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Opinião: FC Porto vai à Bélgica à procura de um novo rumo, para o melhor e para o pior

Jogadores do FC Porto à deriva
Jogadores do FC Porto à derivaMats Torbergsen / NTB / AFP/Flashscore
O reino do dragão está a ferro e fogo depois de três desaires consecutivos que trouxeram nuvens para a revolução primaveril na estrutura do clube. O próximo jogo, no terreno do Anderlecht, esta quinta-feira (17:45), para a quinta jornada da Liga Europa, tem importância fundamental em dois aspectos: os objetivos na prova e a continuidade do treinador Vítor Bruno. Mas... como chegamos até aqui em tão pouco tempo?

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Há 16 anos que não se via nada assim... Não há outra maneira de começar sem ser por aqui. As três derrotas consecutivas obrigam-nos a recuar até ao ano 2008 para encontrar um registo semelhante. Ainda assim, nessa época, os dragões acabariam por celebrar o tetracampeonato, sob o comando de Jesualdo Ferreira, graças a uma recuperação que começou precisamente depois desses desaires, praticamente na mesma altura do calendário - na altura com bem menos jogos.

Dourar a pílula

Ora, por muito que se tente colocar o atual momento em perspetiva, para o sempre exigente adepto portista não passa de uma tentativa de dourar a pílula, uma que é bem grande e difícil de engolir. Os 40 anos disto (leia-se, de conquistas e domínio nacional) terminaram nem há meio ano e levaram consigo o treinador com mais jogos ao serviço do clube. A novela da sucessão foi pior do que qualquer episódio de Sucession e a escolha trouxe mais dúvidas do que propriamente respostas. Ainda assim, foi feito o "25 de abril do FC Porto", como lhe apelidou o jornalista Miguel Carvalho.

Juntou-se a isto um plantel que perdeu as figuras mais proeminentes, à exceção de Diogo Costa - e Galeno, mas até esse esteve para lá da porta de saída -, um buraco financeiro e o maior grupo de adeptos dividido e à deriva depois da prisão (e expulsão) do seu líder. A apresentação de um ano zero e a garantia de apostar no ouro da casa rapidamente entraram em contradição com o - bom - trabalho da estrutura que encontrou formas de suprimir as necessidades dos sectores.

Palavras do presidente do FC Porto na apresentação de Vítor Bruno
Palavras do presidente do FC Porto na apresentação de Vítor BrunoLUSA/Opta by StatsPerform

No início do mercado, os adeptos contavam com poucas ou nenhumas contratações. No final do mesmo, as chegadas de Pérez, Samu, Fábio Vieira, Francisco Moura e Djaló voltaram a encher um balão que, inicialmente, parecia querer-se vazio. Tudo isto criou um barril de pólvora de expectativas que só precisava da acendalha desportiva e Vítor Bruno seria sempre o alvo mais fácil. Não só pela alegada traição que até hoje ficou por esclarecer, mas também pela falta de experiência como treinador principal. E, acima de tudo, por ser a cara principal da nova era de André Villas-Boas, com a qual nem todos estão de acordo.

De "ano zero" a "tolerância zero"

O técnico assumiu o banco de suplentes já em desvantagem pelo que se passava fora das quatro linhas. Dentro de campo, o escrutínio seria muito maior e nem a reviravolta épica na Supertaça ajudou a serenar os ânimos. Para o portista, não há "ano zero". Com melhor ou pior plantel, quando se sobe ao relvado é para ganhar. Foi isso que o reinado de Sérgio Conceição ajudou a solidificar, nomeadamente na primeira época (2017/18), com um plantel de proscritos.

O início da era de Vítor Bruno até parecia seguir o mesmo caminho, garantindo que "ninguém tem carimbo de descartado", mas em apenas três meses Iván Jaime, Vasco Sousa e André Franco desapareceram das escolhas, Fran Navarro foi aposta (falhada) contra o Moreirense, David Carmo, Toni Martínez e Jorge Sánchez receberam guia de marcha. E mais um elemento se juntou à lista: Otávio Ataíde.

Estas contradições num discurso demasiado enfatuado para quem prefere menos paleio e mais corrida, começaram a criar fendas até com os resultados positivos. Depois disso veio a derrota com o Sporting, compreensível, antes da inexplicável queda na Noruega. "Tropeçámos e temos de nos levantar. Isto é para quem se levanta rápido", disse na altura.

