao mais alto nível. E esse trabalho ainda está um pouco por fazer aqui na Hungria e tem a ver com o tipo de treino que é feito para os jovens. O jogador húngaro, é um jogador de trabalho, mas não é tão técnico ou aprimorado como o jogador brasileiro. E então necessita muito mais de ferramentas coletivas e também individuais de receção, de passe, de um contra um, de dois contra um, de três contra dois. Coisas mais específicas para evoluir nesse aspeto, para se tornar mais competitivo, porque o jogador brasileiro tem, naturalmente, inata, a capacidade de decisão de um contra um e o jogador húngaro necessita muito mais de ferramentas para o fazer. Acho que estão a evoluir, acho que estão a dar passos importantes para o futuro ser melhor. Falta ainda muito ao nível dos clubes. Eu não conheço toda a realidade, mas já vou conhecendo muito do futebol húngaro e acho que começa-se a querer fazer algo por aí.

- Portugal, Ucrânia, Itália, México, Brasil, Hungria. De todos estes, qual foi o país que lhe deu mais gozo trabalhar até agora?

Eu sou alguém que fica muito satisfeito por mostrar o que se faz de bom em Portugal. Falo com muita gente no estrangeiro, não é só apenas no futebol, mas eu tenho orgulho em ser português e em mostrar que há muita coisa que nós fazemos bem no futebol. No futebol e não só. Não queria dizer que algum país é mais importante do que outro por dois motivos. Primeiro, porque normalmente temos a tendência de dizer que este país é melhor, porque os nossos resultados foram melhores. No Shakhtar conseguimos feitos a nível de títulos fantásticos, com três campeonatos em três anos, três taças em três anos, Liga dos Campeões, coisas do género. Mas a experiência em Itália é uma coisa fenomenal. Jogar a Série A com as melhores equipas do mundo, é algo que é indescritível. Jogar a Liga de Campeões, Liga Europa, crescer os miúdos do Flamengo é algo muito importante. Ou seja, todas as experiências que eu tenho tido são coisas que nos aportam muito para uma carreira e que só vivendo as experiências é que podemos evoluir certos aspetos. Cada um dos países trouxe muitas coisas positivas e eu tenho também muito orgulho em levar muitas coisas positivas que nós temos de Portugal para cada um dos países e para cada um dos clubes. Tem sido assim em todo o lado e acho que tenho sido um bom embaixador do futebol português.

- E essa proximidade agora ao futebol húngaro. Haverá a possibilidade de termos jogadores húngaros, em breve, a jogar em Portugal?

Eu penso que há jogadores húngaros que têm a capacidade para jogar em Portugal. Naturalmente mais caros. E o mercado húngaro absorve os melhores que tem, só os perde para ligas com outro poder de compra. Talvez os clubes mais fortes em Portugal não olhem para o mercado húngaro porque têm jogadores com qualidade acima da média e pelo seu poder de compra. Falamos de investimentos altos dos clubes portugueses e com isso também podem ir buscar jogadores de outro patamar. Mas também os que eventualmente poderiam vir buscar à Hungaria debatem-se com uma questão: o jogador húngaro quando se destaca tem clubes na Hungria que pagam acima do que pagará um clube médio português. E isso torna as coisas um bocadinho mais difíceis. Não digo que não possa acontecer, mas que torna mais difícil os clubes portugueses irem buscar os melhores jogadores húngaros.

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- A seleção de Portugal vai jogar aí no dia 09 de setembro. O Nuno vai ver o jogo?

Ainda não sei se consigo, porque vai depender aqui um bocadinho dos meus treinos. Tinha todo o gosto em ir ver até porque já vi uma vez-- já tive uma vez com a seleção portuguesa aqui em Budapeste quando tava no Shakhtar. Vinha a Budapeste passar três dias e jogava cá a seleção portuguesa, então tive todo o gosto em ir ter com eles ao hotel e estar no jogo depois nesse dia. Mas, tinha todo o gosto outra vez em recebê-los neste caso aqui na minha segunda casa emprestada .

- Muito bem. A Hungria tem nomes fortíssimos, Szoboszlai, não é? Willy Orban, Dardai, Varga, enfim... Que dificuldades Portugal vai experienciar aí?

Claro! Acima de tudo, a parte aguerrida do jogador húngaro, que é um jogador de trabalho, de competir, agressivo no bom sentido, não não dá lances por perdidos. Naturalmente que a seleção portuguesa tem outros argumentos em termos técnicos para resolver os jogos, é uma das melhores do mundo. É inequívoco que Portugal criou tanto, ao ponto de qualquer competição onde entre será sempre para ganhar. E isso é muito mérito de muita gente no futebol português que ao longo de muitos anos foi conseguindo manter esse nível. E também aumentando sempre o leque de jogadores disponíveis, para manter-se a esse nível, porque constantemente está a vender para os melhores clubes do mundo e isso ajuda a formar cada vez melhores jogadores. Portanto, naturalmente que Portugal será favorito, mas acho que a Hungria pode sempre bater-se por qualquer resultado, fruto da sua competitividade e da sua forma de estar em campo, mais combativa e por esse prisma também pode sempre competir pela vitória.

- Imagino que acompanhe com alguma proximidade a liga portuguesa. Consegue arriscar, dos crónicos candidatos ao título, alguém que se destaque e que que esteja mais perto desse título?

