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Exclusivo com Aitor Ocio: "Fiquei com a mágoa de não ter ganho a Taça com o Athletic Bilbao"

Aitor Ocio limpa uma bola na presença de David Villa
Aitor Ocio limpa uma bola na presença de David VillaA. ARRIZURIETA / AFP
Aitor Ocio foi criado no Athletic Bilbao, onde realizou o sonho de jogar na equipa principal, mas acabou por triunfar no Sevilha, onde conquistou duas Taças UEFA e alguns outros títulos. Aos 47 anos, concedeu uma entrevista exclusiva ao Flashscore, para nos contar a sua vida e rever a sua carreira desportiva.

- Já passou algum tempo desde que se retirou, mas olhando para si, ninguém diria que deixou a competição. 

- Deixei o futebol com todas as consequências, já não o pratico. Pratico outros desportos. Lembro-me de toda a minha vida ter praticado desporto, principalmente futebol. Logicamente, desde criança, foi sempre a minha paixão e depois tive a sorte de me dedicar como profissional. E também, como estou prestes a fazer 48 anos, acredito que a atividade física e os bons hábitos são uma questão de saúde. Penso que, durante muitos anos, as pessoas pensaram que eram questões estéticas que não tinham nada a ver com o desporto. Mas o desporto é saúde e é essencial cuidar de si e eu gosto de o fazer.

- Tem até empresas relacionadas com a atividade física e desportiva. Os futebolistas cuidam-se melhor agora do que no seu tempo? 

- Sem dúvida, a resposta é sim. Acima de tudo, há muito mais informação. Tudo se tornou muito mais individualizado. Já vemos futebolistas que se vão reformar depois dos 40 anos e que o fazem com muita facilidade. Eu já estou reformado há muitos anos, mas não tantos. E lembro-me que os jantares antes dos jogos eram arroz e frango para todos. O guarda-redes comia o mesmo que o avançado, que o defesa-central, a mesma coisa. Por outras palavras, era tudo muito generalizado. A carga de treino, da mesma forma. Hoje em dia, toda a gente tem o seu monitor de frequência cardíaca e o seu GPS, tudo é controlado e toda a gente sabe o que correu e o que deve correr, ou o seu treino, ou onde está o seu nível de fadiga para reduzir. Os processos de readaptação e recuperação. Já existe muita informação sobre tudo isto, é muito mais analítico. É verdade que, nalguns casos, a parte mais criativa do futebol que existia foi reduzida, mas sem dúvida que, em termos de condição física, seria impossível somar o número de jogos que muitos dos jogadores fazem, o número de minutos que acumulam nas pernas, o que para mim é um pouco exagerado. Com tanta competição, com um calendário tão preenchido... E, de facto, estamos a assistir a lesões graves.

- Vi-o dizer que jogava futebol por paixão, que queria chegar à equipa principal por paixão. E agora, se calhar, os jovens têm mais informação e também são movidos por outras paixões que não estão estritamente relacionadas com o futebol, não é? 

- Não quero que isto seja mal interpretado, porque hoje em dia também vivemos numa sociedade em que, por vezes, tudo é retirado do contexto. Além disso, as circunstâncias que rodeiam e se movem à volta do futebol hoje em dia não têm nada a ver com as que eu vivi. Hoje tudo é notícia, tudo gera. Os números de que se fala. Antes, as pessoas nem sequer falavam dos números. Muitos futebolistas do Atlético ou daquela geração dos anos 70, 80, 90, que eu tinha no meu palmarés, que tinham sido internacionais, que tinham ganho títulos, que tinham troféus incríveis e que não conseguiam resolver a sua vida. Hoje têm de continuar, ou tiveram de continuar a trabalhar nos últimos anos. Os números são absolutamente... exorbitantes em alguns casos. Nós crescemos, bem, de uma forma mais saudável, nesse sentido. Gostávamos e, como éramos loucos por futebol, queríamos chegar o mais alto possível. E isso era a Primeira Divisão. Independentemente dos valores, do que se ia receber ou do carro ou de uma série de coisas.

- Focando-me em si, há dois jogos que me parecem marcados pelo fogo na sua carreira, um com o Sevilha, outro com o Atlético.

- Sim, tive a sorte de jogar muitos jogos, bons jogos, jogos importantes, disputar finais, ganhar finais. Mas quando me pergunta por dois jogos... Por ordem cronológica, foi essa primeira meia-final com o Sevilha (contra o Schalke 04) que nos levou à final. Depois de tantos anos, conseguimos ganhá-la. Mas fazê-lo em casa, perante os nossos adeptos, naquela quinta-feira de fevereiro, da forma como foi, olha, volto a explicar e fico arrepiado, o meu estômago encolhe-se um pouco. Lembrar-me de tudo o que passámos nos dias que antecederam, os empates e depois o jogo, que foi incrível. E como acabou assim, com aquele remate de pé esquerdo do nosso querido e saudoso Puerta.

