O antigo futebolista estava hospitalizado há dois meses devido a um caso de pneumonia, que se complicou após uma operação à anca. O seu estado de saúde agravou-se nos últimos dias e, perante um quadro irreversível, a família tomou a difícil decisão de desligar o ventilador.
Um guarda-redes do século XXI
Gatti era muito mais do que um guarda-redes. Com uma personalidade excêntrica e um estilo de jogo à frente do seu tempo, marcou uma era e deixou uma marca profunda na história do futebol argentino. Foi pioneiro ao romper com a rigidez da posição de guarda-redes, jogando com os pés, saindo da área e criando a sua própria identidade em campo. A sua defesa mais emblemática, conhecida como "La de Dios" (A defesa de Deus), consistia em mergulhar em situações de um contra um, ajoelhando-se com os braços estendidos, expondo corajosamente o seu corpo.
Nascido em Carlos Tejedor a 19 de agosto de 1944, Gatti estreou-se na primeira divisão argentina em 1962, por Atlanta. Transferiu-se depois para o River Plate, onde foi considerado o sucessor de Amadeo Carrizo, e brilhou depois no Gimnasia y Esgrima La Plata e no Unión de Santa Fé. Mas foi no Boca Juniors que alcançou a glória absoluta: entre 1976 e 1988, disputou 417 jogos com a camisola xeneize e conquistou seis títulos, incluindo os dois primeiros troféus da Taça dos Libertadores (1977 e 1978) e a Taça Intercontinental contra o Borussia Monchengladbach.
Com um total de 765 jogos na Primeira Divisão local, detém o recorde do maior número de jogos disputados no futebol argentino. Além disso, partilha com Ubaldo Fillol o recorde de penáltis defendidos (26), um número que o reafirma como um dos maiores jogadores da baliza argentina.
Fez ainda parte da seleção argentina, disputando 18 jogos. Fez parte do grupo que viajou para o Campeonato do Mundo de 1966, em Inglaterra, e brilhou na célebre vitória sobre a União Soviética em 1976, onde foi apelidado de O Leão de Kiev.
Gatti retirou-se em 1988, aos 44 anos, depois de perder a titularidade no Boca para Carlos Navarro Montoya. Anos mais tarde, em 1998, teve o seu jogo de homenagem na La Bombonera.
Génio e figura da televisão
Fora dos relvados, Gatti foi sempre uma personagem. Nos últimos anos viveu em Madrid, onde participou como apresentador no programa desportivo El Chiringuito de Jugones, onde dava a sua opinião no seu estilo conflituoso e polémico. Nunca escondeu a sua admiração por Cristiano Ronaldo ou as críticas a Lionel Messi, que chegou a questionar após a conquista do Campeonato do Mundo de Futebol, no Catar-2022.
Em 2020, El Loco esteve à beira da morte devido à COVID-19 nos primeiros meses da pandemia. Ultrapassou esse momento crítico e recuperou, embora em 2024 tenha sofrido um dos golpes mais duros da sua vida: a morte da sua mulher, Nacha Nodar, com quem partilhou 54 anos de amor e teve dois filhos, Federico e Lucas.
Hugo Gatti foi muito mais do que um guarda-redes: foi uma figura inesquecível, uma personagem que rompeu com os padrões e transformou cada jogo num espectáculo. Foi um ídolo, um belo louco que viveu o futebol com alegria, ousadia e paixão. O seu legado permanecerá para sempre no coração dos adeptos e na grande história do desporto argentino.