Os campeonatos ganham-se ao longo de uma temporada que é muito desgastante e que há muitos momentos menos bons e outros normalmente que são os melhores. Nos menos bons, por vezes surge a definição do campeão, porque como manejamos a situação quando não nos corre bem, por vezes é a resposta para ser campeão. Acho que os três grandes - embora o SC Braga esteja sempre ali num ponto próximo de lutar por qualquer coisa mais -, estão muito bem neste momento, muito confiantes, com equipas muito fortes em termos individuais e coletivos. Treinadores que, dois deles (Rui Borges e Bruno Lage) conhecem muito bem a sua própria equipa, isto é um ponto favorável porque já tiveram que fazer as alterações que tinham que ter feito no período mais inicial, no ano anterior, um treinador novo, mas que tem muita qualidade. E então, creio que os três estão num patamar muito alto para poderem competir pelo campeonato. Não consigo neste momento dizer quem poderá estar mais próximo de ganhar, os três estão muito bem apetrechados, têm muitas soluções, jogadores com muita qualidade e treinadores de muita qualidade para exponenciarem ao máximo as suas equipas.

- O Nuno é possivelmente o único a disputar a final da Taça de Portugal, como jogador, ao serviço do Campomaiorense, como adjunto no SC Braga e como treinador principal no Tondela. Há aqui alguma relação de proximidade com este troféu? Para quando ganhar a Taça de Portugal como treinador?

Não sei se há alguma relação, mas de facto é engraçado vermos que tive a felicidade de como jogador, como treinador adjunto e como treinador principal, chegar a uma final, que é algo que enquanto somos jovens e apenas jogadores, temos o sonho de um dia lá chegar. E eu consegui cumprir esse sonho em três funções diferentes. Espero que a próxima seja para ganhar enquanto treinador principal. Naturalmente, com o Tondela ficou um pouquinho mais difícil pela dimensão do FC Porto que mereceu ganhar essa final, mas conto um dia disputá-la e ganhar. Não sei onde, nem sei quando, mas é uma relação bonita de uma carreira que já começa a ser longa com 21 anos de treinador e mais uns 10 ou 12 como jogador.

- Nota-se que o Nuno, pelo sorriso que tem nos lábios quando fala deste projeto que abraçou na Hungria, está a gostar bastante do que está a fazer aí. Mas se o telefone tocar de um dirigente do futebol português a convidá-lo para voltar a casa, estaria aberto a esse convite?

Um treinador tem que estar sempre aberto a qualquer convite e o meu telefone tocou muitas vezes para diferentes coisas e eu sempre gostei de ouvir as pessoas, porque não tenho qualquer tipo de problema em treinar em diferentes países, como tenho demonstrado ao longo do tempo. Inclusive treinar sub-20 do Flamengo, naturalmente é um clube gigante, mas não tive problema nenhum em treinar sub-20 e com muito orgulho. Tal como aqui, formar jogadores é diferente, porque sei que não vou estar nas melhores posições do campeonato, mas com muito orgulho estou aqui para formar jogadores, para ajudar o fundo de investimento a sair vencedor neste projeto. Portanto, tenho escutado sempre todas as possibilidades de forma muito aberta. Primeiro de tudo, somos treinadores de todos os patamares e temos que ter a humildade de escutar as pessoas que nos estão a procurar para nos dar um emprego. E eu, como tal, sou sempre aberto e escuto com muita atenção e muito carinho todas as propostas que me possam aparecer. Naturalmente, estou muito satisfeito aqui. Este projeto é um bebé que vai crescer com o tempo e que me vai dar o gozo de ver os jogadores aparecerem mais à frente num patamar de evolução maior e num patamar diferente de equipa. É assim o projeto e com todo o gosto estarei aqui a ajudar a fazer crescer este bebé que ainda está a dar os primeiros passos.

- Nuno, para terminar, trabalhou também com o Diogo Jota. Se não estou enganado, o Diogo Jota estreia-se como sénior quando o Nuno Campos era adjunto do Paulo Fonseca no Paços de Ferreira. Que recordações guarda deste jogador e, sobretudo, deste homem que nos deixou tão cedo?

Acima de tudo, o Diogo era um amigo, foi um jovem que nós tivemos a sorte de lançar no Paços de Ferreira, que desde o primeiro treino percebemos que tinha ali algo diferente. A intensidade com que fazia as coisas, a coragem para assumir com 18 anos, a inteligência... E o seu percurso é um exemplo para qualquer jovem jogador. Não é preciso ser formado num clube grande para poder singrar no futebol. Eu tinha um carinho mesmo muito especial pelo Diogo. Nós falávamos várias vezes, mesmo estando num patamar tão alto da carreira, sempre teve a humildade de me mandar umas mensagens e de me responder sempre. Falávamos por telefone uma ou outra vez, como ele estava num patamar tão alto, às vezes não é fácil ter a disponibilidade para falar, mas sempre senti da parte dele uma humildade tremenda. E neste momento sinto uma tristeza muito grande e deixo aqui um forte abraço à sua família, que tenha muita força, porque é alguém que era querido para toda a gente que o conhecia. Era alguém que tinha sempre uma palavra amiga para quem o rodeava e por isso toda esta movimentação em torno desta desgraça. Muito, muito, muito triste com esse momento. No dia em que soube, ia dar o treino e os meus jogadores até me perguntaram porque é que eu tinha os olhos vermelhos. Eu tinha acabado de saber a notícia e fiquei a chorar um pouco no meu gabinete, porque era alguém muito querido para mim.