Aitor Ocio, com a Taça UEFA conquistada contra o Espanyol em Glasgow, em 2007
Aitor Ocio, com a Taça UEFA conquistada contra o Espanyol em Glasgow, em 2007FRANCK FIFE / AFP

- O que recorda dessa semana, da feira de Sevilha, com a possibilidade de fazer história, uma equipa do Sevilha que nunca tinha jogado uma final europeia, com a possibilidade de o fazer?

- Em Sevilha tudo é vivido de forma muito intensa. Os dérbis, em geral, o futebol, a vida, enfim, vive-se e desfruta-se. Não tínhamos uma grande responsabilidade porque, no fim de contas, não éramos a grande equipa que era obrigada a jogar, mas, bem, estávamos muito entusiasmados. Quando começámos a disputar as eliminatórias, quando começámos a viajar e estávamos a passar as eliminatórias, já sabíamos que podia ser. Naquela altura, o Schalke era uma grande equipa, que estava a fazer uma época muito boa no campeonato alemão. Não era fácil, não era obrigatório, mas estávamos convencidos de que podíamos conseguir. E conseguimos.

- E depois, o outro jogo é com o Athletic Bilbao, nas meias-finais contra o Sevilha, precisamente. Quando Del Nido fez aquelas declarações de "vamos comer o leão, da cabeça à cauda".

- Sim, sim. Ao fim de 25 anos, o Athletic teve a oportunidade de disputar a Taça do Rei. Esse título tão desejado em Bilbau. O Sevilha teve um ano extraordinário, uma época extraordinária na Liga, com um resultado na primeira mão que nos complicou, que não era um jogo fácil, mas bem, com a oportunidade de ganhar esse jogo perante os nossos adeptos. Os dias que antecederam o jogo foram terríveis, tudo o que aconteceu nessa semana, toda a cidade, todas as varandas... Lembro-me de que amigos do Sevilha, ou mesmo o Pichón, o treinador, falando depois, disseram que, quando aterraram no aeroporto, perceberam que iam perder o jogo. Por outras palavras, penso que nós, evidentemente, fizemos o nosso trabalho em campo, foi um jogo muito bom. Mas toda a cidade, toda a Biscaia, compareceu e isso sentia-se em cada passo que dávamos. Criou-se uma atmosfera que sugeria que podíamos chegar à final. Depois, infelizmente, não a ganhámos. Não podíamos ganhar. Essa é a única dificuldade que tenho, ganhar um título com o Athletic. Mas a vida é assim, não se pode ter tudo. Dá-nos de um lado e tira-nos do outro.

- Conseguiu ganhar essa Taça com o Sevilha em 2007, bem como duas Taças UEFA e a Supertaça Europeia. Não sei como viveu de fora a última final da Taça do Rei, aquele desempate por grandes penalidades em La Cartuja, em Sevilha, onde o Athletic Club, 40 anos depois, conseguiu ganhar a Taça do Rei.

- Atualmente, é difícil para um clube como o Athletic conquistar um título de campeão, dada a forma como a indústria do futebol está organizada. Mas uma Taça do Rei, há anos que andávamos a roçar a trave, a ter oportunidades, com um sentimento de desilusão por não o termos conseguido. Sobretudo para os jogadores que tinham estado envolvidos em todas as finais que não tinham sido ganhas. E quando tivemos a oportunidade e o desejo, os adeptos não falharam, o que podemos explicar? Dos dois, porque tive a sorte de ter feito a minha carreira em duas equipas, Athletic e Sevilha, e estou orgulhoso de ter podido defender esses dois escudos.

- A última pergunta é sobre a carreira que a sua filha Anaya está a seguir de alguma forma, com este torneio que disputou nos Estados Unidos. 

- Como já disse, o desporto foi uma parte importante da minha vida e tentei, na hora de incutir valores, formação e educação, que o desporto estivesse muito presente. Levei-a a experimentar todos os desportos para que ela pudesse escolher: ténis, golfe, basquetebol... O único a que não a tinha levado era o futebol e foi ela que um dia me disse: "Pai, quero jogar futebol". Deixámo-la na equipa e, a partir daí, tudo o que fiz foi apoiá-la no seu processo, sendo muito claro que, para mim, o mais importante é a formação e a educação e os estudos, e, a partir daí, combiná-los, custe o que custar, tentando estar relativamente perto e desfrutando também com ela. Uma nova etapa para todos.