Erros amontoaram-se na visita ao Bodo/Glimt
Erros amontoaram-se na visita ao Bodo/GlimtMats Torbergsen / NTB / AFP/ Opta by StatsPerform

Seguiu-se uma resposta à altura: sete vitórias e um empate - contra o Manchester United - em oito jogos. Apesar da qualidade exibicional não convencer, a equipa estava no caminho certo... até a viagem a Roma. Perder um jogo importante nos últimos instantes e num lance aparentemente fácil de resolver, voltou a deixar Vítor Bruno com a justificação das "dores de crescimento"

Mas o adepto que até reconhecia a inexperiência do plantel contra o United e o Sporting, a estratégia menos conseguida com o Bodo/Glimt e algum azar contra a Lazio, não deve, não pode, nem vai aceitar a goleada sofrida na Luz. E não pela derrota em si, pelos golos sofridos ou pela estratégia, nada disso. O que é inegociável, mesmo num ano zero, é a atitude dos jogadores que não existiu durante toda a segunda parte. Não houve garra, nem desequilíbrio, nem farol, só inércia e falta de resposta. A partir daí, a tolerância só poderia ser zero. 

As dificuldades dos dragões na visita à Luz
As dificuldades dos dragões na visita à LuzLUSA/Opta by StatsPerform

Vida(s) extra

Quando alguém está entre a espada e a parede e tem semana e meia de pausa internacional para levantar moral e afinar estratégia antes de uma deslocação complicada para a Taça de Portugal, o pior que pode fazer é: insistir numa ideia que não funciona - a aposta constante em Namaso e a má forma de Fábio Vieira -, experimentar uma nova em simultâneo - Fran Navarro - e ainda entrar em conflito com as suas próprias declarações - sublinhar as "dores de crescimento" e atirar para dentro de campo um míudo (Rodrigo Mora) à espera que unisse a equipa em 10 minutos. Tudo isto, sem qualquer mudança no mais elementar para o adepto: o espírito. 

A partir daí, os pedidos de demissão passaram de burburinhos da franja mais radical para um grito quase global. A estrutura deu a cara perante a insatisfação, mas a posição do treinador está cada vez mais insustentável e não há espaço para errar: "Eles (jogadores) não têm responsabilidade nenhuma, sou eu que os comando e que os lidero", disse, após a primeira derrota em 20 jogos para Taça de Portugal.

Mais do que não fugir à responsabilidade, é preciso fazer alguma coisa com ela e, de há três jogos para cá, tardam em aparecer as mudanças, quer táticas, quer mentais. Mesmo que seja vítima de um contexto extremamente desfavorável, Vitor Bruno terá também de reconhecer que tem uma segunda vida extra num nível ainda mais difícil.

Numa equipa sem rumo, a deslocação à Bélgica para defrontar o Anderlecht vai definir dois futuros: o do FC Porto na Liga Europa, que caso não vença torna quase impossível a passagem direta aos oitavos, e o de Vítor Bruno no comando técnico. É precisamente agora, nos momentos mais difíceis, que os dragões despertam e dão uma resposta cuspida a fogo. 

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Acompanhe o relato áudio através da app ou siteFlashscore

Pela frente estará uma equipa no seu melhor momento da época, sem perder há cinco jogos, com duas goleadas consecutivas (0-5 e 6-0) e no pelotão da fase principal da Liga Europa. Uma exibição convincente e três pontos na bagagem compram mais uma oportunidade para Vítor Bruno antes de uma receção relativamente acessível frente ao Casa Pia. 

Se serve de algum consolo - sem querer dourar a pílula -, há 16 anos as três derrotas seguidas deixaram os azuis e brancos a cinco pontos do líder ao fim de 7 jornadas. Essa época terminou com o título nacional (tetracampeonato) e a Taça de Portugal, além de uma sólida campanha na Liga dos Campeões, que só terminou por causa de um momento de inspiração de Cristiano Ronaldo em pleno Dragão. 

Agora, ao fim de 11 jornadas, seis pontos separam a equipa do líder invencível (Sporting), as portas da Liga Europa continuam escancaradas e a Taça da Liga também ainda está em jogo. O filho de Vítor Manuel, com toda uma vida de futebol e oito anos de FC Porto, sabe melhor do que ninguém que desistir é para os fracos, a época é longa e as contas só se fazem no fim. 

O problema é precisamente esse: ainda há tempo, mas a resposta precisa-se para ontem. E esta é a última vida extra do comandante.

A opinião de André Guerra
A opinião de André GuerraFlashscore