“Foi uma viagem muito complicada. Já vínhamos de uma situação desportiva violenta e, depois disso, tivemos horas terríveis”, descreveu à agência Lusa o ex-defesa e treinador Carlos Pereira, de 75 anos, titular nas duas mãos da eliminatória frente aos alemães.
Um golo de Marinho foi escasso para inverter os tentos de Jürgen Pommerenke e Jürgen Sparwasser e evitar a derrota leonina perante o Magdeburgo (2-1), que, duas semanas antes, tinha visto Carlos Manaca a anular o autogolo de Carlos Pereira em Lisboa (1-1).
“O resultado aqui pecou por escasso, porque tivemos um domínio bastante acentuado. O Dinis falhou um penálti e eu fiz um golo na própria baliza, mas podíamos ter levado uma margem muito confortável para a RDA. Yazalde e Dinis, duas peças importantíssimas no ataque, magoaram-se antes da segunda mão e, mesmo a terminar, o Marinho cruzou na direita. O Fernando Tomé ia encostar para o golo, mas o campo estava cheio de altos e baixos e a bola desviou na lama, bateu-lhe na canela e saiu junto ao poste”, enquadrou.
Se os alemães derrotariam os italianos do AC Milan na final da Taça dos Vencedores das Taças (2-0), o Sporting falhava a reedição do inédito êxito selado 10 anos antes e digeriu esse “grande infortúnio” no regresso, juntando peripécias durante quase 3.000 quilómetros e 50 horas.
Horas depois de a Rádio Renascença emitir a senha musical “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso, revelando o início das operações militares para a queda do Estado Novo, a comitiva leonina acordou de madrugada e foi de autocarro até ao posto fronteiriço com Berlim Ocidental, um enclave da República Federal Alemã (RFA) situado em plena RDA.
A equipa de Mário Lino estava no muro de Berlim quando soube do golpe de Estado pelo seu intérprete e, depois, por João Rocha, então presidente do Sporting, mas “não deu a devida importância” aos relatos, até porque “vinha bastante molestada com o resultado”.
Superadas as dificuldades burocráticas para saírem da RDA - onde tinham chegado pela “fronteira mais longínqua”, pernoitando num hotel “sem alimentação e quartos adequados para uma equipa profissional” -, os leões voaram para Frankfurt e foram surpreendidos pelo encerramento do espaço aéreo português, que impediria o regresso direto a Lisboa.
“Voámos inesperadamente para Madrid. Quando chegámos, alguns funcionários da TAP relataram-nos em pormenor o que se passava em Portugal, mas numa dimensão em que haveria canhões, tiros e uma série de peripécias. Ficámos muito assustados, porque não tínhamos telemóveis - que não eram o instrumento mais prático - nem conseguimos falar com as nossas famílias. Entrámos ali num clima de algum terror”, contou Carlos Pereira.
A viagem seria reatada por estrada até à fronteira luso-espanhola do Caia, entre Elvas e Badajoz, onde o Sporting só conseguiu passar mediante ordens superiores no dia 26, na sequência de mais uma noite agitada e de um contacto telefónico fulcral de João Rocha com o general António de Spínola, recém-nomeado líder da Junta de Salvação Nacional.
“Nós estávamos cansados e esfomeados. Como os hotéis e residenciais de Badajoz não davam vazão para tanta gente, alguns dormiram nos poucos quartos disponíveis e outros em escadas. Entretanto, avançámos para a fronteira. Estava uma fila de carros enorme e a imprensa de diversos países para fazer o relato do que se passava em Portugal”, referiu.
Aliviados com a reentrada no país, os futuros campeões nacionais e vencedores da Taça de Portugal em 1973/74 perceberam que os rumores de violência nas ruas escutados na RDA eram excessivos, mas admitiam que “algo tinha mudado” com a queda da ditadura.